Estreará nesta quinta, dia 30/08, a nova série documental da HBO, O Negro no Futebol Brasileiro. Com direção de Gustavo Acioli — de Mulheres no Poder (2016) — e baseada no livro homônimo de Mário Filho, a sequência apresenta a trajetória do futebol brasileiro pela perspectiva do racismo, muito arraigado à história do Brasil. Por meio de partes marcantes da obra inspiradora, cenas de arquivo, tal como entrevistas com ex-jogadores negros e especialistas da área. No primeiro episódio, foram apresentados os primeiros anos do esporte por aqui, se atendo a época amadora que durou até o final dos anos 20.
O futebol chega ao país pelos pés de Charles Miller, em 1895, em conjunto com os anseios republicanos da época. Para ser mais inglês, faltou só o chá das 5. Pouco tempo antes, em 1888, foi promulgada a Lei Áurea, a qual, após uma sequência de legislações amenizando em falso a escravidão no Brasil, finalmente aboliu essa abominação. O negro, todavia, não deixou de ser discriminado; a eles sobrou o trabalho braçal, considerado baixo à época, a marginalização e a vergonha, em um Rio de Janeiro tentando ser Paris.
Na conversa mais marcante, das quais aparecem ao longo do seriado, a psicóloga Maria Lúcia da Silva, fundadora do Instituto Amma Negritude, aponta, além das desigualdades sociais, as profundas cicatrizes psicológicas oriundas do racismo. Ao encararem esse olhar de estranhamento, redutor, hostil, o negro vive cheio de apreensões, e como se mostra na série, para conquistar seu espaço no futebol, é ele que deve virar o mais perfeito gentleman — ter um futebol bonito e limpo, enquanto aguenta bordoadas do branco que o considerava sujo por essência.
O primeiro, conhecido também como El Tigre, ou Fried, foi provavelmente o maior craque do futebol amador. O detalhe, porém, descrito copiosamente no livro de Mário Filho, era o atraso frequente do jogador para entrar em campo, em razão da luta que era abaixar os cabelos armados. Para a distopia da época, sorte que os olhos verdes seguravam a barra.
Outro ídolo nacional do futebol, por curioso que seja, não foi tupiniquim, nasceu ao norte do Rio Prata e chegou por cá para representar o Uruguai no Campeonato Sul-Americano de Futebol de 1919. Seu nome era Isabelino Gradín, o único negro do torneio, um dos protagonistas do embate final contra o Brasil, não só por marcar um belo gol e participar do outro, como também pela perseguição que sofreu em campo, animada pela torcida que clamava a barbaridade. Para quem não tinha condições de comprar um ingresso para o elegante evento, o atacante de Montevidéu tornou-se herói, o celebravam nos subúrbios do Rio de Janeiro. Curioso como nasceram muitos Gradim’s (versão abrasileirada) na sequência do torneio, sendo que um deles viraria outro ícone do futebol.
Acrescentando à prosa do livro, há uma série de especialistas, na história do racismo e do futebol, fazendo comentários construtivos sobre o período, e, para mais, personalidades como Gilberto Gil. Interessante, entretanto triste, notar como mesmo os sentimentos contrários ao racismo tinham algo de coação, de maneira a deixar claro a importância de entender-se todo um contexto. Ficam depoimentos emocionantes de grandes jogadores ilustres como Júnior, ex-flamengo, Adriano, Dadá Maravilha e Romário. O do Imperador é particularmente impactante. Ver um homem daquele porte se desmanchando, à medida que acusa a valorização somente de sua imagem de sucesso profissional a despeito de suas origens, choca.
Esse primeiro episódio é um bocado acusativo, porém se encerra no momento no qual o futebol se profissionaliza. Fica um quê de aberto para a história que já sabemos. O Negro no Futebol Brasileiro mostra como a realidade bem contada é muito instigante e acaba com gostinho de quero mais.
por Pedro Teixeira
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