Num vídeo publicado nas redes sociais, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, pediu que a graphic novel “Vingadores: a Cruzada das Crianças” fosse recolhida dos stands de venda da Bienal do Rio de Janeiro. A ação, ocorrida no dia 5 de setembro, foi caracterizada como censura. Uma das páginas do livro exibe um beijo entre os personagens Hulckling e Wiccano — que são namorados —. Por conta da demonstração de afeto entre dois homens, Crivella acusou a HQ de possuir “conteúdo sexual” e que não deveria estar disponível para menores de idade. Em resposta ao prefeito, a Bienal do Livro publicou nota afirmando que nenhuma obra seria recolhida e o evento continuaria a dar voz a todos públicos, sem qualquer tipo de distinção sexual.
A organização da Bienal agiu rapidamente e entrou com pedido de mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) para impedir a fiscalização e apreensão dos livros, mas a decisão foi contrariada posteriormente pelo mesmo tribunal e assinada pelo desembargador Cláudio Mello Tavares, que mandou recolher as obras que não estivessem lacradas e com aviso de conteúdo. A ação censória foi logo suspensa por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STF), assinada pelo ministro Dias Toffolli, ratificando a liberdade de expressão.
Ao portal do STF, Toffolli disse: “De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo” e complementou: “além desse caráter instrumental para a democracia, a liberdade de expressão é um direito humano universal – previsto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 –, sendo condição para o exercício pleno da cidadania e da autonomia individual”.
O professor, sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paulo Baia, discorre sobre a onda conservadora instaurada no país. Sob seu prisma, esta onda que se perdura já por alguns anos, ajudou inclusive a eleger o prefeito Crivella: “quando ele é eleito, esse é um dos motes usados contra o Marcelo Freixo”. Em relação a publicação do vídeo no qual o prefeito do RJ fala sobre o suposto conteúdo “impróprio” dos livros, Paulo diz que “Crivella, ao gravar o vídeo, divulgar e tomar uma atitude teatral dos fiscais entrarem no Riocentro, não está preocupado com a reação contrária que vai ter, mas está preocupado em falar para o seu eleitor” e complementa: “a estratégia dele é de falar para o seu eleitor e manter uma polarização de costumes já tendo em vista a provável candidatura de Marcelo Freixo de novo. Ele quer agradar a base de seu eleitorado”.
Pensando na temática LGBT, Baia afirma que obras de qualquer tema têm de ser protegidas e que não se pode estabelecer o princípio de que a liberdade de expressão tem filtros. No caso de um texto com a temática LGBTQIA+, há a questão de uma discriminação contundente e violenta contra uma minoria, e atos como esse favorecem que tais grupos sejam vitimizados e que a violência contra eles aumente.
“Eu acho grave qualquer ato que atente contra as liberdades fundamentais, sobretudo atos que venham do poder público, que venham do poder de governo, sejam eles municipais, estaduais ou federais, porque isso diminui o espaço da democracia”, afirma Paulo Baia, que conclui: “a questão que está em jogo é a sobrevivência da democracia e atos como esses são violentos atentados à liberdade democrática”.
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