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Winterverno e a poesia de Leminski

Em 1994, vinha às livrarias o livro de poemas Winterverno, fruto da parceria de Paulo Leminski e do artista e também poeta João Suplicy. A obra, um livro-arte, conta com haicais (poemas de três linhas de origem japonesa) de Paulo e desenhos de Suplicy: à essa harmoniosa união entre gravuras e haicais, dá-se o nome de haigas. Winterverno completa vinte …

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Em 1994, vinha às livrarias o livro de poemas Winterverno, fruto da parceria de Paulo Leminski e do artista e também poeta João Suplicy. A obra, um livro-arte, conta com haicais (poemas de três linhas de origem japonesa) de Paulo e desenhos de Suplicy: à essa harmoniosa união entre gravuras e haicais, dá-se o nome de haigas.

Winterverno completa vinte anos no mesmo ano em que Paulo completaria setenta, não tivesse sido vítima de uma cirrose hepática em 1989. Ainda assim, tantos anos depois, o livro continua a encantar leitores: “Toda Poesia”, conjunto de todas as obras poéticas de Leminski, inlcuindo Winterverno, vendeu só no primeiro mês mais de 20 mil exemplares, desbancando best sellers como Cinquenta Tons de Cinza, de E.L James, marca incomum para um livro de poemas.

Mas não é para menos. Em apenas três linhas, Leminski tem a proeza de combinar poucas palavras de modo que descrevam as mais sinceras verdades, os mais reais sentimentos e os mais dolorosos tormentos. Tudo isso com uma simplicidade tão pura, tão fácil, tão poética que se torna impressionante. Como alguém é capaz de, com tão pouco, traduzir sensações complexas até mesmo de serem sentidas?

De qualquer modo, é incrivelmente difícil não se identificar com as poucas linhas e sorrir para as páginas, coloridas pelos desenhos de Suplicy, que sempre casam com a mensagem que Leminski transmite em seus haicais: as imagens contribuem para embelezar e completar as palavras dos poemas.

Seguem, abaixo, uma seleção de poemas presentes na obra original, acompanhadas dos desenhos de João Suplicy:

 

Apesar de Leminski apresentar certa preferência por haicais, como evidencia Winterverno, sua escrita poética tem “raízes na poesia concreta e na síntese, na experimentação e no coloquial”. Essas são as palavras utilizadas por Alice Ruiz – poeta e esposa de Leminski desde 1968 – para descrever o trabalho do escritor.

De fato, a poesia concreta tem grande espaço na produção do autor e é uma das que mais chamam a atenção dos leitores, principalmente pelo fato da poesia concretista ter como sua mais marcante característica o uso das disponibilidades gráficas que as palavras possuem. Não existem preocupações com a estética formal de começo, meio e fim. Assim, é comum a utilização de aspectos visuais e aproveitamento dos espaços em branco das páginas para disposição das palavras, como mostram os poemas abaixo, de Leminski. Poema2(1)     poema

coloquialismo é clássico em Leminski e ele se torna evidente nas palavras informais e mesmo palavrões utilizados pelo poeta e nas temáticas abordadas. Essa característica não só permite uma simplicidade confortável aos versos, mas ajuda também a divertir o leitor.

“Conheço esta cidade
como a palma da minha pica.

Sei onde o palácio
sei onde a fonte fica,
Só não sei da saudade
a fina flor que fabrica.
Ser, eu sei. Quem sabe,
esta cidade me significa.”

“Que se foda
Disse ela
E se fodeu toda”

“Madrugada
Bar aberto
Deve haver algum engano por perto”

“O amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro
ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos”

Mas é justamente da relação com Alice que Leminski tirou a melhor (na minha humilde opinião) parte de sua poesia. Nos poemas que escreveram um para o outro e que o casal costumava guardar numa pasta intitulada de “AM/OR”, é que estão os versos mais pulsantes e emocionantes. Tanto Ruiz quanto Paulo conseguem passar para o papel algo vivo sem fazer com que o significado seja perdido, mas sim, com que ele seja eternizado. É belo o exemplo a seguir:

“Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui”

O encantamento que Leminski traz é independente. De forma, de estilo, de tema. Para, infelizmente, terminar, selecionei aqueles que, muito humildemente, considero outros dos melhores poemas do autor: “Enchantagem” e “Razão de Ser”. O primeiro trata da inutilidade de nossas ações, do perfeccionismo impossível; o segundo trata da escrita: e sempre que um escritor falar sobre escrever, o resultado sai bonito de ser ler. Confira.

“Enchantagem

de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade”

“Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.”

Por Isabela Augusto

isabelacaugusto@gmail.com

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