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Amor fora da caixa

Por Paula Mesquita Você conhece uma pessoa especial. Se apaixona. Faz planos, se casa, constrói família… Vive feliz para sempre. Esse é o conto de fadas. Mas e se a vida real não for assim? E se, no meio desse processo, outra pessoa aparece e você se apaixona novamente? Uma escolha deve ser feita, certo? …

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Por Paula Mesquita

Você conhece uma pessoa especial. Se apaixona. Faz planos, se casa, constrói família… Vive feliz para sempre. Esse é o conto de fadas. Mas e se a vida real não for assim? E se, no meio desse processo, outra pessoa aparece e você se apaixona novamente? Uma escolha deve ser feita, certo? Errado.

Sempre houve e cada vez mais há pessoas que optam por se libertar do padrão monogâmico imposto pela sociedade, adotando formas de se relacionar afetivamente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Você já deve ter ouvido sobre o poliamor. Mas quem são essas pessoas?

Cartaz do filme Vicky Cristina Barcelona, que inclui uma relação poliamorista entre os personagens de Javier Bardem, Penélope Cruz e Scarlett Johansson (Fonte: Divulgação)
Cartaz do filme Vicky Cristina Barcelona, que inclui uma relação poliamorista entre os personagens de Javier Bardem, Penélope Cruz e Scarlett Johansson (Fonte: Divulgação)

Maria Rita Carvalho é estudante e vive, há cerca de um ano, um relacionamento poliamor com Victor Doering e Estêvão Vieira. A atual situação se desenrolou naturalmente: Maria tinha uma relação monogâmica com Victor e, quando o casal passou um tempo separado, ela se envolveu com Estevão. Optou-se por não optar. “A lógica social dita que deveria escolher um dos dois. Mas por que teria que escolher? Os relacionamentos são diferentes”, explica Maria Rita.

Para Victor, a simplicidade da questão é muito maior do que se faz ver. “Eu aceito as coisas como elas são. Nunca duvidei que ela gostava de mim. Se ela quer ficar comigo, por que eu não iria querer ficar com ela?”, diz ele, lembrando que os problemas que têm hoje são os mesmos que teriam se ainda estivessem num relacionamento monogâmico, por exemplo.

Estêvão acrescenta que, como em todo relacionamento, sentir ciúmes é normal, especialmente no começo. É necessário aprender a lidar e não fugir do sentimento. Além disso, concordam os três que é preciso estabelecer acordos, sem esquecer de respeitar suas próprias limitações. O importante é que seja bom para todo mundo – fora isso, é uma decisão que não diz respeito a mais ninguém.

Andrea Diaz, também praticante do poliamor, passou por uma situação parecida. Sempre fora monogâmica e acreditava que essa era a única forma de se relacionar; ela e o marido, Sérgio, se casaram há 13 anos com isso em mente. Durante os primeiros cinco anos ela sequer questionou haver outro tipo de união possível, até que o casal teve contato com o universo do swing (prática sexual em que casais trocam de parceiros). Algum tempo mais tarde, Andrea conheceu Fernando, seu atual namorado, pela internet e há quase três anos os três moram juntos.

“Quando se deixam os estereótipos de lado, passa-se a viver o diferente como o normal. A única diferença para mim é que amo duas pessoas ao invés de uma, todo o resto é igual. Só quando olho para fora de nossa vida é que percebo a diferença”, explica Andrea. Para ela, a grande dificuldade consiste em se encontrar referências em que se encaixar, quando a sociedade nos condiciona desde pequenos e oferece como modelo apenas a monogamia. “Escrever as próprias regras não é assim tão simples, mas vamos felizes, tentando, acertando, errando, mas vivendo”.

O importante, acima de tudo, é o amor. “Eu acredito que o amor é algo que nos complementa… Então por que limitá-lo? Eu nunca imaginei que poderia ser tão feliz. Encontrei duas pessoas maravilhosas, uma é quase que o oposto do outra, mas ambos pessoas do bem”, completa.

O problema da monogamia

Maria Rita, Victor e Estevão definem a monogamia tal como a conhecemos – não consistindo meramente em estar com apenas uma pessoa, mas em ter isso como uma obrigação – como uma estrutura machista e uma forma de dominação que favorece o sistema capitalista. Na sociedade em que vivemos, a função da monogamia é a de colocar a mulher em uma posição de submissão e dependência em relação ao homem, o que favorece o sistema político-econômico. “Um fortalece o outro”, diz Victor, que estuda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) e trouxe uma perspectiva jurídica à discussão.

Segundo ele, todo o direito familiar favorece o homem e sua posição como “dono”, agregando à noção feudal de família como “o conjunto de posses de um homem”, apresentada por Estêvão. Isso faz com que a mulher tenha “obrigações conjugais”, o que legitima barbaridades como estupros dentro do casamento.

Autoria: Tiago Silva/Quadrinhos Impossíveis

Família

A questão familiar pode ser vista por muitos como uma impossibilidade desse tipo de relacionamento. Como ter e criar filhos senão dentro do sistema nuclear  pai-mãe? Com os avanços (lentos, porém importantes) na legislação para uniões homoafetivas, por exemplo, tem-se a evidência de que o modelo tradicional está cada vez mais ultrapassado; o único fator imprescindível a uma família é o amor.

Andrea só não teve filhos ainda por questões de saúde, mas planeja contratar uma barriga de aluguel se conseguir o dinheiro.  Já Estevão acredita que não só seria possível constituir família fora do núcleo monogâmico, como crianças seriam mais felizes se criadas por mais de dois pais. Victor concorda que não há impedimentos para tanto, mas entende que a maior parte das pessoas teria um problema com essa ideia, especialmente neste momento.

Preconceito

O maior desafio ainda é fazer com que a sociedade supere seus padrões de relacionamento e aceite o poliamor. O preconceito é o grande problema enfrentado por seus praticantes, que muitas vezes são chamados de promíscuos, como ressalta Andrea: “Você deixa de ser uma família de respeito para ser considerado uma de segunda. Na cabeça de muitos vivemos uma orgia diária. O poliamor ainda tem uma conotação de promiscuidade”.

Maria Rita evita sair dizendo que está num poliamor. Já perdeu amizade por isso e não pode contar para a família porque não aceitariam. Victor também não se sente confortável para se expor dessa maneira, e não leva o assunto muito a fundo pois sabe que “vai ouvir coisa que não quer ouvir”.

Por outro lado, Estêvão tem sua forma de relacionamento aberta para a família, que a aceita. Ele atribui isso ao caráter machista de nossa sociedade: “Para o homem é mais fácil, faz o que quiser. Mulher tem que seguir as regras de conduta social”.

Andrea concorda e alega ter sofrido preconceito, de forma escancarada, somente de uma parte da família de seu marido. “Vivemos em um país machista. Se o Sérgio viesse com mais uma mulher para viver conosco, seria o cara. Mas como ele pode deixar outro homem vir morar na casa dele?”.

Uma sociedade onde as pessoas aprendam a respeitar o diferente é o que quer Andrea e todos os poliamoristas. “Não precisa concordar, achar tudo certo, mesmo porque o certo é questão de ponto de vista. Mas, onde há respeito, todas as outras coisas boas se somam”, ela conclui.

 

“Se eu te amo e tu me amas

E outro vem quando tu chamas

Como poderei te condenar?

Infinita tua beleza

Como podes ficar presa

Que nem santa num altar…”

— “A Maçã”, Raul Seixas

 

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