Um dos triunfos mais belos e fascinantes do cinema é o de nos presentear com personagens inesquecíveis. Alguns deles são envolventes a ponto de invadirem nossa psique, ficando registrados na memória coletiva. Seja se convertendo em parte integrante da cultura pop, virando tema de uma simples roda de conversa ou conquistando um espacinho na história cinematográfica, eles ganham vida e influenciam cada pessoa de maneira singular e íntima.
Apesar de exceções, alguns atributos geralmente são associados ao sucesso, como roteiro atraente, interação pertinente com os demais componentes do enredo, casamento perfeito entre ator e papel, caracterização intrigante, entre outros diversos aspectos que compõem uma arte tão complexa. O curioso é que, analisando esses e outros pontos, descobrimos que a quantidade de tempo que um personagem aparece em vídeo é um requisito muito menos importante do que pensávamos.
Vamos relembrar agora dez personagens que precisaram de pouquíssimos minutos de participação em seus respectivos filmes para roubarem a cena e ficarem marcados para sempre no nosso imaginário!
Hannibal Lecter – O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991)
Tempo de tela: 16 minutos
É inquestionável: as aparições de Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes são pontos altíssimos desse premiado clássico do suspense! O charmoso e inteligente psiquiatra que assassina brutalmente suas vítimas, praticando o canibalismo em seguida, já foi eleito o maior vilão do cinema americano pelo American Film Institute, organização independente composta por diversos profissionais da área.
De forma sádica e calculista, o homicida ajuda o FBI a traçar os perfis psicológicos de outros assassinos, desenvolvendo relação doentia e obscura com a agente Clarice Sterling, interpretada pela igualmente talentosa Jodie Foster. A dinâmica entre ambos é de dependência, mostrando que a perversidade de Hannibal não se limita às várias mortes que causou ou ao seu hábito de se alimentar da carne humana, mas também à tortura e manipulação mental que aplica em suas vítimas.
Com apenas 16 minutos de tela, o extraordinário Anthony Hopkins traz destreza e genialidade para o personagem, que se destaca de forma memorável e assustadora na trama. Com seu célebre olhar altamente magnético e sinistro, complementado pelo tom de voz sempre tranquilo e tenebroso, o ator fez do personagem um ícone e, de quebra, ainda levou pra casa o Oscar de Melhor Ator, em 1992.
Maria Elena – Vicky Cristina Barcelona (2008)
Tempo de tela: 15 minutos
Verdade seja dita: o filme é de Penélope Cruz, que rouba a atenção desde o primeiro segundo que entra em cena. Marcado pelas polêmicas envolvendo abuso sexual, Woody Allen também é conhecido por criar incríveis personagens femininas, dentre elas a enigmática e instável Maria Elena, interpretada pela excepcional atriz.
A moça respira arte, seu talento e criatividade são fomentados por seu desequilíbrio emocional e inconstância, vivendo sempre num turbilhão de sentimentos que se traduzem em uma personalidade extremamente charmosa, perturbada, cativante e perigosa. Ela é “um gênio”, como a mesma afirma em passagem do filme.
É difícil presumir se Maria Elena continuaria sendo uma pérola do universo de Allen sem a interpretação de Penélope Cruz, que dá vida à atraente bomba-relógio com maestria, fazendo com que essa figura extremamente dramática também fosse responsável por alguns dos momentos mais cômicos do longa. Não à toa, com apenas 15 minutos de aparição, Penélope abocanha um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, em 2008, e faz de Maria Elena uma personagem memorável de Allen .
Beetlejuice – Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice, 1988)
Tempo de tela: 17 minutos
Beetlejuice! Beetlejuice! Beetlejuice! É chamando o nome três vezes que surge um dos personagens mais reconhecíveis do cinema e do mundo mirabolante de Tim Burton. Um “bio-exorcista”, como ele mesmo se define, contratado por um casal de mortos para assombrar e expulsar um casal de vivos de sua casa. A filha destes é a única que consegue enxergar o medonho espírito e é a mais afetada por suas artimanhas sobrenaturais.
Que atire a primeira pedra quem nunca se deparou com a figura grotesca, vestindo seu famoso terno listrado! A estética sombria e excêntrica, característica do renomado diretor, é um dos atributos mais autênticos e marcantes do personagem, que permanece na lembrança do público mesmo após os mais de 30 anos de lançamento do filme.
Michael Keaton, intérprete do fantasma, é responsável por transformar meros 17 minutos de cena em uma experiência única para o espectador. Com seus maneirismos, expressões exageradas e elocução escandalosa, o ator consegue a proeza de não tornar o personagem cansativo, pelo contrário, foi capaz de traduzir toda sua bizarrice de forma brilhante. E pasmem, foram necessárias apenas duas semanas de gravação para que Michael desse forma a Beetlejuice.
Aurora – A Bela Adormecida (Sleeping Beauty, 1959)
Tempo de tela: 18 minutos
Era uma vez uma princesa, protagonista de uma produção que levou quase dez anos para ser concluída e um investimento de 6 milhões de dólares para sair do papel, mais de 55 milhões de dólares em valores atuais, a animação mais cara até então. Estamos falando de Aurora (Mary Costa/ Maria Alice Barreto), uma das mais tradicionais e populares princesas da Disney.
A Bela Adormecida completa 60 anos e ainda marca presença na infância de milhões de crianças, sendo revisitada em adaptações cinematográficas e em produtos altamente lucrativos para a companhia. Aurora permanece relevante, como a princesa condenada ao sono profundo após espetar o dedo em uma roca. A terrível maldição, lançada por uma fada malvada, só é quebrada após um beijo de amor verdadeiro.
É surpreendente, mas a princesa que dá nome ao título dessa obra clássica, só aparece em 18 minutos do filme! Mais inacreditável ainda é constatar que, dentro desses poucos minutos, Aurora tem somente 18 linhas de diálogo! Considerada até hoje como uma das princesas mais enfraquecidas e impotentes no que diz respeito à representação da mulher no universo Disney, também é inegável que seu encanto e figura icônica perduram por décadas.
Fantine – Os Miseráveis (Les Misérables, 2012)
Tempo de Tela: 15 minutos
O que Fantine faz de melhor é sofrer, sofrimento esse que garantiu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante à Anne Hathaway, em 2013, após perder 10kg em duas semanas e raspar os cabelos para viver a personagem. O sacrifício é visível nas telas, assim como o incrível e tocante trabalho da atriz, que rouba o show em apenas 15 minutos de participação, sendo responsável pelos momentos mais sensíveis e comoventes do filme. É difícil segurar a emoção quando I Dreamed a Dream é cantada pela heroína.
Uma das diversas adaptações da obra de Victor Hugo, Os Miseráveis se passa durante a Revolução Francesa e encontra em Fantine uma das passagens mais dramáticas da história. A personagem é uma jovem mãe solteira, que, sem condições de cuidar da filha enquanto trabalha e sofrendo com a discriminação da época, não vê outra alternativa senão entregá-la aos cuidados de um casal corrupto. Após perder o emprego, Fantine é forçada a se prostituir para alimentar sua filha e cumpre o papel de mártir da narrativa.
Por sua breve, mas poderosa, presença no filme, oriundo de uma obra que atravessa os séculos, a personagem mais que merece o título de memorável!
Pennywise – It: A Coisa (It, 2017)
Tempo de tela: 7 minutos
É melhor manter a calma, porque ele se alimenta do medo! Já interpretado pelo performático Tim Curry numa famosa adaptação para a tv no início dos anos 90, Pennywise volta a assustar o público nesse remake de 2017, tendo Bill Skarsgård na pele do palhaço. O filme é inspirado no livro homônimo de Stephen King, mestre do terror.
Pennywise é uma criatura ancestral que desperta em ciclos de 27 a 30 anos. Com o poder de mudar de forma, ele assume a figura de um palhaço horripilante para atrair crianças, seus alvos preferidos, assustando-as antes de matá-las. Para A Coisa, os medos das crianças são menos abstratos e mais fáceis de personificar, além de apreciar o sabor dos pequenos quando estão assustados.
O maior pesadelo dos coulrofóbicos é ícone na literatura e no cinema, marcando presença em aproximadamente 7 minutos do longa, sendo apenas 4 deles preenchidos por diálogo. Além da caracterização fantástica, a ótima atuação de Bill Skarsgård, que espanta com seu olhar extremamente sinistro e sorriso maléfico, leva o personagem a reafirmar com louvor seu lugar junto aos maiores símbolos do horror.
Darth Vader – Guerra nas Estrelas: Episódio IV – Uma Nova Esperança (Star Wars: Episode IV – A New Hope, 1977)
Tempo de Tela: 12 minutos
Apesar de ser o quarto episódio da saga, Uma Nova Esperança foi o primeiro filme de Guerra nas Estrelas a ser lançado e nos apresentar o grande antagonista da série, Darth Vader, aquele que todos amamos odiar. O sujeito tirânico e imponente, com suas vestes pretas, acompanhado da célebre marcha imperial, sua música tema, é inconfundível.
Braço direito do Imperador Palpatine, que deseja controle político, Darth Vader é capaz de aniquilar tudo e quase todos sem piedade. Representante máximo do lado negro da força, o temido líder conquista o público pelo seu carisma. Nascido como Anakin Skywalker, o personagem nos mostra várias facetas de sua personalidade, o que é melhor explorado nos demais episódios (trilogia clássica e segunda trilogia). A complexidade do perfil e da história de Darth, faz com que ele seja extremamente interessante e alcance uma grande identificação por parte do público.
Não deu outra, em apenas 12 minutos, o vilão interpretado por David Prowse transformou-se em uma das figuras mais importantes da consagrada obra de George Lucas e do cinema.
Bruxa Má do Oeste – O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939)
Tempo de tela: 12 minutos
Não há como não citar a vilã desse clássico atemporal. O Mágico de Oz foi um divisor de águas do audiovisual e fez com que Bruxa Má do Oeste se tornasse uma referência, sua aparência e trejeitos são o arquétipo supremo da bruxaria. Como se não fosse suficiente, a personagem ocupa a terceira posição do ranking dos 25 maiores vilões de Hollywood, eleita em pesquisa da revista Hollywood Reporter. O levantamento foi realizado com mil profissionais da área do entretenimento.
Na versão cinematográfica, a feiticeira deseja se vingar de Dorothy (Judy Garland), pois acredita que ela é culpada pela morte de sua irmã, a Bruxa do Leste, esmagada pela casa da menina. Entre uma nuvem de fumaça vermelha e outra, a bruxa indica que não descansará até roubar os famosos sapatinhos rubi de Dorothy.
Muitas cenas de Margaret Hamilton, intérprete da Bruxa Má do Oeste, foram cortadas da versão final do filme, por serem consideradas assustadoras demais para a audiência na época. Sem problemas, 12 minutos foram o bastante para retratar de maneira ímpar esse ser cruel e ilustre!
Frank, o Coelho – Donnie Darko (2001)
Tempo de Tela: 3 minutos
28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos é o tempo restante para o fim do mundo, mas para Frank, o Coelho (James Duval), cerca de 3 minutos já foram o suficiente para torná-lo umas das figuras mais excêntricas e distintas da sétima arte. O personagem é figurinha carimbada do cinema cult e ainda causa muita estranheza, feito alcançado com sucesso pelo diretor e criador Richard Kelly, que concebeu a imagem do coelho com o objetivo de perturbar as pessoas.
Frank é a conexão para uma existência paralela, manipulando Donnie para que suas ações evitem a destruição de todas as coisas. A figura aparece de formas diversas, vide o bichinho de pelúcia da irmã mais nova de Donnie (Jake Gyllenhaal), ou uma fantasia de Halloween, mas é como a manifestação de um elo para outro universo que Frank se destaca no filme.
Se na realidade do longa, Frank é imperceptível, sendo visto apenas pelo garoto, na realidade fora das telas, é impossível para o coelho gigante e medonho passar despercebido!
Lord Voldemort – Harry Potter e o Cálice de Fogo (Harry Potter and the Goblet of Fire, 2005)
Tempo de tela: 6 minutos
Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado está presente em filmes anteriores inspirados no universo fantástico de J.K. Rowling, mas é somente no quarto longa da franquia que nos deparamos com a figura aterradora e ofídica de Lord Voldemort. Esse é o aspecto físico e gestual que perdura no imaginário de milhões de fãs da saga e até mesmo no daqueles que não acompanharam a trama.
Considerado por muitos como o maior bruxo das trevas de todos os tempos, Voldemort quer para si todo o poder do mundo mágico, a supremacia perante os mestiços e não-bruxos, e a imortalidade. Para isso, deve exterminar Harry Potter (Daniel Radcliffe), único que foi capaz de derrotá-lo, “O Menino que Sobreviveu”.
A performance de Ralph Fiennes, com sua linguagem corporal expressiva e única, foi um espetáculo à parte no filme. Com apenas 2 dias de gravação e pouco mais de 6 minutos em cena, o ator conseguiu atrair todas as atenções. O trabalho excelente da equipe de maquiagem também merece aplausos, já que sua aparência ameaçadora ajudou a tornar o personagem ainda mais memorável. Você-Sabe-Quem deixa de ser marcante apenas nos livros, para se tornar inesquecível também no cinema.
Menção Honrosa
Coringa – Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008)
Tempo de Tela: 33 minutos
Tudo bem, esse personagem tem bastante tempo de tela se comparado aos demais elencados na nossa lista, mas não deixa de ser espantoso descobrir que o grande destaque de Batman: O Cavaleiro das Trevas está presente em somente cerca de 20% da duração total da produção. A atuação impressionante e inigualável de Heath Ledger faz parecer que Coringa está muito mais presente que isso.
É uma ironia cruel que o ator não tenha presenciado e colhido os frutos de seu melhor trabalho, pois faleceu antes da finalização e lançamento do filme. Heath alcançou o auge de sua carreira personificando o criminoso e conquistou um Oscar póstumo de Melhor Ator Coadjuvante, em 2009.
Vista por parte do público, de profissionais do setor cinematográfico e da crítica especializada, como a melhor representação de todos os tempos do vilão, já encarnado pelo aclamado Jack Nicholson, Ledger elevou o patamar e consagrou o personagem de uma vez por todas como um dos mais inesquecíveis e impactantes da história do cinema.