Por Andrey Furmankiewicz (andreyffurman@usp.br) e Matheus Ribeiro (matheus2004sa@usp.br)
Nesta segunda-feira (01), completam 120 anos da criação de um dos times mais famosos da Europa: o Bayer Leverkusen. Com cerca de quatro milhões de torcedores e com o nono maior número de apoiadores na Alemanha, a equipe encantou o mundo inteiro em sua última temporada.
Dos medicamentos aos esportes
O nome da equipe dos Leões, apelido dado em alusão a seu mascote, pode soar familiar a várias pessoas. A palavra “Bayer” faz referência ao nome da gigante do ramo farmacêutico, sediada na cidade de Leverkusen, que está diretamente relacionada com a origem do clube que conhecemos atualmente.
A partir de 2002, o mascote ganhou o nome de Brian [Reprodução/X: @bayer04_en]
A fundação do ancestral do único campeão invicto da Bundesliga se iniciou em 1903, quando funcionários da empresa farmacêutica liderados por Wilhelm Hauschild, sugeriu aos diretores a criação de um clube desportivo composto por empregados como forma de arrecadar fundos extras em uma época na qual a fábrica passava por crises financeiras.
Essa ideia surgiu a partir da rotina dos próprios trabalhadores da empresa. Ana Clara Albuquerque, jornalista esportiva e dona do maior perfil brasileiro sobre a liga alemã no Instagram (@bumbundesliga) esclarece: “Os funcionários costumavam praticar esportes em seus períodos de descanso, então essa aprovação era uma oportunidade para continuarem”.
Com a aprovação dos superiores, em 1 de julho de 1904 foi fundado o Turn-und Spielverein Bayer 04 Leverkusen (Clube esportivo e de ginástica Bayer 04 Leverkusen). O departamento de futebol seria criado apenas em 1907.
A partir de tensões internas entre praticantes de diferentes modalidades, sobretudo entre os ginastas (principal atividade do clube) e atletas dos outros esportes, foi feito o repartimento da antiga agremiação em 1928, criando o Sportvereinigung Bayer 04 Leverkusen (Associação Desportiva Bayer 04 Leverkusen), que se tornaria a equipe que conhecemos hoje.
Em 1984, os dois clubes se uniram novamente, criando a atual denominação: TSV Bayer 04 Leverkusen eV [Reprodução/Wikimedia Commons]
Ascensão à elite futebolística
Desde sua origem, o clube participou de campeonatos nacionais que, pela falta de uma competição unificada — o que viria a se tornar a Bundesliga em 1963 —, eram torneios regionalizados nos quais cada campeão se enfrentaria para definir o vencedor.
Mas os Leões tinham dificuldade de se manter na primeira divisão deste torneio, oscilando entre a elite e a “segundona”. Tanto que essa inconstância da equipe de Leverkusen fez com eles não participassem da primeira edição da Liga Alemã nos moldes de hoje, realocados a um patamar inferior.
Após anos sem conseguir alcançar a elite do futebol alemão, o Bayer conquistou o acesso à Bundesliga na temporada de 1979/80. Nesse meio tempo, o time de Leverkusen conquistou um título da segunda divisão, e sofreu um rebaixamento em 1973.
Relação entre clube e empresa
O Bayer Leverkusen, desde sua fundação, é comandado pela gigante farmacêutica Bayer, estabelecendo o sistema de gestão de clube-empresa, isto é, sua administração não é feita por uma associação sem fins lucrativos, mas sim por uma empresa que busca lucrar pelo esporte.
Porém, esse modelo administrativo é algo polêmico na cultura futebolística da Alemanha. Em 1998, a Federação alemã sancionou a “Lei dos 50 + 1” como protecionismo em uma época de grandes investimentos estrangeiros no esporte. “Essa regra [50 + 1] não permite que os clubes sejam geridos ou de empresas. 51% [das ações do clube] são pertencentes aos torcedores e associados, e os outros 49% estão disponíveis para a negociação, que, geralmente, é feita com empresas nacionais.”, diz Albuquerque.
“Na Alemanha, há o sentimento de que o clube é dos torcedores”
Ana Albuquerque, jornalista esportiva
O Bayer, assim como o Hoffenheim e o Wolfsburg, é uma exceção a essa regra pois o molde de propriedade do clube já existia quando a lei foi criada. O que não impediu que os Leões fossem mal vistos por outros torcedores. “Existe certo preconceito com os clubes-empresa na Alemanha. Os demais clubes têm uma origem mais humilde, foram criados por trabalhadores. Por mais que o Leverkusen também fosse, ele já possuía um patrocinador rico desde o início.”, comenta a jornalista.
Elementos identitários do clube
Os escudos
O emblema que representa a equipe de Leverkusen sofreu mudanças ao longo de sua história. Inicialmente, o símbolo era o mesmo da empresa farmacêutica: um leão dourado com uma globo azul, acompanhado pelo nome da instituição e seu “ano de nascimento”.
Esse escudo foi usado até a cisão interna no clube [Reprodução/Wikimedia Commons]
Após a cisão entre associações esportivas, o Bayer colocou em prática uma reformulação visual em 1928, substituindo as cores azul e amarelo pela tradicional combinação rubro-negra, que acompanha o time até hoje.
A abreviação do nome do clube desportivo esteve presente apenas nesse escudo [Reprodução/Wikimedia Commons]
Ocorreram outras mudanças ao longo do tempo, mas a principal, além das já mencionadas, é a de 1996, que é a marca registrada do clube atualmente.
Um dos leões representa a empresa, cujo mascote é o mesmo, e o outro a região de Bergischess-Land [Reprodução/Wikimedia Commons]
Os uniformes
Os trajes utilizados pelos atletas que representam a camisa do clube-empresa seguem o padrão rubro-negro no geral. Os primeiros uniformes costumam ser predominantemente pretos com detalhes vermelhos, assim como seus calções.
Uniforme da temporada 2023/24, a mais vencedora do clube [Reprodução/X: @bayer04_en]
O segundo tende a ser predominantemente vermelho com detalhes pretos. Ou até pode-se fugir do padrão, com um uniforme branco e detalhes rubro-negros.
A temporada 2023/24 foi um exemplo em que a cor branca dominou no segundo uniforme [Reprodução/X: @bayer04_en]
Como de costume nos times de futebol, kits alternativos — os terceiros uniformes — não se prendem às cores tradicionais, possibilitando o uso de combinações diferentes para ocasiões diversas.
O estádio
Fundada em 1958, a BayArena é o local onde os Leões atuam em suas partidas como mandantes. É nela que seus torcedores viveram suas melhores experiências e piores decepções.
Mesmo moderna, sua capacidade é um problema para candidatar a BayArena para sediar torneios de seleções [Reprodução/Wikimedia Commons]
Reformada drasticamente em 2009, a arena é referência em modernidade esportiva e arquitetônica. Com cerca de 30 mil lugares, ela foi projetada para que a arquibancada estivesse próxima do campo, além de ter uma estrutura que oferece visões claras em qualquer ponto do estádio.
A BayArena foi o primeiro estádio da Europa a ter um restaurante McDonald’s e um hotel quatro estrelas [Reprodução/Wikimedia Commons]
Com isso, a torcida de aproximadamente 4 milhões lota o estádio em quase todas as ocasiões, criando uma atmosfera capaz de motivar seus jogadores e intimidar os adversários.
O maior rival
Sua principal desavença esportiva é protagonizada pelo Colônia (ou Köln, no alemão), time de cidade próxima da região da Renânia do Norte-Vestfália, onde também está localizada Leverkusen. A rivalidade é pautada justamente pela proximidade geográfica das “cidades-berço” de ambos clubes.
Para a alegria dos torcedores do Leão, na temporada 2023/24, seu time foi coroado com o título nacional, e seu rival foi rebaixado para a segunda divisão.
Ídolos
Ulf Kirsten: o centroavante alemão atuou de 1990 até 2003 pelo Leverkusen, sendo o maior artilheiro da história do clube com 240 gols. Kirsten era um goleador nato e um grande finalizador, foi o artilheiro de três edições da Bundesliga, de uma edição da Taça da UEFA — atual Liga Europa —, de uma edição da Taça Europeia dos Clubes Vencedores de Taças, e foi campeão da Copa da Alemanha na temporada 1992/93. O craque foi o primeiro capitão honorário dos leões, título dado a atletas que jogaram pelo menos dez anos no clube, cerca de 300 partidas e com notória personalidade.
Kirsten é o maior goleador da história dos Leões [Reprodução/Site oficial: bayer04.de/en-us]
Rüdiger Vollborn: o goleiro alemão é o atleta com mais jogos disputados (487) e mais títulos conquistados na história da equipe rubro-negra, tendo ganhado a Copa da UEFA de 1987/88 e a Copa da Alemanha de 1992/93, fazendo parte da equipe de capitães honorários. Vollborn era um excelente goleiro e foi crucial durante sua passagem no clube entre 1982 até 2000.
[Reprodução/ https://www.bayer04.de/en-us]
Bernd Schneider: o meio-campista atuou no Bayer por dez anos e foi um dos principais nomes do time nos anos 2000, jogando 366 partidas. Chamado de “brasileiro branco” devido a sua habilidade técnica, Schneider se destacava pelos passes precisos e por sua visão de jogo, sendo o maior assistente da história do clube com 81 assistências, além de ter marcado 52 gols. O meia também se tornou um dos capitães honorários do time.
[Reprodução/Site oficial: bayer04.de/en-us]
Carsten Ramelow: outro capitão honorário, Ramelow era um volante que também atuava na zaga, e defendeu os Werkself por 12 anos (1996-2008), participando de 437 partidas (segunda maior marca do clube). Era reconhecido como um grande marcador e um dos pilares da defesa do Leverkusen durante seu período de atuação no clube.
Michael Ballack: um dos maiores jogadores da história do futebol alemão, três vezes futebolista do ano do seu país e melhor meio-campista da UEFA em 2002, Ballack teve duas passagens pelo Leverkusen: a primeira entre 1999-2002, e a outra no final de sua carreira (2010-2012), contabilizando 155 jogos. Era um meio-campista completo, capaz de defender e atacar, caracterizado pela sua habilidade técnica, visão de jogo, raça e seus potentes chutes de longa distância. O craque somou 42 gols e 28 assistências pelos leões.
[Reprodução/Instagram: @michaelballackofficial]
Lúcio: o zagueiro brasileiro teve uma passagem relativamente curta pelo clube, de três anos (2001-2004), em 122 partidas, mas de grande impacto. Lúcio era uma unidade defensiva, combinando sua força física, qualidade na bola, liderança e até capacidade para fazer gols. Mesmo na zaga, o jogador marcou 21 gols pelo Bayer.
Zé Roberto: mais um brasileiro que atuou pelos Werkself, vestindo a camisa do time em 150 oportunidades entre 1998 e 2002. Zé Roberto era um meio-campista que atuava preferencialmente pelos lados do campo, como um meia-esquerda, mas que também tinha muita versatilidade, podendo jogar na lateral esquerda e como volante/meia-central. Dotado de grande habilidade técnica, controle da bola e habilidade de controlar o meio-campo, Zé Roberto foi peça importante do Leverkusen, tanto ofensivamente quanto defensivamente.
Dimitar Berbatov: o atacante búlgaro atuou no time alemão por cinco anos (2001-2006), participando de 202 partidas. Reconhecido por seu controle de bola e suas finalizações precisas, Berbatov marcou 91 gols e distribuiu 34 assistências com a camisa do Bayer. Além disso, foi futebolista do ano da Bulgária por sete vezes e artilheiro da Copa da Alemanha na temporada 2001/02, com seis gols.
Principais campanhas
Por muito tempo, o Bayer foi considerado um clube de pouca tradição. Mesmo figurando na elite do futebol nacional por mais de 60 anos, e com aparições nos principais torneios continentais, como a Champions League e a Europa League, esse estigma acompanhou o clube por muito tempo.
Até a temporada de 2023/24, a sala de troféus dos Leões possuía poucos títulos expressivos: um título da segunda divisão de 1978/1979, uma Taça UEFA (atual Europa League) de 1987/88, e uma DFB-Pokal, a Copa da Alemanha, de 1992/93.
Além dessas, houveram outras campanhas disputadas pelo Bayer que foram marcantes a sua história.
Bundesliga 1999/00
Nesta edição da liga alemã, o Bayer Leverkusen fazia uma ótima campanha, que foi suficiente para garantir a primeira colocação na penúltima rodada.
O segundo colocado na época era o Bayern de Munique, que já era o maior campeão da história da competição, separado por três pontos do clube-empresa. Para os leões bastava apenas um empate contra o modesto SpVgg Unterhaching, time que estava no meio de tabela e sem possibilidades de ser rebaixado ou promovido a alguma competição continental, para garantir o inédito título.
Entretanto, o imprevisível aconteceu. O Bayer Leverkusen perdeu de 2 a 0, enquanto o Bayern venceu seu último compromisso e garantiu o troféu por possuir um saldo de gols maior.
O quase triplete de 2001/02
A temporada foi marcada pelo ótimo desempenho do clube nas três principais competições que estava disputando: Bundesliga, DFB-Pokal e Champions League. Havia a expectativa de que a Tríplice Coroa — conjunto de troféus formados por liga, copa nacional e continental — seria conquistada, ou pelo menos um dos campeonatos.
Tudo estava indo certo até o fim da temporada, porém, a partir de abril de 2002, o que era a temporada dos sonhos, virou um pesadelo. Na Bundesliga, o Bayer estava na liderança, com o Borussia Dortmund atrás por uma distância de quatro pontos, faltando apenas quatro jogos para definir o vencedor. Mesmo com o título inédito encaminhado, os Leões engataram uma sequência de derrotas e empates que fizeram perder a liderança ao aurinegros ainda na penúltima rodada.
Após a primeira perda de título, o Bayer Leverkusen ainda tinha as copas para decidir. Mas o cenário se repetiu: na Pokal, foi goleado por 4 a 2 pelo Schalke 04, e na Champions, perdeu de 2 a 1 para o Real Madrid, com direito ao gol antológico de Zidane.
“Por ter ganho poucos títulos e essas ‘batidas na trave’, o clube ganhou dos adversários o apelido de ‘Neverkusen’, o time do nada”
Ana Albuquerque
Histórica temporada 2023/24
A contratação do técnico Xabi Alonso na temporada anterior livrou o time do rebaixamento e terminou a Bundesliga na sexta colocação, deixando uma boa impressão para os torcedores. Mas poucos esperariam a temporada fantástica que estava por vir.
“É o Leverkusen de Xabi Alonso, é bom enfatizar esse nome. Um ex-jogador que já marcou a história de muitos torcedores e hoje está marcando como um treinador que mudou a cara de um clube. Fez um dos clubes mais imbatíveis da Europa. Jogadores que antes não eram muito comentados, foram tão bem geridos por Xabi Alonso que hoje são grandes nomes do futebol”, diz a jornalista.
O time da Renânia do Norte-Vestfália se sagrou campeão invicto do campeonato alemão, com cinco rodadas de antecedência, pela primeira vez em sua história, interrompendo uma sequência de 11 títulos seguidos do Bayern de Munique, e sendo a primeira equipe a ganhar a liga alemã sem ser derrotada. Foram 34 jogos, 28 vitórias, seis empates e nenhuma derrota.
O time alemão chegou na final da Europa League contra a Atalanta, partida na qual conheceu sua única derrota na temporada, perdendo a decisão por 3 a 0, e a invencibilidade que já durava 51 jogos, a maior da história do futebol europeu, contando partidas oficiais em todas as competições, não somente campeonatos nacionais..
Os leões conseguiram conquistar a DFB-Pokal (Copa da Alemanha) de forma invicta batendo o Kaiserslautern por 1 a 0 na final, amenizando a derrota sofrida na Liga Europa e encerrando a temporada, já histórica, com estilo.
Durante o ano, o neverkusen transformou seu infame apelido em neverlusen, ou seja, “nunca perdem” devido, além da incrível sequência de invencibilidade, à resiliência que mostraram em inúmeras partidas que pareciam perdidas. Foram 11 partidas ao longo da campanha em que os alemães evitaram a derrota ou venceram nos acréscimos da segunda etapa.
No total da temporada foram 53 jogos, 43 vitórias, nove empates e apenas uma derrota, em todas as competições.
Wirtz, Xhaka, Frimpong, Grimaldo, Boniface e outros foram os principais nomes do elenco na temporada. [Reprodução/X: @bayer04fussball]