Por Bárbara Bigas (barbaraebigas@usp.br)
No primeiro dia de atividades da 26º Semana Temática da Biologia USP, aconteceu o microcurso “Atuação do Biólogo em Programa de Conservação de Fauna: o caso das tartarugas-marinhas/Fundação Projeto Tamar”. A condução foi de José Henrique Becker, biólogo e coordenador de Pesquisa e Conservação na Fundação Centro Brasileiro de Proteção e Pesquisa das Tartarugas Marinhas, da Fundação Projeto Tamar, na Base de Ubatuba, em São Paulo.
A palestra foi dividida em três momentos. No primeiro, Becker explicou sobre o funcionamento do Projeto Tamar, que trabalha com cinco diferentes espécies de tartarugas marinhas em seus locais de desova, alimentação, migração e descanso. São mais de 1.100 quilômetros de praia protegidos pelo programa.
Além do trabalho de campo, é competência do Projeto Tamar, o desenvolvimento de pesquisas, iniciativas de educação ambiental e sensibilização das comunidades. Com essas ações, a Fundação Projeto Tamar está alinhada a vários Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável declarados pela ONU.
O modelo utilizado pela Fundação é o de autossustentação, que angaria recursos principalmente com centros de visitantes, localizados em cidades turísticas, e lojas.
Como resultado desse trabalho, são cerca de 1 milhão e 750 mil filhotes protegidos da ação humana por ano. Um dos impactos antrópicos mencionados por Becker é a captura incidental na pesca, definida como uma das maiores ameaças para tartarugas marinhas no Brasil.
Raízes do trabalho
Parte essencial do trabalho envolve a conscientização de moradores que vivem em torno de locais de desova ou alimentação. “Eu entendo que trabalhar com conservação de meio ambiente no Brasil sem envolver as comunidades, os moradores que estão na comunidade onde você trabalha, é algo que não tem muito futuro. Se a gente trabalhasse só com pesquisa, publicando artigos e não levar essa informação, não tentar transformar o que está acontecendo em campo, a gente não consegue avançar na conservação”, defendeu Becker.
Um exemplo disso foi quando, nos anos 80 que marcam o início do Projeto Tamar, havia um consumo desordenado de carne de tartaruga marinha. Como primeira atividade de pesquisa, a Fundação Projeto Tamar monitorava praias, recolhia ninhos em locais perigosos e os transferia para locais protegidos, orientava as comunidades e supervisionava equipes.
“Esse é um diferencial que atrai o interesse de pesquisadores de outros países. Eles vêm aqui para saber ‘como é que vocês fazem isso?’”, comentou o biólogo. É, inclusive, uma preocupação da Fundação a educação da população sobre a defesa das tartarugas, a partir da criação de manuais de boas práticas, cartilhas, realização de palestras e reuniões de sensibilização com as comunidades locais.
Papel do biólogo
Todas as atividades mencionadas podem ser empenhadas por biólogos, mas não apenas por eles. A atuação da Fundação Projeto Tamar é multidisciplinar e envolve oceanógrafos, engenheiros de pesca, veterinários, gestores ambientais, entre outros profissionais.
Outra atividade importante destacada no microcurso é a obtenção de informações que identificam espécies, proporcionando cálculos de taxa de eclosão, tempo de incubação dos ninhos e suas proporções sexuais.
“Há a necessidade de você monitorar constantemente o tempo de incubação na praia. Se você sabe que, na praia, estão nascendo os ninhos com 60 dias, você tem que esperar que no cercado de incubação também estejam nascendo com 60 dias, para que não haja interferência na proporção de machos e fêmeas. Isso tudo é feito pelos pesquisadores, que são, na maioria, biólogos”.
Desafios que persistem
Ações antrópicas como o desenvolvimento costeiro, empreendimentos turísticos de hotéis e resorts, urbanização das praias e fotopoluição inspiram pesquisas e o monitoramento da equipe da Fundação Projeto Tamar.
“Os empreendimentos industriais e portuários trazem grandes alterações ao relevo de praia, da circulação de correntes marinhas, da granulometria da areia da praia. Isso altera o habitat, altera temperatura de incubação e taxa de eclosão dos filhotes”, explica Becker.
Como primeira ação, o biólogo faz um diagnóstico do impacto: quem está causando e onde acontece. Depois, propõe um teste de medidas mitigadoras e tenta transformar essas medidas em leis. “Já existem normas que foram criadas por conta da ação da Fundação Projeto Tamar, que limitam a quantidade de iluminação que pode chegar na praia”.
Um exemplo atual são os estudos com filhotes de tartarugas para entender qual a melhor forma de medir a luminosidade artificial das praias próximas a áreas de desova. A partir dos dados obtidos, as informações são levadas aos órgãos licenciadores. “Você vai tentar sensibilizar quem está empreendendo e vai participar de audiências públicas, de conselhos municipais, tentar inserir essa temática da tartaruga marinha dentro dos novos licenciamentos de obras que vão acontecer em áreas de desova de tartarugas.”
Algumas vezes, o trabalho de conservação dos biólogos também pode ser desempenhado após alguma atividade de impacto, como aconteceu após a explosão da barragem da Samarco em Mariana, Minas Gerais.
Os estragos das explosões foram sentidos em áreas de desova da tartaruga-de-couro e, por isso, houve uma operação de resgate que transferiu os ninhos para locais seguros. Depois desse ocorrido, iniciou-se uma coleta de informações a respeito da contaminação e da reprodução das tartarugas, além de analisar se houve mudanças no sucesso reprodutivo e na sexagem dos filhotes devido ao acúmulo de sedimentos.
Confira outras matérias da nossa cobertura da 26ª STBio:
- Os impactos das mudanças climáticas
- Reintrodução da ararinha-azul na natureza
- Genética do comportamento
*Imagem de capa: Facebook/Projeto Tamar