Por Julia Estanislau (julia.estanislau@usp.br)
A ararinha-azul é uma espécie endêmica do Brasil que foi considerada extinta na natureza no século passado. Porém, os esforços para sua conservação e reintrodução no ambiente estão dando certo: desde 2014, o número de indivíduos têm crescido. Hoje, são mais de 300, com alguns já em vida livre.
Natural do semiárido baiano, a primeira vez que a ararinha-azul foi descrita foi numa expedição de Johann Baptist von Spix, no século 19. O tráfico de aves nos anos 60 e 70 levou a espécie à extinção. Em 1986, sobravam apenas três indivíduos e, desde 2000, é considerada extinta na natureza.
“Ela é um símbolo da conservação, mas já foi o símbolo de como o homem pode acabar com uma espécie de animal, simplesmente por conta de sua ganância”, diz Camile Lugarini, coordenadora executiva do Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-azul.
A pesquisadora conta que zoológicos e criadouros conservacionistas começaram a contribuir com a conservação da ararinha, com o aumento da criação em cativeiro. Até 2014, o número de nascimentos não passava de dez.
Isso mudou a partir de 2013, quando o criadouro Al Wabra Wildlife Preservation (AWWP), no Qatar, conseguiu sucesso reprodutivo a partir da inseminação artificial, pareando fêmeas com machos compatíveis. A partir daí, houve um boom nos nascimentos. Em 2022, foram mais de 60 nascidos.
Desde 2019, o Plano de Ação Nacional para Conservação da Ararinha-azul tem o objetivo de reintroduzir essas aves no seu ambiente natural, mantendo o crescimento populacional em cativeiro e em vida livre por meio da prática sustentável e engajamento das comunidades locais.
Três anos atrás, o projeto construiu o Centro de Reprodução e Reintrodução, na Caatinga, para receber 52 aves que vieram da Alemanha. O local, escolhido por ser o habitat natural da Ararinha-azul, não tem luz elétrica e a água é suprida por caminhões-pipa e água de poço.
O criadouro, que são centros de reprodução e contam com um corredor de manejo e os setores de veterinário e de incubação, é mantido com um gerador a diesel. “Apesar de todas essas limitações, em 2021, tivemos sucesso reprodutivo”, diz Camile.
Processo de soltura
O plano de reintrodução das ararinhas na natureza já está em curso. O grupo de soltura preparado para isso foi dividido em dois: um em período seco e outro em período reprodutivo. A primeira soltura foi em junho do ano passado, com oito aves. A segunda aconteceu em dezembro do mesmo ano, com 12 ararinhas-azuis.
Para garantir maior sucesso de soltura e de adaptação ao ambiente, os pesquisadores juntaram as ararinhas-azuis com uma espécie da região, o Maracanã. As duas espécies compartilham os mesmos hábitos e ambientes.
A estratégia dos pesquisadores foi usar as aves Maracanã como tutoras das ararinhas-azuis. Por convivência ainda antes da soltura, elas passaram a usar os mesmos alimentos que os Maracanãs. Elas também aprenderam a como se livrarem de predadores por observar a outra espécie fugindo.
Até o momento, quatro aves foram predadas, duas desapareceram e uma teve que retornar ao cativeiro para melhor se adaptar à natureza. Porém, no geral, a avaliação é de que a soltura foi um sucesso.
Camile explica que os primeiros meses são os piores, mas o projeto atingiu sucesso acima do esperado. A meta de sobrevivência era de no mínimo 60% nos primeiros meses e o projeto obteve 85,7%.
Além disso, o grupo de ararinhas soltas conseguiu manter 87% de coesão, o que é importante para a sobrevivência da espécie: “Quanto maior o grupo de soltura, maior o sucesso de soltura”, diz a pesquisadora. A maior parte das mortes estão associadas à dispersão. “Quando estão sozinhos, eles são predados mais facilmente”, completa.
A fidelidade ao local de reintrodução também é um indicativo de sucesso da soltura: a meta era de 30% a 40%, mas, em um ano, foi atingido 65% de fidelidade. Outro aspecto, talvez o mais importante, foi que houveram tentativas de reprodução entre as ararinhas-azuis.
Atualmente, 11 indivíduos estão sendo preparados. Neste ano, porém, o projeto teve um problema no recebimento de ararinhas por conta da emergência aviária. Grande parte das aves bebês vêm de fora.
O projeto utiliza a técnica de soft release (soltura branda), na qual a porta da gaiola fica aberta. A ave pode escolher quando sair e quando voltar ao local de reintrodução. Camile diz que, no dia da primeira soltura, a primeira ararinha só saiu três horas após a abertura da porta da gaiola.
O monitoramento dos animais é feito por VHF (Very High Frequency), uma frequência de rádio muito alta entre 30 e 300 MHz, e por meio dos comedouros instalados nos recintos ou nos arredores desses locais, considerados seguros. A suplementação da alimentação é feita de duas a três vezes por dia.
Antes da soltura, a alimentação das ararinhas foi totalmente adaptada de acordo com a sazonalidade das frutas e outros alimentos da vida livre. Assim, as aves já foram soltas sabendo o que e quando procurar.
Comunidades locais
A participação da comunidade local é essencial para o projeto. Ela está totalmente engajada e participa tanto do monitoramento das aves como do cuidado delas: “Os monitores são pessoas das comunidades locais. Eles preparam a comida, falam com a comunidade e monitoram as araras”, diz Camile.
Foi criado um programa de rádio que fala sobre a chegada das ararinhas-azuis, quando elas vão ser soltas, se alguma está desaparecida, entre outras informações. Também foram criados cursos de capacitação para lidar com a espécie oferecidos à comunidade.
Isso ajuda a comunidade a acompanhar o andamento do projeto e na integração dela com a reintrodução da ararinha na natureza. “É importante que a comunidade esteja engajada, para proteger as ararinhas de traficantes”, fala.
Ameaças
A principal ameaça é a predação. Mesmo assim, outra preocupação surgiu nos últimos anos: a abelha africanizada. É uma espécie exótica invasora, fruto do cruzamento entre as espécies europeia e africana, e que tem uma capacidade reprodutiva muito grande.
Hoje, ela tem dominado o ambiente rural, principalmente as áreas degradadas, o que inclui a área de conservação da ararinha-azul. Elas acabam ocupando ocos que as ararinhas poderiam ocupar, o que interfere na reprodução.
Ainda, as aves têm de disputar espaços nas árvores com os gambás e se proteger da caça esportiva que é praticada na região.
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*Imagem de capa: Reprodução/ Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, Revista Pesquisa Fapesp