Por Beatriz Hadler (balmeidahadler@usp.br) e Yasmin Constante (yasminconstante@usp.br)
Igor Pires, Milton Hatoum e Hayley Kiyoko foram alguns dos destaques do oitavo dia de evento. A sexta-feira 13 contou ainda com um bate-papo sobre o gênero do horror na literatura nacional. Confira mais detalhes da 27ª Bienal do Livro reunidos pela Jornalismo Júnior.
Quando o amor entra em campo
Os autores Arquelana, Ayslan Monteiro, Babi A. Sette e a mediadora Iris Figueiredo se reuniram na Arena Cultural Paper Excellence para falar sobre amor e esportes. Os três escritores — cada um com suas particularidades — têm lançamentos recentes sobre o tema e tentam mesclar esses dois mundos, que podem estar mais próximos do que se imagina.
Por vezes, o esporte pode ser usado para disseminar o ódio. Os autores relatam que buscam quebrar esse paradigma por meio de seus livros e tornar o universo esportivo mais inclusivo. Ayslan afirma que foi a proibição de manifestações em prol da comunidade LGBTQIAP+ na Copa do Mundo no Qatar, em 2022, que o motivou a escrever uma história sobre o amor entre dois jogadores de futebol. O autor completa afirmando que crianças LGBTQIAP+ têm os esportes arrancados de suas trajetórias.
“No futebol eu só existo em cantos homofóbicos contra as torcidas rivais.”
– Ayslan Monteiro
Da música até a literatura: Hayley Kiyoko
Em sua primeira vinda ao Brasil, Hayley Kiyoko marcou presença no oitavo dia da Bienal do Livro. A autora participou de um bate-papo na Arena Cultural Paper Excellence para falar de seu sucesso Girls like girls: uma história de amor entre garotas (Intrínseca 2023) e da representação lésbica na literatura. Além de escritora, ela também é cantora e atriz.O livro surge como expansão da história de seu videoclipe de maior sucesso, cuja música leva o mesmo título do livro.
Os fãs da autora a aguardavam ansiosamente e marcaram presença lotando a Arena Cultural. O momento contou com surpresa do público, que levantou bexigas com as cores da bandeira lésbica. Hayley ainda chegou a cantar brevemente, gerando comoção entre os fãs.
O terror e a brasilidade: escritores nacionais e suas experiências com o gênero
Também na Arena Cultural, os autores André Vianco, Márcio Benjamin e Ana Paula Maia apresentaram suas experiências na palestra “Horror no Brasil”, mediada pela também escritora Gih Alves. Os escritores demonstraram carinho pelo terror, destacando que o gênero, apesar de causar medo, é acolhedor e abraça diferenças.
“Nunca tive medo do escuro, procuro o lado sombrio em todas as coisas.”
– Ana Paula Maia
Para eles, trabalhar com a morte é apenas lidar com uma passagem da vida. André destaca que, na sua opinião, nada é mais natural do que esse processo. “Daqui 200 anos ninguém que conhecemos ainda estará vivo, mas o mundo vai continuar, somos uma pequena parte de um grande todo”, completa.
A sexta-feira 13 é uma data popularmente associada ao azar, mas para alguns, é apenas uma oportunidade de consumir conteúdos de terror. No Brasil, o gênero ocupa cada vez mais espaço e pode ser encontrado dos mais variados modos: desde histórias sobre o sertão, como em Agouro (Escribas, 2019) – livro de contos de terror reais que se passaram no sertão –, narrativas sobre vampiros de Osasco, como as que André Vianco gosta de tratar em seus livros, e até cordéis sobre a lenda da loira do banheiro.
Márcio Benjamin escreve sobre terror em obras como o seu livro Sina (Darkside Books, 2022). Em entrevista à Jornalismo Júnior, ele revela sempre ter admirado o gênero e se diz orgulhoso em ser o primeiro escritor nordestino a publicar em parceria com a Darkside Books.
A fanática fã do gênero, Caroline Campos, compartilhou seu gosto por livros, filmes, séries e até desenhos animados relacionados ao terror. “Eu vinha na Bienal quando criança e comprava coleções de livros como A Hora do Espanto”, conta. Jornalista recém-formada, ela relata que sentia medo quando pequena, mas, à medida que cresceu, redescobriu o horror como uma forma de abraçar as diferenças.
Para Caroline, esse gênero literário mobiliza uma das emoções mais primárias do ser humano: o medo. “Ver como a arte consegue provocar e explorar sensações de pavor e desconforto é muito interessante”, explica. Ela encontra tranquilidade nas sagas de terror por saber da previsibilidade das histórias. “A vida é quase como um filme de terror – e muito mal dirigido”, brinca.
“O terror permite que você olhe para personagens grotescos e reconheça o que eles sentem.”
– Caroline Campos
Por envolver o acolhimento dentro da própria estranheza e proporcionar novas visões de mundo, a visitante indica o gênero para todos os tipos de público. Caroline sugere autores mais conhecidos, como Stephen King, como o primeiro passo para novos leitores. Outra recomendação que para ela é indispensável é a autora Shirley Jackson. Referência no terror queer, Clive Barker escreve livros envolvendo comunidades marginalizadas, como a LGBTQIAP+. Caroline também compartilha seu encanto pelas diferentes formas e novas frentes que o terror tem tomado na literatura nacional e latino-americana. Ela sugere a prosa de Mariana Enríquez e Maria Fernanda Ampuero, por abarcarem diversos formatos, assim como temáticas sociais e políticas.
“Quem lê faz grandes amigos”
Além de entrar em contato com novos personagens e realidades diferentes, os livros proporcionam a criação de laços com os próprios escritores. A Bienal oferece a possibilidade do público estreitar essas relações de amizade e admiração por meio de sessões de autógrafos e encontros com os autores que fazem o evento acontecer.
A convite da Fundação Universitária para o Vestibular (FUVEST), o escritor, tradutor e professor Milton Hatoum retornou à Bienal após décadas. Ele participou de uma mesa mediada pelo professor de História da Universidade de São Paulo (USP), Júlio Pimentel Pinto, acerca do romance Dois Irmãos (Companhia das Letras, 2000), que foi ganhador do prêmio Jabuti em 2001 e compõe a lista de leituras obrigatórias para o vestibular. “Eu saio daqui muito contente com esse diálogo com os jovens leitores”, declara.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Hatoum compartilhou seu sentimento de satisfação ao saber que milhares de estudantes estão em contato com a sua literatura. Assinando os exemplares de fãs, o autor destacou que o romance selecionado é uma porta de entrada de novos públicos para o restante da sua obra.
“Ser lido por jovens é muito interessante, porque a literatura vai fazer parte da formação intelectual e moral deles.”
– Milton Hatoum
Em sua última sessão de autógrafos da semana, o escritor Igor Pires resolveu adotar um formato diferente: uma roda de conversas intimistas com os leitores. Entre lágrimas, aplausos e risadas, o autor de livros que ficaram famosos nas redes sociais, como Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente (Alt, 2017) e Fim em doses homeopáticas (Alt, 2020), ouviu histórias dos fãs e falou sobre sua preferência por compartilhar momentos de atenção e acolhimento com o público.
“Estar com eles aqui sentados no chão é uma maneira de dizer que eu me importo”, expõe Igor. “Poder estar aqui hoje, escutar suas histórias e perceber como meu trabalho impacta diretamente a vida deles é minha maior realização”. Ao fim, todos os presentes assinaram o exemplar do escritor do seu livro lançado no último dia 30 de agosto, Esse é um corpo que cai mas continua dançando (Alt, 2024).
A Bienal também atua como espaço de troca entre escritores independentes e novos leitores. É o caso de Lara T. Vainstok, autora dos livros A Busca de Ella (2021), Castelo de Areia (2022) e Arcano da Montanha (2022) – o último lançado na Bienal do Livro do Ceará de 2022, onde diz ter vendido mais de 700 exemplares em sete dias. Diante de respostas positivas por parte do público, a escritora compartilhou sua pretensão de finalizar a trilogia sem o suporte de grandes editoras, visando entregar sua melhor produção.
Tendo participado também das Bienais do Rio de Janeiro, Bahia e Pará, Lara descreve sua experiência como de “muita felicidade, mas também de muita luta”. Mesmo lidando com o desinteresse de muitas pessoas pela literatura nacional, de fantasia e independente, ela ressalta a importância do contato próximo com os leitores como uma maneira de olhar para a própria obra com outros olhos. “Têm tanto as pessoas que não gostam do meu trabalho, como as que se aproximam e viram minhas amigas”, comenta.
*Imagem de capa: Yasmin Constante/ Acervo Pessoal