Björn Andrésen tinha 16 anos quando foi selecionado por Luchino Visconti para performar o papel de Tadzio no que seria a obra prima do diretor italiano, Morte em Veneza (1971). Na época, o adolescente sueco que mal compreendia os idiomas falados no set de filmagens virou uma celebridade mundial. Apelidado por Visconti como “o garoto mais bonito do mundo”, do dia para a noite Bjorn se tornou uma referência de beleza — e de desejo ao redor do mundo. Com a fama, veio o assédio. Depois disso, uma coleção de tragédias e de muita solidão.
50 anos depois de Morte em Veneza o público reencontra Björn Andrésen em O Garoto Mais Bonito do Mundo (The most beautiful boy in the world, 2021), agora com rugas no rosto, cabelos longos e barba grisalha — um tipo muito distante do padrão caucasiano que despertou paixões na década de 1970.
O documentário é a oportunidade de Andrésen contar seu lado da história. Talvez mais uma história para denunciar os comportamentos abusivos sofridos por artistas dentro do cinema. Talvez um filme sobre a perversidade da fama. Decerto, dificilmente algo que pudesse surpreender o público, que já conhecia a história de Andrésen desde a sua entrevista para o The Guardian, em 2003.
Mas Kristina Lindström e Kristian Petri quiseram mais do que isso. O Garoto Mais Bonito do Mundo vai além da denúncia. Trata-se de um daqueles raros filmes que oferecem uma conexão legítima à vida de um outro ser humano. No caso de Björn, uma vida cheia de lacunas e que dificilmente nos chamaria atenção. Mas que passa a ocupar um espaço nas nossas mentes, construindo um sujeito que não se define apenas por suas experiências de infância.
Somos mergulhados na angústia de um protagonista inalcançável. Alguém que está sempre distante, encoberto por um sofrimento misterioso. Uma pessoa que nem o próprio Björn parece conhecer, que ainda está sendo descoberta entre fragmentos de acontecimentos conturbados.
Nesse sentido, a câmera de Lindström e Petri é preciosa. É impressionante como a filmagem se faz presente em momentos tão delicados. De alguma forma, temos a sensação que as pessoas simplesmente esqueceram de estar participando de um documentário. E os diretores não perdem tempo em captar essas cenas de intimidade.
O distanciamento de Bjorn, contudo, gera certas dificuldades à obra. Na maior parte das vezes os relatos são narrados por terceiros. Talvez em função do impasse na comunicação com o protagonista, os diretores se voltam aos fatos, preocupando-se em apresentar personagens de cada instância da vida de Bjorn. Uma preocupação que acaba gerando excessos prejudiciais ao desenvolvimento de questões mais importantes — imaginem ter o poder de trocar a cena de Bjorn folheando a bíblia por mais alguns minutos da sua experiência como pai?
De toda forma, esses problemas não tiram a beleza do documentário. Fica claro que a história de Bjorn não é simples. Por essa razão, é possível que os becos sem saída oferecidos pelo documentário sejam apenas um reflexo da complexidade que perturba o próprio protagonista.
Na conclusão do filme, sua namorada pergunta: “se Bjorn não tivesse sido Tazio, teria tido ele uma vida melhor?”; “Seria ele uma pessoa diferente?”. São perguntas que acompanharão Björn Andrésen por toda sua vida. Perguntas do universo do “e se…” que não valem apenas para Bjorn e que ficarão para sempre sem respostas. No fim, o que resta para Andressen (e para todos nós) é enfrentar o abismo entre o que poderíamos ter sido e do que realmente somos e dar continuidade a essa difícil jornada de se compreender como pessoa.
Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer: