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A importância social da CUFA e da Taça das Favelas

Em meio a um cenário desigual, a CUFA usa o futebol para fornecer exercícios de cidadania à população periférica.

Em 2018, o Brasil foi alertado pela Unicef que seis em cada dez crianças viviam em situação precária. Desse alerta pode ser inferido que a menor parte dos jovens brasileiros vive em seguridade social, com nutrição, moradia e outras condições suficientes para a vida.

A desigualdade brasileira não fica apenas entre os jovens e inclui todo cenário social. Em dados isso significa, segundo o índice Gini, comumente usado para calcular a desigualdade e a distribuição de renda entre os países, o Brasil estar enquadrado entre os dez países mais desiguais do mundo. Significa também, que até antes mesmo da pandemia, 1% da população mais rica já detinha quase um terço da renda total do país.

A renda é um fator que delimita os direitos à assistência social e a exercícios de cidadania em uma sociedade capitalista. Isso vale até mesmo para a situação de moradia, na qual a parcela mais marginalizada tende a ocupar locais periféricos, onde em muitos casos nem mesmo o Estado consegue atuar.

A Central Única das Favelas (CUFA) surge como contraponto ao cenário problemático nacional. A CUFA é uma organização que presta uma ampla assistência periférica, com o intuito de oferecer à população marginalizadas atividades ligadas à educação, lazer, cultura e cidadania.

O trabalho social da organização abrange vários campos e a Taça das Favelas é um dos muitos projetos dessa instituição que usa o esporte como forma de prestar serviço à classe marginalizada. Tudo se resume em incluir a periferia ao resto da sociedade e ao menos trazer aos participantes um sentimento de cidadania e pertencimento.

A diretora executiva da CUFA, Elaine Caccavo, ambientaliza todo sentimento que a taça envolve a comunidade: “Para os moradores verem as suas favelas jogando a Taça é como assistir a uma Copa do Mundo. Sobretudo quando os jogos são transmitidos TV aberta. Para os jogadores nem se fala. Mas a Taça mobiliza a favela toda. Os moradores organizam carretas para irem aos jogos”.

[Imagem: Reprodução/@tacadasfavelassp]


A taça das favelas

O regulamento da Taça das Favelas pode variar de acordo com estado ou município. Na edição paulista, o torneio — até a última edição em 2019 — era realizado em duas etapas. Tudo começa no DIPE — dia da peneira — no qual há o recrutamento de alguns jovens aos times da comunidade. E acaba na competição com  jogos entre os times, disputados no formato de mata a mata.

Essa competição é exclusiva para moradores da favela e deve obedecer a algumas regras. No caso da modalidade masculina existem algumas restrições. Entre os 30 atletas inscritos, 24 têm que ser do próprio complexo do time e os outros 6 de qualquer favela de São Paulo. Nesse sentido, a modalidade feminina é mais flexível, pois das 30 atletas, 10 devem ser da comunidade e 20 de qualquer região da cidade.

As comunidades inscritas são avaliadas e selecionadas pela Comissão Organizadora por alguns critérios de avaliação como: compromisso com as ações organizadas da CUFA, garantia de segurança, envolvimento da comunidade e garantia de equipamentos. Visando a variabilidade de equipes existe uma fase eliminatória.  32 de 96 equipes são eliminadas no masculinas e 8 de 32 equipes são eliminadas no feminino. Os times de piores campanhas disputam com as novas favelas, por uma disputa de vagas na próxima edição.

A primeira edição da taça das favelas ocorreu no ano de 2012, no Rio de Janeiro. Mas foi em São Paulo na edição de 2019, que o estádio do Pacaembu com mais de 37 mil espectadores expressou o amplo sucesso desta competição.

Em 2020, influenciado pela pandemia, a taça criou uma edição do jogo digital Free Fire. Essa edição contou com 1.064 times de mais de mil favelas espalhadas pelo Brasil e distribuiu aos finalistas uma premiação total de 30 mil reais.

Mas, nem tudo é perfeito para a CUFA. Organizar torneios de futebol em muitas comunidades espalhadas pelas partes do Brasil também significa ter um gasto amplo em infraestrutura.

Por consequência da magnitude da taça das favelas de futebol, outro problema é despertado: o conflito entre diferentes comunidades, o que em muitos casos é representado pela disputa territorial entre facções. A taça propõe superar a desunião e a violência promovidos por conflitos intra periféricos, substituindo a rivalidade social por uma esportiva. O esporte adquire uma importância em auxiliar o desenvolvimento de unidade periférica.

Sobre os obstáculos da CUFA Elaine alega: “A questão de logística, horário, transporte, convivência e etc. Temos um regulamento muito rígido na questão disciplinar, o que nos permite, por exemplo, que no Rio, a Taça das Favelas seja o único lugar onde moradores de favelas controladas por facções rivais se encontrem e convivam em total harmonia.“

A importância da CUFA não para por aí. Na pandemia foi criado um projeto de ajuda humanitária para combater a crise econômica causada pelo isolamento social, e nessas circunstâncias o futebol não profissional parou.

Quando perguntado sobre a situação atual da instituição e o futuro da taça das favelas, Elaine responde: “Bom, a Taça das Favelas está prevista para retornar no segundo semestre de 2022. Mas os projetos de ajuda humanitária seguem a todo vapor, a CUFA Contra o Vírus e as Mães da Favela. Inclusive, os técnicos do times da Taça atuam como lideranças das suas favelas, neste período. São eles que vão recolher as doações nas sedes das CUFAs e distribuem em suas respectivas favelas.”

Futebol: A batalha de muitos, o glamour de poucos

[Imagem: Reprodução/@tacadasfavelassp]
O Brasil é considerado o país do futebol, historicamente reconhecido mundo afora como produtor de talento nesse esporte. No entanto, revelar tantos craques não significa aproveitar toda oferta de talentos, principalmente os das grandes periferias. Se muitos craques têm origem humilde, com certeza muito mais não são nem relevados e são perdidos durante toda a trajetória presente nesses espaços.

Ser jogador é um sonho de milhões de brasileiros; e o privilégio de poucos. O país do futebol deve muito fora das quatro linhas. As condições adversas do cenário nacional explicam a trajetória árdua de um possível craque.

A periferia abriga tanto os principais talentos como as principais adversidades. Nesse cenário, graves problemas básicos acarretam em desafios diários para um jovem se consolidar no futebol. Quem depende de um transporte público de qualidade sofre ao longo do deslocamento necessário. Quem apresenta problemas financeiros precisa se dedicar a outras atividades que sejam rentáveis. Quem tem insegurança alimentar não consegue render tanto no esporte.

Descrever os empecilhos iniciais do processo para se tornar jogador no Brasil ocuparia mais de um texto inteiro. As dificuldades de se profissionalizar e ter sucesso são difíceis para qualquer atleta, principalmente os de periferia. Agora outro mito deve ser desconstruído. Praticar futebol profissionalmente não é um glamour. Um relatório da CBF apontou  que 82,40% dos jogadores ganhavam até 1.000,00 . Já no cenário feminino, é visto frequentemente atletas de alta relevância com preocupações financeiras e problemas de infraestrutura básica para praticar futebol profissional de forma digna.

Diante de tudo isso, qual será o motivo que está por trás de tantos jovens que querem batalhar para alcançar uma profissão tão concorrida e de futuro incerto? A resposta é incerta, mas ela pode ser deduzida pela representação do futebol na sociedade mundial. O futebol é o esporte mais popular do mundo. O ato de torcer cria memórias emocionais e ao mesmo tempo estabelece laços afetivos com times, jogadores e outros torcedores. De maneira geral, o futebol significa amor e paixão para qualquer praticante e torcedor.

No entanto, mesmo que uma pessoa ame o futebol desde sempre, seja uma guerreira frente a todas adversidades nacionais, detenha talento e possua uma mente ambiciosa e determinada, nada disso implica necessariamente  que essa pessoa consiga se tornar atleta. Ainda falta o fator mais importante, o talento necessita ser visto e recrutado.

Muitos de nossos craques já consagrados têm origem neste espaço, é preciso considerar que esses, em algum momento na vida, sofreram com as mesmas dificuldades de revelar seu talento ao mundo, seja para algum time ou empresário.

Quem garante que o processo de seleção de jogadores de futebol seja justo? No geral tudo é definido em apenas um dia e uma peneira determinará essa resposta. A Taça das Favelas surge como um alento para essa indagação. Esse torneio pode, no mínimo, ensinar lições de cidadania e inclusões geradas por meio do esporte, de oficinas e workshops. E no máximo, pode fazer um jovem de periferia se transformar em uma estrela do futebol mundial.

Disputar a Taça das Favelas já pode ser considerado um feito, mas não significa uma carreira no futebol. São poucos os jogadores que passam pelas peneiras na formação do time e disputam a taça. Entre esses “atletas“, uma minoria consegue se profissionalizar. Um desses casos é de Victor Balotely, destaque e campeão da edição de 2019. Por incrível que possa parecer, nesse elenco campeão, apenas ele e outro colega conseguiram se profissionalizar. “De 40 moleques, vai destacar 2 ou 3“, comenta Victor.

Na periferia muitos talentos disputam poucas vagas em oportunidades de captação e recrutamento: “Na comunidade tem gente que joga pra caramba, só que não teve essa oportunidade que muitos tem ou teve que nem a taça das favelas”.

Ele já tinha tentado algumas peneiras em times profissionais, mas foi na taça das favelas que seu futebol apareceu para o mundo, e que seu talento despertou atenção de times e empresários. Depois de ser campeão da taça, Victor seguiu carreira, passou pelas bases do Internacional e do Cruzeiro. Recentemente, realizou mais um sonho: jogar no continente europeu, no Rio Maior SC. Hoje, tanto Victor como sua família estão muito felizes e são bem gratos à Taça das Favelas.

Os campeões da taça

A Taça das Favelas é um dos únicos campeonatos esportivos em que não existem derrotados. No final há apenas um time em cada modalidade que vence, mas ao analisar os benefícios sociais dessa competição, todos são campeões, tanto o glamour como a batalha são recompensados.

Karol Mineiro, jogadora profissional do América Mineiro, ex-participante e campeã na edição de 2019, tem um discurso que significa muito bem a essência desse torneio. “Eu creio que a taça ainda vai realizar o sonho de muita gente, faz o bem pro jovem de periferia”, comenta a jogadora.

Aqui vale voltar a analogia de Elaine, a taça das favelas sendo equivalente a uma Copa do Mundo. A copa é o grande sonho na vida das estrelas do futebol, essa competição apresenta a maior oportunidade de visibilidade dos jogadores com o resto do mundo, a maior possibilidade de representar seu lugar e ao mesmo tempo gerar alegrias ao seu povo.

O peso dos jovens em disputar a taça das favelas é similar ao peso que  as estrelas sentem ao jogar o principal torneio do futebol profissional. Esses jovens também buscam relevância, de expressar seu talento para que assim amplie suas chances de profissionalizar-se. Eles buscam fornecer alegria a seu povo, isso é sua comunidade, suas famílias e seus amigos. Desse forma, o sentimento nacionalista comum a copas é transformado em sentimento regionalista aos jovens que disputam a taça.

O sentimento regionalista pode ser considerado uma das maiores vitórias ao povo periférico envolvido nessa competição. Diante de uma visão midiática e social que diariamente criminaliza esses espaços e muitos dos seus moradores. A taça surge como uma esperança de valorizar a favela e a própria comunidade.

A jogadora fala: ‘’eu torço muito para que a periferia não seja vista só como maldade. A sociedade de classe alta só vê a periferia como um lugar ruim, um lugar onde só tem maldade, não é assim tem muitos jovens sonhadores lá, pessoas boas que querem ter dignidade e saúde”.

A Taça das Favelas transforma a vergonha do povo periférico em orgulho a partir de uma ressignificação benéfica da favela. Aquilo que antes considerado violento e com noção de afastamento, se transforma em lugar afetivo identitário ou simplesmente um lugar comum: com práticas esportivas, possibilidades de ascensão e exercícios de cidadania.

Em outras palavras, a taça representa uma blindagem da periferia contra a violência, as favelas se transformam em um lugar comum, onde a população apresenta direitos como o resto da população. Valorizar o local significa voltar a sonhar mesmo diante da vida árdua e de toda desigualdade nacional. Nas palavras de Karol: “A taça representa a esperança de um mundo melhor, de tirar crianças da rua e do mal caminho”.

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