Por Camilla Freitas e Luis Eduardo Nogueira
Foi nas Olimpíadas de 1968, no México, que um dos maiores protestos envolvendo o mundo dos esportes aconteceu. Tommie Smith, medalha de ouro, e John Carlos, de bronze, no momento em que subiram ao pódio, levantaram seus punhos, com luvas pretas, em menção à luta dos negros estadunidenses, em menção à luta dos Panteras Negras. Foi por conta desse gesto altamente simbólico que o Comitê Olímpico Internacional deu uma declaração alegando que Olimpíadas e Política não combinam, não andam juntos. Entretanto, ao longo da história desse evento esportivo, não é isso o que vemos acontecer, o esporte olímpico tem acompanhado, muitas vezes, os paradigmas políticos que o norteiam.
(Correção: Olimpíadas 1968)
Os protestos
Na primeira Olimpíada realizada na América Latina, o choque cultural e suas consequências políticas se evidenciaram. Os anos de 1968 foram marcados por eventos políticos em todo o mundo: a guerra do Vietnã estava no auge, a China vivenciava sua famosa Revolução Cultural, a greve geral em Paris palpava o que seria seu lendário mês de maio daquele ano, Martin Luther King havia sido assassinado, na América do Sul os regimes ditatoriais militares se solidificavam, enfim, não havia como não tratar de todos esses assuntos em qualquer que fosse a ocasião de encontro entre as nações. E foi isso o que aconteceu nas Olimpíadas de 1968.
Antes do início dos jogos, estudantes mexicanos realizavam um protesto pacífico contra o governo do presidente Gustavo Díaz Ordaz, a invasão dos militares nas universidades e a realização dos jogos, protesto este que foi altamente repreendido pela polícia gerando um número de 300 mortos estimados. Esse episódio, ocorrido na Plaza de las Tres Culturas, ficou conhecido como Massacre de Tlatelolco.
Mesmo sendo considerada a Olimpíada que mais marcou no cenário político, antes de 1968, nos jogos do Japão também houve protesto, mesmo que mais discreto. O jovem responsável por acender a pira olímpica foi o corredor Yoshinori Sakai, nascido no ano de 1945, ano em que a bomba atômica Little Boy foi lançada pelos Estados Unidos, numa localidade pertencente à prefeitura de Hiroshima. Tal cerimônia também vazia menção às atrocidades que estavam sendo cometidas pelos norte americanos na guerra do Vietnã.
Mas, um dos maiores protestos envolvendo os jogos Olímpicos ocorreu no ano de 1936, com a criação das Olimpíadas Populares em Barcelona, Espanha. Eles foram organizados pela Internacional Deportiva Obrero Socialista e reuniu algo em torno de 6000 atletas tendo a França com o maior número de representantes, 1500. Esses jogos foram realizados paralelamente aos jogos de Berlim, os quais Hitler usava como forma de provar a superioridade da raça ariana (o que não deu muito certo, uma vez que muitos medalhistas foram negros). A data de abertura dos jogos ficou marcada para o dia 22 de julho, entretanto, festas em comemoração a sua realização aconteciam desde o dia 18 no mesmo mês. Por uma infelicidade política, os jogos não chegaram a acontecer. A Guerra Civil Espanhola estava prestes a estourar, quando o general Mota invadiu a cidade catalã e iniciou um combate contra os organizadores e os próprios atletas. O resultado disso foi a vitória do governo ditatorial do general Franco.
Um pouco desvinculado aos protestos ligados direta e exclusivamente ao governo, nas Olimpíadas de Londres em 2012, diversos protestos ocorreram contra os patrocinadores dos jogos. As reivindicações estavam atreladas ao fato de que eles não pagavam impostos e, ainda, que alguns incentivavam o trabalho escravo nas confecções de uniformes esportivos.
Desde seu início, os Jogos Olímpicos são palco de manifestações políticas importantíssimas. Durante os dias olímpicos, todo o mundo está olhando para aquele lugar, as lentes, as câmeras estão todas apontadas para o mesmo ponto, o que aumenta a visibilidade e alcance das manifestações políticas, aumentando sua efetividade. Porém, um ponto negativo surge com essa convergência das atenções mundiais. Grupos terroristas veem nas olimpíadas uma oportunidade para amplificar a intensidade de seus atos.
Terrorismo nas Olimpíadas
Ano de 1972. Os jogos olímpicos de Munique mostrava-se um sucesso de organização e público, edição sem precedentes, pois era, até o momento, a que contava com o maior número de atletas participantes. Porém, durante os jogos, no dia 5 de setembro, outro acontecimento sem precedentes marcaria as Olimpíadas de Munique.
Já na segunda semana de jogos, houve um significativo enfraquecimento no esquema de segurança do Comitê Olímpico da Alemanha Ocidental, pois, além da primeira semana tranquila, havia a intenção de não transmitir uma ideia de militarização da cidade. A delegação israelense já havia demonstrado preocupação com a segurança na Vila Olímpica (visto que os atletas facilmente saiam e entravam nas casas de outras delegações).
Na noite do dia 4 de Setembro, vários atletas israelenses saíram para assistir à peça Um Violinista no Telhado, de de Joseph Stein, Sheldon Harnick e Jerry Bock, depois disso foram jantar, antes de retornarem à Vila Olímpica, sem imaginar o que poderia lhes ocorrer na mesma madrugada. Por volta das 4:30 da manhã, terroristas do grupo denominado Setembro Negro invadiram a casa armados fortemente e lá fizeram de reféns 9 atletas e deixaram dois mortos. O grupo exigia a libertação de 234 palestinos presos em Israel.
Após uma emboscada policial desastrosa, mostrando o despreparo das autoridades para uma situação daquelas, todos os reféns foram mortos e os terroristas também. Os jogos de Munique foram suspensos. O mundo estava aterrorizado.
Talvez devido ao grande choque provocado pelo atentado em Munique, 5 edições dos jogos olímpicos ocorreram sem nenhum episódio marcante envolvendo terrorismo. Foi em Atlanta, 1996, que o medo voltou a rondar as olimpíadas. O Centennial Olympic Park foi alvo de uma bomba, que matou duas pessoas e deixou 110 feridas. Eric Robert Rudolph, um norte-americano membro de um grupo conservador dos Estados Unidos, o Exército de Deus, assumiu a autoria do atentado.
Em 2008, nas Olímpiadas de Pequim, na China, uma polêmica acerca de possíveis células terroristas do povo uigur surge para reavivar o debate acerca do terrorismo nas olimpíadas. O governo chinês realizou uma ação em Xinjiang, uma região islâmica do país, e deteve 82 pessoas. A acusação foi de que estes grupos planejariam sabotagens aos jogos e seriam aliados à Al Qaeda, a fim de dividir a China e criar um país próprio, o Turquestão Oriental.
A polêmica envolvendo esse episódio consistiu no seguinte: os interesses econômicos chineses na região são claros, pois é rica em recursos e faz fronteira com a Ásia Central. Tendo-se isso, os uigures acusam o governo chinês de se aproveitar dos jogos e fraudar uma ameaça terrorista para prender ativistas e enfraquecer a luta do povo uigur. Enquanto isso, o governo chinês afirmava possuir provas concretas de ameaça terrorista e ligações do grupo com a Al Qaeda.
Para o Rio 2016
O Brasil será o segundo país da América não saxônica a sediar um evento tão grande como uma Olimpíada. Por mais que as divisões “Primeiro Mundo”, “Terceiro Mundo” não se apliquem na geopolítica atual, não há como eliminar as claras evidências de subdesenvolvimento no país que busca abrigar nações de todo o mundo. O choque cultural já existe, e será ainda mais transparente.
Os problemas enfrentados pela organização dos jogos na cidade do Rio de Janeiro foram expostos desde a escolha da cidade para abrigar o evento, estão associados desde a corrupção no superfaturamento das obras, até à crise política no âmbito federal pela qual o Brasil passa no momento. A realização dos jogos, nesse caso, é uma vitrine para a demonstração de indignação por parte do povo brasileiro com relação a todos esses problemas. Deve-se usar o exemplo das outras nações para isso, sabendo, entretanto, como cada uma foi silenciada pelo Estado.
Além disso, o país ainda sobre com a ameaça terrorista, algo que está longe de sua realidade, por ser, como já foi dito, vitrine para o mundo, é uma excelente chance de grupos como o Daesh aparecerem ainda mais na mídia.
O Comitê Olímpico Internacional e os Estados organizadores do evento não devem tentar desassociar a imagem do esporte com a figura da política, ambas estão atreladas uma vez que o esporte, e seus esportistas, vivem em sociedade e podem ou não concordar com ela. Algumas vezes, como é o caso do Brasil, um evento esportivo pode ser usado como forma de promover um determinado governo e isso pode tornar ainda mais tênue a linha que separa os dois assuntos. A política está em todos os lugares, e em eventos como as Olimpíadas, também entra em cena.