Donald Glover, conhecido também como Childish Gambino, voltou à cena com um videoclipe que vai além de uma mera ilustração para música. Por si só, o vídeo aborda uma série de questões que envolvem os afro-americanos e abre um leque de possíveis interpretações.
O clipe é repleto de “referências” sobre atentados contra negros e a maneira com que a mídia os retrata. Mas, o que mais chama atenção, é como isso ocorre. Como de costume, os clipes são uma ilustração da música e, de certa forma, são colocados como “segundo plano”. Claro que em muitos casos eles ajudam a contar a narrativa da música (principalmente após Thriller de Michael Jackson), mas as músicas ainda funcionavam perfeitamente de maneira individual. Esse é o principal diferencial de This is America: o vídeo é a mensagem.
A primeira coisa que exemplifica isso é a letra. Composta praticamente de frases soltas, o sentido das mesmas é dado conforme vamos vendo o vídeo (lógico que elas funcionam sozinhas, mas o tem um impacto muito menor) e, principalmente com o que ocorre em segundo plano. De certa forma os dois estão atrelados de uma maneira diferente do normal, a ponto de funcionarem muito melhor (ou apenas) juntos.
Outro fator que reforça ainda mais a importância do videoclipe é a capacidade que ele tem de impactar, não só com as cenas fortes, mas também com a sonoplastia. Após os primeiros versos da música, vemos Donald disparar contra a cabeça do violonista encapuzado. O barulho de tiro é o marco para trocar o beat da música junto com a frase de efeito: This is America. Comparando com a versão da música que está no Spotify, não há o som do revólver (nem dos disparos feitos contra o coral, mais adiante na música) o que diminui muito o efeito da frase que vem em seguida.
A principal crítica também é feita pelo visual. O tempo todo temos Glover dançando em primeiro plano, enquanto o caos se estabelece ao fundo. Essa ideia, muito possivelmente, foi usada para mostrar a maneira que a mídia utiliza dos artistas para ofuscar a realidade, isso pode ser explicado pelo trecho: “Olha como eu tô me drogando/ Eu sou tão estiloso /Estou de Gucci/ Eu sou tão bonito/ Eu vou conseguir/ Preste atenção em mim”. O trecho citado também serve para criticar os MC’s trap (mais diretamente o rapper Lil Pump), que escrevem as letras girando em torno de usar Lean (mistura de xarope de codeína com sprite), gastar dinheiro e a marca da roupa que usam. Como culturalmente o rap sempre foi usado para criticar a sociedade e mostrar a realidade vivida nos guetos, principalmente pelos jovens negros, artistas como Lil Pump ofuscam esse objetivo e tiram o real propósito do gênero e a mídia se aproveita do seu sucesso em troca de lucro fácil.
Infelizmente, o que está acontecendo é que estão fazendo exatamente isso com This is America. Mesmo com toda a crítica por trás do vídeo, a maneira com que os sites estão o retratando, principalmente falando de suas “referências”, está criando uma glamourização da música e esquecendo do seu real sentido. Claro, que a primeira vista é normal você querer fazer comparações, mas até que ponto elas chegam a ser verdadeiras? Até que ponto elas vão contribuir com a mensagem que a música quer transmitir? Sem contar que a repetitividade dos textos faz com que o tema e a música saturem rapidamente.
Em tweet, Donald tira sarro do site Insider: “Vocês estão fumando muita erva esse é só o jeito que eu danço”.
É inegável a genialidade do clipe, seja pela maneira como ele é feito ou por todo conteúdo crítico das suas cenas. Mesmo com toda superexposição que foi criada em torno dele, seu significado não será perdido tão facilmente (assim esperamos). Mesmo com a mídia atual valorizando muito mais o conteúdo que gera mais lucro (que já é de se esperar e não é errado) é bom ver que ainda há espaço para as questões sociais, principalmente quando elas surgem de maneira tão inovadora. Artistas como Gambino, Kendrick Lamar, J.Cole e o mais jovem entre eles, Joey Bada$$, conseguem trazer para o grande público de uma maneira atrativa, assuntos que nunca foram os favoritos para aparecerem no mainstream, dessa forma, quebrando a mesmice estabelecida na cena atual.
Por João Vitor Ferreira
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