No dia 6 de abril, o jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria informando que a organização do Festival Lollapalooza teria pago R$ 50 por 12 horas de trabalho para pessoas em situação de rua e vulnerabilidade, que auxiliaram na montagem do festival. Segundo a denúncia, cerca de 120 pessoas foram contratadas nessas condições.
Essa não foi a primeira vez que o festival recebe uma denúncia ligada a questões trabalhistas. No ano passado foi veiculada a mesma informação, e uma investigação chegou a ser realizada pelo Ministério Público do Trabalho. Uma denúncia foi feita, apontando, além da questão da remuneração, a falta de registro dos trabalhadores e a ausência de banheiros. Ela foi, entretanto, arquivada depois de um mês.
O Lollapalooza é um dos maiores festivais de música do mundo, conhecido por misturar diversos gêneros musicais. Atualmente ocorre em sete países, com diferentes datas no ano: Alemanha, Argentina, Brasil, Chile, Estados Unidos, França e Suécia.
O evento chegou ao Brasil em 2012, e desde então vem crescendo e conquistando um público cada vez maior. Neste ano, ocorreu entre os dias 5 e 7 de abril, levando 246 mil pessoas para o Autódromo de Interlagos. O ingresso para um dia de festival custou R$ 800, enquanto o camarote, com direito a comida e drinks, atingiu R$ 1420.
Além da Folha de São Paulo, o The Intercept Brasil também denunciou o uso de mão de obra com baixa remuneração. Em uma matéria foram entrevistados cinco moradores de rua que disseram ter prestado serviços para o festival. Segundo eles, não foi fornecido nenhum equipamento de segurança.
O recrutamento costuma ocorrer em pontos já conhecidos do centro da cidade de São Paulo. Pela lei, os trabalhadores deveriam receber cerca de R$ 68 por 12 horas de trabalho, e não R$ 50. O Padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, entrevistou um desses trabalhadores, o qual relatou que o trabalho é “muito perigoso” e “bem braçal”.
A denúncia repercutiu nas redes sociais e gerou uma série de críticas ao evento. Em seu show durante o festival, no Palco Adidas, a cantora brasileira Letrux fez uma discreta referência ao caso: “Queria agradecer a quem ajudou a erguer cada centímetro, quem colocou cada parafuso [deste palco]…Viver numa sociedade capitalista é confuso”.
O Sated-SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo) já anunciou que irá denunciar o caso para Ministério Público do Trabalho, em busca de esclarecimentos e punições apropriadas.
O lado jurídico
Ao observarmos o caso pela primeira vez, a condição de trabalho dos moradores de rua, sem equipamentos adequados e recebendo um salário extremamente baixo, relembra a situação de condição análoga à escravidão, crime determinado por lei. Contudo, para o professor Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, o ocorrido “não necessariamente pode ser caracterizado como tal”.
O professor explicou que a condição de trabalho análoga à escravidão é marcada não apenas pela baixa ou nenhuma remuneração, mas também pelas “péssimas condições de trabalho e higiene, gerando uma situação de degradação da dignidade do trabalhador”. Para ele, o mais provável é que tenha acontecido uma ilegalidade trabalhista e não criminal.
Antonio Rodrigues também apontou os possíveis tipos de contrato feitos pelos organizadores com os moradores de rua. A primeira possibilidade é a de terceirização, na qual a organizadora do evento teria contratado outra empresa para fornecer os trabalhadores, que normalmente recebem baixíssimos salários.
A segunda opção seria a de um contrato temporário, estabelecido pela lei 6019 de 1974, na época da ditadura militar, recentemente atualizada pela reforma trabalhista. Este tipo de contrato é feito “para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”, sendo muito comum durante as festas de fim de ano, quando há maior necessidade de empregados nas lojas. O tempo máximo de contrato é de 180 dias, não necessariamente consecutivos, com possível extensão de 90 dias, e os trabalhadores temporários têm os mesmos direitos que os empregados com contratos fixos.
Uma hipótese menos provável é a de um contrato avulso, muito utilizado em portos, por empresas que não possuem vínculos empregatícios no país e necessitam de mão de obra quando seus navios atracam no país.
Por fim, o professor apontou também a possibilidade de utilização de contratos intermitentes, inspirado no modelo inglês “zero hour” e que foi institucionalizado com a Reforma Trabalhista de 2017. Neste caso, os trabalhadores ficam de “stand-by” para quando as empresas necessitarem seus serviços. Para o especialista, “é um contrato precário, pois o trabalhador deve ter disponibilidade quando o empregador necessitar”.
O pagamento é feito por período trabalhado, recebendo pelas horas ou diária. As férias, FGTS, previdência e 13º salário são proporcionais ao tempo de serviço. No contrato deverá estar estabelecido o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao montante do salário mínimo por hora ou à remuneração dos demais empregados que exerçam a mesma função. Além disso, o empregado deverá ser convocado com, no mínimo, três dias corridos de antecedência. No período de inatividade, pode prestar serviços a outros contratantes.
Resposta da Organização
Nós entramos em contato que a assessoria da Time For Fun (T4F), empresa responsável pela organização do Festival Lollapalooza Brasil, que enviou a seguinte nota:
Caro jornalista,
A TIME FOR FUN (T4F) esclarece que atua no mercado de entretenimento há mais de 35 anos, e sempre prezou pelo respeito ao público, a seus parceiros comerciais, e, sobretudo, às normas legais aplicáveis para contratação de prestadores de serviços.
Para todos os eventos que produz e promove, a T4F busca contratar prestadores de serviços regulares e especializados, remunerados de acordo com padrões de mercado. A matéria jornalística que trata de possível denúncia pelo Sindicato de Artistas e Técnicos – “SATED” – sobre suposto “recrutamento de pessoas em situação de vulnerabilidade na montagem de palcos” não tem fundamento e nem respaldo probatório. O próprio SATED afirmou na reportagem que sequer fiscalizou previamente as montagens do evento, o que torna a denúncia vazia.
A T4F reitera o seu compromisso com a excelência de seus serviços no mercado de entretenimento, e que se manifestará sobre tais fatos através dos meios legais adequados.
Atenciosamente,
Assessoria de Imprensa – T4F