Por Anderson M. Lima e Naomi Tarumoto de Almeida
anderson.marques.lima@usp.br
naomi.tarumotoalmeida@usp.br
“Mais um dia se inicia, ouço o barulho de pokémons em meu jardim. Olho pela janela e vejo vários Pidgeys voando de forma esplendorosa pelo céu. Além deles, vejo ao longe alguns pokémon andando em fileiras no meu gramado. Mais um dia comum em meio ao ciclo da vida desses companheiros”. E é exatamente dessa forma que o filme Pokémon: Detetive Pikachu (Pokémon: Detective Pikachu, 2019) começa, mostrando uma normalidade na relação entre homem e o meio selvagem, que ao invés de animais, tem pokémons de todos os tipos e gerações, exibindo uma fauna completa envolvendo esses seres.
Derivado do jogo homônimo de 2016, Detetive Pikachu escolhe ir por um caminho mais próprio, sem as batalhas que marcam tanto o anime, quanto os jogos. O foco é a relação entre o homem e seu companheiro, a compreensão além das palavras, a conexão intuitiva, sensorial que une duas espécies distintas; é o trabalhar em conjunto para ambos serem melhores e mais evoluídos. Nesse sentido, o longa retoma a ideia explorada na franquia Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, 2010), que também aborda a amizade entre seres humanos e criaturas fantásticas e suas nuances que variam da dominação à harmonia.
A integração desse mundo fantasioso com a realidade poderia ser um grande problema, mas acaba sendo uma de suas grandes virtudes, isso devido a sua verossimilhança, que nos prende a narrativa, por expressar de forma fidedigna o cotidiano: Squirtle ajudando bombeiros em incêndios, Jigglypuff sendo a atração principal de um bar ao cantar suas notas sonolentas, Growlithe ajudando policiais como se fossem de fato cachorros treinados para tal atribuição, entre outras situações. Entretanto, essa verossimilhança não seria possível se os pokémons não tivessem sido modelados de forma tão graciosa e detalhada. Podendo ser estranho a um primeiro momento, as animações envolvendo esses seres são dignas de aplauso, principalmente quando estes demonstram sentimentos. Em entrevista ao The Verge, Rob Letterman, diretor do filme, exemplifica bem a razão para tal tentativa de perfeição: “Estudamos muitos animais, seu comportamento e como interagem para acertar nisso” ou mesmo quando afirma que “existe uma grande quantidade de trabalho feito para criar este filme em termos de animação.”
Outra questão que poderia deixar os espectadores inseguros está relacionada à ocidentalização. A história encontra sua origem no anime de 1997, no Japão, aos moldes da cultura desse país, e consequentemente, com a conquista do público, tanto nacional quanto internacional, ganhou adaptações para filmes, brinquedos e jogos. Havia um temor de ocorrer uma apropriação de um contexto cultural diferente, tal como o norte-americano, moldando a narrativa a seus padrões e lucrando em cima disso, sem fazer menção ao original japonês, tal como ocorreu com a adaptação de Death Note feita pela Netflix . Porém, isso não ocorre, especialmente se analisarmos a escolha dos atores. O tenente Yoshida, um dos coadjuvantes, foi interpretado por Ken Watanabe (O Último Samurai, A Origem), ator japonês de muito prestígio no cinema ocidental, além de vários outros figurantes orientais.
Ainda assim, um questionamento poderia surgir: por que não um protagonista asiático, tal como o do anime? Mas em Ryme City, a combinação de uma Nova York com Tóquio, pouco importaria o protagonismo ser ou não de um ator japonês, uma vez que o objetivo foi, talvez, desenvolver uma utopia de convivências harmoniosas, onde as diferenças entre etnias já foi há tempos superada. Isso explica o envolvimento tão múltiplo, natural e bem conduzido do protagonista Tim (Justice Smith), Lucy (Kathryn Newton) e tenente Yoshida (o já citado Ken Watanabe): um negro, uma branca e um amarelo. Além disso, faz parte do avanço de conquistas sociais desse universo as questões de igualdade de gênero, que, apesar de não terem sido superadas no filme, são debatidas por meio de um humor sutil, inteligente e sarcástico.
A fantasia urbana de Ryme City, contudo, possui suas falhas e essas são justamente o foco da problematização que permeia o entretenimento do longa. Quais seriam os limites da relação humano-pokémon? Em uma metrópole moderna onde os slogans proferidos por seu idealizador são: “Nós vivemos e trabalhamos juntos por um mundo melhor” e ” Os pokémons despertam o melhor de nós”, o que poderia fugir a essa proposta utópica? Infelizmente, quando se envolve interesses humanos, a ganância fala mais alto, e os pokémons começam a ser utilizados para fins vis.
Quando se vê o nome Detetive no título principal, alguém pode pensar que teríamos quebra-cabeças envolventes, tramas com reviravoltas, mas o roteiro é bem simples e intuitivo, e bem direcionado ao público infantil, mesmo tendo elementos nostálgicos para todas as idades. O humor não se encaixa tanto nesse quesito, já que temos ninguém menos que Ryan Reynolds (Pikachu) dublando o ser mais querido de toda a série. Mesmo não sendo um Deadpool (Deadpool, 2016), o filme tem um humor que irá agradar, principalmente se prestarmos atenção nas tiradas feitas pelo Pikachu tagarela.
O longa é um deleite nostálgico aos fãs antigos da série, seja por músicas automaticamente reconhecidas, por referências ao desenho, como a rivalidade entre Pikachu x Charizard, o jeito estabanado do Psyduck, pequenos detalhes de comportamento que fazem Lucy ficar bem semelhante a Misty (personagem do anime), entre outros. Entretanto, a grande sacada fica relacionada às referências ao primeiro filme do anime, Pokémon: O Filme (Pokémon: The First Movie, 2000), onde um personagem misterioso e problemático aparece novamente.
Com o provável sucesso do filme, uma nova porta pode se abrir para filmes derivados de games, e até para o próprio universo Pokémon, já que os fãs adorariam ver como as batalhas e os personagens desse mundo se encaixariam em um contexto live action. Pokémon: Detetive Pikachu é como se uma fanfiction ganhasse vida em tela: bem colorido, vivo, com toques de humor utilizados de forma natural, representativo e com mistérios não-revelados até seu fim.
O longa tem estreia prevista para o dia 9 de maio no Brasil. Confira o trailer: