Este filme faz parte da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
A Fera e a Festa (La Fiera y la Fiesta, 2019), dos diretores Laura Amelia Guzmán e Israel Cárdenas, funde fantasia e realidade para apresentar ao público uma narrativa bastante complexa e incomum.
O filme é inspirado em obras inacabadas do célebre diretor dominicano Jean-Louis Jorge (1947-2000), dono de uma visão absolutamente singular para a produção de seus filmes. Considerados transgressores para a época, estavam sempre recheados de elementos melodramáticos, exagerados e surreais. Isso já diz muito sobre o longa, que poderia perfeitamente ter sido dirigido por Jean-Louis.
A história gira em torno de Vera (Geraldine Chaplin), uma atriz que decide encerrar sua carreira dirigindo e atuando no filme musical A Fera e a Festa, baseando-se em um roteiro inacabado deixado por seu amigo, o cineasta Jean-Louis Jorge. Para isso, Vera vai até a República Dominicana e encontra alguns amigos do passado: Victor e Martin (Luis Ospina), o produtor e o diretor de fotografia do musical, respectivamente. Para conseguir terminar o filme, a mulher precisa superar vários conflitos e dificuldades que aparecem em seu caminho, quase impedindo que as filmagens continuem.
A primeira coisa que se pode dizer é que o longa incomoda e atordoa. Desde o início, é dado um tom excessivamente dramático à trama, que pode tornar-se bastante pesado para o espectador. A personagem principal, Vera, é bastante melancólica e durante toda a trama esboça expressões angustiadas, passando o sentimento para quem está assistindo.
Os pensamentos da protagonista, nos quais “conversa” com seu amigo Jean-Louis já morto, também contribuem bastante para o clima dramático, além da trilha sonora precisa. O silêncio predomina na maior parte da história, fazendo com que a música torne-se ainda mais impactante quando aparece. Cada pedaço da trilha sonora faz sentido dentro do filme, nada é decorativo, o que faz com que os sons transmitam muito bem todas as emoções.
Outro ponto importante é o caráter metalinguístico do longa, já que fala sobre a filmagem de um filme com o mesmo nome. Isso pode fazer com que o espectador seja quase incapaz de diferenciar a realidade da ficção: o que ele assiste na sala de cinema chama-se A Fera e a Festa e foi baseado em um roteiro inacabado do falecido Jean-Louis Jorge, bem como o filme que está sendo gravado e estrelado por Vera, ao longo da história.
Mesmo quando aparecem na trama elementos surreais e absurdos, não fica mais fácil a separação da realidade e da ficção. Muito pelo contrário. Esses elementos surgem já unindo a realidade de Vera, que é ficção para nós, com o filme que ela está gravando, que também é ficção para ela. O filme que ela dirige e sua realidade tornam-se quase uma coisa só, e fica fácil para quem assiste misturar esses dois planos com sua própria realidade, fazendo com que se duvide daquilo que é real ou não. Esse contraste e, ao mesmo tempo, união da verossimilhança com a ficção e a realidade, cria uma sensação muito estranha que, com certeza, será única para cada espectador.
Os personagens secundários não são tão bem explorados, tanto que é fácil chegar ao final sem conseguir ter decorado um nome sequer, que não o de Vera. O filme inteiro é sobre ela: seus fantasmas, sentimentos, decepções, e, ao mesmo tempo, o espectador tem a sensação de não conhecê-la tão bem quando tudo se acaba.
A Fera e a Festa é um longa que traz uma história confusa e quase onírica. Durante boa parte da trama, prevalece a sensação de um sonho ou alucinação, e talvez tenha sido essa a intenção dos diretores, incluindo Jean-Louis. Com certeza não é uma história que pode ser desvendada logo de cara, mas um filme que muitos sentirão a necessidade de ver mais de uma vez.
Quanto à experiência de assistir ao longa, não é possível dizer muita coisa, pois ela será totalmente diferente para cada espectador, mesmo aqueles que não entenderem nada. Apenas uma coisa é certa: o filme é bizarro.
Confira o trailer: