Este filme faz parte da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
Primeiro filme a ser exibido na 43ª Mostra Internacional de Cinema, Wasp Network (2019) não só é um suspense de espionagem, mas um retrato histórico de uma Cuba abandonada pelo fim da União Soviética (URSS). Focalizando na história de desertores do regime castrista, acompanhamos dois homens que saem de Havana em direção a Miami para se juntarem às maiores organizações contra o regime cubano, deixando para trás a família e a vida que conheciam. A trama é inspirada no livro-reportagem “Os últimos soldados da Guerra Fria”, do jornalista e escritor brasileiro Fernando Morais, que apurou de perto todos os detalhes sobre o que restou da Guerra Fria na América Latina. Dirigido pelo francês Olivier Assayas, o longa conta com elenco latino, em sua maioria ー dentre eles Wagner Moura e Gabriel García Bernal ーe filmagens em solo cubano, imagens inéditas que remontam uma época de instabilidades políticas e disputas ideológicas.
Nas primeiras cenas acompanhamos René González, interpretado pelo ator venezuelano Édgar Ramirez. Piloto da força aérea que deixa o solo cubano sem explicações e se une a Fundación Nacional Cubano Americana, a maior organização anticastrista formada por cubanos opositores ao regime comunista implantado no país sob influência da URSS. Acompanhamos o drama do abandono de sua família, a mulher (Penélope Cruz) e a filha, que permanecem em Havana tentando sobreviver com cortes de luz e racionamento de água e alimentos. Essas filmagens iniciais, que apresentam a difícil realidade em que vivem, levantam um questionamento sobre as consequências da permanência do regime, por mais que a abordagem central não seja política por si só.
Em seguida, o espectador é apresentado à Juan Pablo Roque (Wagner Moura), também ex oficial do exército de Cuba, que atravessa o mar à nado e pede asilo político na baía de Guantánamo. Com a sua chegada em solo americano, o grupo conhecido como “5 de Cuba’ se completa e sua verdadeira intenção é revelada: se infiltrar como aliados dos Castro à essas organizações para monitorar sua ações e planos para derrubar o governo. Com planos milimetricamente calculados, são capazes de repassar informações vindas do serviço secreto americano e de seus aliados e prever estrategicamente as defensivas contra as investidas militares em Havana e outras bases cubanas.
A trama possui grande detalhamento e reviravoltas de enredo, o que a torna um pouco confusa em algumas passagens. No entanto, esse detalhamento se justifica pela inspiração num livro-reportagem de base factual, cuja principal característica é a riqueza de detalhes e informações exclusivas sobre um grupo e uma época que são nebulosos no imaginário coletivo e na história da América Latina. Em coletiva de imprensa o diretor Assayas chega a comentar sobre as críticas recebidas depois da primeira exibição no Festival de Veneza (que lhe rendeu uma indicação ao Leão de Ouro como melhor diretor), e revela que edições foram feitas para aperfeiçoar o enredo para o festival que ocorre em São Paulo. Foram acrescentadas cenas mais explicativas e os dados mais específicos, que não seriam de fácil compreensão para um público descontextualizado da situação de Cuba à época, foram enxugados para dar mais fluidez à narrativa.
A dramaticidade do filme se sustenta muito também na construção dos personagens não apenas como figuras históricas, heróis ou inimigos de um povo, mas como seres humanos. As mulheres, principalmente, são parte fundamental dessa sensibilidade dada ao longa, uma vez que representam o ônus da luta de seus maridos e os sacrifícios que fazem em nome de seu amor à pátria. A personagem Olga, interpretada pela já consagrada no cinema latino Penélope Cruz, é a esposa de René. Acompanhamos seu sofrimento desde o momento do abandono, quando pensa que seu marido é um traidor (pressão da família, incertezas sobre o governo, falta de recursos), até sua chegada à Miami, onde descobre que na realidade seu marido era um grande colaborador do regime sob o qual viviam. A sensibilidade de sua trajetória, no entanto, vai muito além da questão política, e aborda pautas atuais como a imigração, a xenofobia e a dificuldade dos cubanos de se inserir num mundo dominado pelo capitalismo quase em sua totalidade.
Sobre o lançamento do longa e a exibição em Cuba, o diretor e parte do elenco ressaltaram em coletiva de imprensa a importância desse acontecimento para selar a boa relação com o governo e a inevitabilidade de contar a história para o próprio povo de quem se fala. Segundo eles, houve grande inconstância nas permissões que obtiveram para gravar em bases militares e Havana, dificultando as filmagens e prolongando o tempo e os custos de produção. No entanto, por não abordar apenas uma discussão política, foi autorizado pelos cubanos e abriu a possibilidade para uma exibição futura no Festival de Havana, que está em sua 41ª edição.
Confira o trailer do longa: