Este filme faz parte da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texo.
É difícil acompanhar o filme Viver Para Cantar (To Live to Sing, 2019). Não pela existência de um roteiro extremamente complexo ou por cenas que passam rápido demais, mas pela distância que se estabelece entre ele e o espectador. Mesmo que em alguns momentos haja, até, certa aproximação – algo que alimenta uma esperança de um real envolvimento com a história –, essa situação infelizmente não se consolida com o passar dos minutos do longa.
A primeira barreira que tem de ser enfrentada na produção é o idioma: todos os personagens falam exclusivamente chinês. Aos acostumados com produções norte- americanas e de língua latina, um filme em que as legendas são indispensáveis para a compreensão tende a se tornar bem mais cansativo. Apesar de ser, por vezes, melódico nas escassas canções, o chinês faz com que estejamos constantemente tentando entender o longa para além das legendas. A língua incomum gera a necessidade de procurarmos outros sinais de identificação, algo que traga significado à trama.
Essa busca se torna ainda mais intensa devido à realidade cultural totalmente divergente que é apresentada. A história, que se passa na cidade de Chengdue, na China, é sobre uma trupe de ópera que recebe a notícia inesperada da demolição de seu teatro. O impacto com a cultura oriental se dá ainda no início do longa, com a apresentação do grupo em um de seus espetáculos. Repleta de roupas ornamentadas, maquiagens típicas muito bem executadas e canções instrumentais, a ópera chinesa se afasta totalmente do conceito pré-concebido desse tipo de representação no ocidente.
Além disso, o começo lento da produção não permite que o espectador se sinta totalmente imerso dentro daquela distante realidade. Entre cenas contemplativas do ambiente teatral, o conflito vai se apresentando e Zhao Li (Zhao Xiaoli) – protagonista e quem administra a companhia – se vê em um dilema: procurar um novo lugar para que eles se apresentem ou lutar contra a demolição. A personagem é a responsável, também, pela criação dos poucos momentos de empatia no filme, nos quais é possível se identificar com sua história e a luta para a manutenção de sua paixão pela ópera.
Outra personagem relevante na trama é Dan Dan (Gan Guidan). Sobrinha de Zhao Li, Dan Dan, no auge de seus 20 anos, é a atriz mais importante da companhia. A garota foi criada pelos tios e é a projeção do sonho da tia para que a ópera permaneça viva. Essa expectativa cria uma certa frustração na moça que tem que lidar com o protagonismo na trupe mesmo sem ter certeza se é aquilo que deseja seguir. A relação entre Dan Dan e a tia se mostra um pouco complicada em alguns momentos, mas, assim como as eventuais aproximações com o espectador, não se desenvolve plenamente.
Embora esta dificuldade de inserção se estenda por quase todo o filme, algo muito bem representado é a decadência da ópera oriental. Através das imagens de uma cidade repleta de novas construções, é criada uma metáfora que relaciona a demolição das inúmeras construções ao redor do teatro e o desaparecimento desse estilo teatral. A ópera, como é retratada, envelhece com a mesma velocidade de seus espectadores e dos palcos que a abrigam.