Este filme faz parte da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texo.
O filme argentino se inicia em alemão. É a voz do falecido bisavô de Fernando Spiner. O morto comenta sobre a tradição, mantida há mais de 40 anos, do bisneto com seu amigo, Aníbal Zaldivar, de nadar até uma boia no mar de Villa Gesell, Argentina, onde Fernando passou a juventude. A boia sempre foi um mistério em sua vida, que é revelado no decorrer da trama. Em uma das ocasiões em que nada com o amigo, Fernando decide fazer um documentário sobre a relação de Aníbal com a poesia e o mar. Em outros momentos, há também menções à arte.
A princípio, a sensação obtida em A Boia (La boya, 2018) é de confusão, devido à desconexão das cenas, e de que o filme será “parado”. Afinal, os acontecimentos não possuem a ação típica de filmes hollywoodianos. São, de fato, quase estáticos. Mas é aí que se encontra uma das características mais marcantes: a pouca movimentação torna os acontecimentos mais poéticos. A impressão de quem assiste é de estar lendo um poema, sendo preciso, para isso, alto nível de concentração.
O documentário é dividido entre as quatro estações, a começar pelo inverno, de modo que cada uma delas mostra aspectos diferentes da vida do jornalista e poeta. As cenas, sem muita coesão explícita entre si, possuem uma ligação subjetiva. Embora pareçam, inicialmente, soltas no documentário, apresentam uma ordem semântica de construção da narrativa. A fragmentação das cenas, assim, lembra várias fotografias com a mesma temática. Apesar de não possuírem ligações evidentes, contam uma história.
O uso fotográfico aparece também em outros momentos. No início de cada estação, há “fotografias em movimento”, com diferentes efeitos explorados, como a câmera desfocada, superexposição da imagem e predominância de uma cor, que fornecem um tom reflexivo. O aparecimento das personagens também adquire a mesma característica: ao observar Fernando e Aníbal nadando no mar, o grupo de leitura de poemas criado por Aníbal, as obras de arte de artistas entrevistados pelo jornalista, é possível sentir uma inclinação poética a partir do conjunto de cores e da disposição de cada imagem.
No grupo de leitura que Aníbal havia criado, os membros leem e discutem, principalmente, poemas cuja temática é o mar. Em um dos encontros, Aníbal comenta a respeito de uma pesquisa realizada por ele no início do projeto. Desejava saber quais poetas haviam escrito sobre o mar – e descobriu que todos possuíam poemas sobre a temática. A partir disso, as pessoas descrevem sua ligação com o mar e a poesia, sob a forma de um documentário poético.
Ao trazer novas visões, o filme se torna mais interessante. É possível pensar sobre a alteridade humana a partir de diferentes concepções sobre o mar e a poesia. Um dos membros, já de idade avançada, fala sobre a importância do grupo de leitura para ele. Antes estava sempre sozinho e não conseguia se expressar. Agora, por possuir companhias mais constantes e recitar poemas publicamente, sente-se mais confortável. Afinal, o ser humano precisa do outro. E da poesia. Como Aníbal comenta, “a poesia é essencial ao homem”, e está presente em cada um.
Há um momento em que Aníbal entrevista artistas que se mudaram para Villa Gesell a fim de buscar conforto. Ao perguntar sobre o fazer artístico de cada pintor, conhece novas histórias, como a de um artista que fora perseguido durante o governo militar e, traumatizado, ao se exilar na Espanha com a família, não conseguiu mais pintar. Quando o hábito foi recuperado, mudou seu estilo: de obras concretas para abstratas. A presença de arte favoreceu a proposta estética e reflexiva do filme.
O documentário acaba quando se espera que continue, pois o envolvimento de quem assiste é tão grande que o desejo de conhecê-la, ver o mar e ouvir poemas aumenta. Ao sair da sala de cinema emocionada, a pessoa inicia uma reflexão sobre a vida, o mar e a poesia.
Confira o trailer: