A artista brasileira mais conhecida de todos os tempos foi um marco não só para o Brasil, mas também para criação, em Hollywood, de um imaginário norte-americano sobre os latinos. Esta reportagem do Cinéfilos se debruçará sobre a incrível carreira e o legado de Carmen Miranda.
A Origem do Sucesso
Maria do Carmo Miranda da Cunha, conhecida mundialmente como Carmen Miranda, foi o maior nome brasileiro que já existiu em Hollywood. A atriz e cantora brilhou em diversas produções americanas. No entanto, Carmen, chamada de Pequena Notável devido aos seus 1,52m de altura, antes do seu sucesso nas Terras do Tio Sam, teve uma rica e produtiva carreira no Brasil.
Apesar de ser considerada brasileira, ela nasceu em Portugal. Seus pais, que já estavam preparados para emigrar rumo ao Brasil, tiveram que adiar a viagem quando sua mãe, Maria Emília Miranda, descobriu que estava grávida. A emigração só ocorreu dez meses após o nascimento de Carmen.
A artista cresceu na cidade do Rio de Janeiro, onde conviveu com referências do samba e do choro. Aos 14 anos ela começou a trabalhar em uma gravataria e, depois, em uma chapelaria, onde aprendeu a fazer seu característico chapéu de frutas. Porém, seu sonho era ser artista. Começou como cantora e não demorou muito a alçar o estrelato.
Ao cantar nas festas noturnas, Carmen conheceu Josué de Barros, um cantor, compositor e instrumentista que a levou para fazer um teste na Rádio Sociedade. Sua voz agradou e ela logo gravou seu primeiro disco, Não vá Sim’mbora (1929). Somente durante o ano de lançamento desse disco, ela gravou 40 músicas. Em 1930, Miranda gravou a canção Taí, do compositor e médico Joubert de Carvalho. A canção foi um sucesso e vendeu 35 mil cópias, um recorde para a época.
Embora já participasse em filmes desde 1926, foi em 1932 que ela fez pela primeira vez uma participação sem ser como figurante. Carmen fez uma apresentação musical no filme-documentário O Carnaval Cantado no Rio (1932). Depois disso, ela participou de várias produções, dentre elas Alô, Alô, Brasil (1935) e um dos seus maiores sucessos nacionais, Banana da Terra (1939).
A Pequena Notável findou os anos 1930 como uma das maiores artistas da música popular e do cinema brasileiro. Seus filmes eram aclamados pela crítica e todos os compositores queriam escrever para ela, pois sabiam que Carmen era sinônimo de sucesso.
De Baiana à Brazilian Bombshell
A virada internacional da brasileira aconteceu no carnaval de 1939, quando se apresentava no badalado Cassino da Urca. O produtor norte-americano Lee Shubert chefiava metade dos teatros da Broadway e estava no Cassino durante uma das apresentações de Miranda. O americano ficou encantado com a desenvoltura e carisma de Carmen e logo a convidou para participar do show Streets of Paris, que estrearia na Broadway.
No entanto, a negociação demorou alguns meses, pois a artista fazia questão que o produtor levasse também o Bando da Lua, um grupo vocal e instrumental que se apresentava com ela. No entanto, Lee Shubert tinha interesse apenas em Carmen. O impasse só foi resolvido após a filha do então Presidente Vargas, Alzira Vargas, garantir o embarque do grupo musical.
A cantora e o Bando da Lua chegaram aos Estados Unidos no dia 18 de maio. Um mês depois já estavam estreando no musical Streets of Paris, cujo sucesso foi instantâneo diante do público estadunidense. A apresentação ficou em cartaz durante todo o semestre. Embora sua participação fosse pequena, Carmen chamava muito atenção devido à fantasia de baiana e suas canções acaloradas em português.
As críticas à cantora brasileira foram bastante positivas, e o sucesso do musical a fez viajar por várias cidades dos EUA para se apresentar. Suas roupas coloridas e sua dança, além do seu jeito acalorado de cantar músicas em português deixava bem clara a mensagem de Carmen: ela estava ali para representar o Brasil e a cultura brasileira. Dessa forma, a artista fantasiada de baiana se tornou uma estrela da Broadway e, assim, foi chamada pelos críticos de Brazilian Bombshell, que significa em português: Bomba Brasileira . Porém, era vista, muitas vezes, apenas como uma representação universal do povo latino-americano.
O sucesso meteórico de Miranda chamou atenção de Hollywood, e logo a Twentieth Century-Fox a convidou para participar de um de seus filmes. Serenata Tropical (Down Argentine Way, 1940) foi a primeira produção americana que Carmen participou. A partir disso, sua carreira em Hollywood decolou. Foram 14 filmes, dentre eles: Aconteceu em Havana (Week End in Havana, 1941), Serenata Boêmia (Greenwich Village, 1944) e Copacabana (1947).
Em 1941, Carmen Miranda se tornou a primeira artista latina a ter seu nome projetado na calçada da fama do Chinese Theatre, projeto que antecedeu a atual calçada de estrelas de Los Angeles. Além disso, ela chegou a se tornar a mulher mais bem paga nos Estados Unidos para a época.
Estereótipos e Declínio
Com o tempo, a personagem da baiana estilizada criada já não era mais uma novidade que encantava os estadunidenses por seu exotismo e tropicalidade. Sua criação havia caído na mesmice para os norte-americanos, seus papéis foram se reduzindo e seu declínio começou.
Isso impulsionou o desejo que Carmen já tinha de interpretar personagens mais diversos. Todavia, os produtores e empresários hollywoodianos apenas a requisitavam para interpretar a personagem de latina sensual e exótica em comédias e musicais. Impossibilitando, assim, a Brazilian Bombshell de alcançar papéis que demonstrassem todo o seu talento de artista multifacetada — que dançava, cantava e interpretava magistralmente.
Carmen Miranda foi a maior representante da cultura brasileira em âmbito mundial. Porém, sua personagem caricata foi responsável por moldar uma visão estereotipada da América Latina e, principalmente, do Brasil, como um paraíso tropical habitado por pessoas extremamente felizes, receptivas, belas e sensuais, que amam dançar e festejar, onde seria um eterno carnaval.
Essa visão caricata do Brasil como a “República das Bananas” representada por Carmen para o mundo desagradava boa parte dos brasileiros, o que começou a desgastar a relação entre a artista e o povo brasileiro. A utilização da imagem de Carmen na Política da Boa Vizinhança e seu apoio a Getúlio Vargas foram a gota d’água para o seu declínio no país que ela tanto amava e representava. Para os brasileiros, a Pequena Notável havia se americanizado e virado um fantoche utilizado por Vargas para fazer propaganda e conquistar aliados na política internacional.
Um dos marcos da insatisfação do país com Carmen Miranda aconteceu na primeira vez em que a Bombshell retornou ao Brasil, em 1940. Durante um show no Cassino da Urca, a Pequena Notável foi extremamente vaiada. Sua resposta veio em forma de música, por meio da canção “Disseram que Voltei Americanizada”. Mesmo assim, o repúdio dos brasileiros causou tristeza e decepção na artista.
Devido a esse acontecimentos, a Pequena Notável passou 15 anos sem voltar ao Brasil e buscou refúgio em vícios, como os barbitúricos, o fumo e a bebida, que comprometeram sua saúde física.
No dia 5 de agosto de 1955, aos 46 anos de idade, Carmen Miranda sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu em sua mansão em Beverly Hills. Seu corpo foi enterrado no Rio de Janeiro e mais de 500 mil pessoas acompanharam o seu velório.
A estrela da eterna Brazilian Bombshell jamais parou de brilhar. Até hoje, ela é imagem do Brasil para o mundo e a personalidade brasileira mais famosa mundialmente. Seu legado continua inspirando vários artistas não só no Brasil e na América Latina, mas em todo o mundo.
O que é que a latino-americana tem?
Com certeza, o legado de Carmen Miranda é extremamente positivo. Ela foi a pioneira e responsável por abrir as portas de Hollywood e do show business mundial para os latino-americanos. Porém, como ela foi a primeira grande estrela latino-americana a atingir o sucesso na terra do Tio Sam, suas características, aliadas à ignorância do público, se tornaram no imaginário estadunidense a imagem de todas as mulheres latino-americanas. Esses estereótipos continuam a perseguir muitas das mulheres latino-americanas, tanto famosas como anônimas. Para as que almejam o estrelato, eles se tornaram um empecilho para conquistar maior reconhecimento.
Ainda, as adversidades enfrentadas por Carmen Miranda continuam sendo empecilhos na jornada de muitas estrelas latinas em Hollywood. A maioria das atrizes de origem ou ascendência latino-americano que alcançam o reconhecimento na indústria cinematográfica estadunidense sofrem com o preconceito e a hipersexualização. Muitas vezes, elas são subjugadas a papéis sem profundidade, escritos apenas para ressaltar a visão equivocada que os estadunidense têm dos latino-americanos. Além disso, elas costumam ser escaladas somente para esses personagens, os quais não permitem que demonstrem todos os seus talentos cênicos. O que é um problema para que elas tenham a chance de receberem papéis mais complexos que exigiriam todo o seu talento.
Várias atrizes são vítimas desse fenômeno. Esse é o caso de Jessica Alba, atriz estadunidense de ascendência mexicana que fez muito sucesso no início do anos 2000. Porém, após ser escalada quase somente para papéis rasos e hipersexualizados em fracassos de público e crítica, Alba decidiu focar no seu lado empresarial ao invés de Hollywood. O ápice de seu descontentamento com Hollywood foi ser submetida a pintar seus cabelos de loiro e usar lentes azuis para o papel de uma heroína branca no filme Quarteto Fantástico (Fantastic Four, 2005).
Outro caso é o da estrela colombiana Sofía Vergara, a atriz mais bem paga da TV estadunidense tem como principais personagens de sua carreira mulheres latino-americanas extremamente sensuais em comédias. Além disso, Sofía também sofreu com os estereótipos relacionados a sua aparência: produtores recomendaram que ela pintasse suas madeixas naturalmente loiras de castanho para casar com a imagem de mulher latina que os norte-americanos possuem.
A atriz Salma Hayek também sofre com esses estereótipos, mesmo já tendo mostrado ser um atriz talentosa e recebido uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel de Frida Kahlo na cinebiografia Frida (2002). Salma costuma representar em Hollywood personagens cômicas e extremamente sexuais, enquanto seus papéis mais desafiadores foram em produções mexicanas ou de diretores latinos.