Por Ana Luísa Abdalla
anita.abdalla.usp@gmail.com
Há um certo hábito no cinema norte-americano de fazer refilmagens de filmes estrangeiros que alcançaram um grande público. Pode ser com o objetivo de trazer a história desses filmes mais perto de sua platéia, nada acostumada a ver produções em outras línguas. Ou, quem sabe, pela possibilidade maior de bilheteria por ser um longa já de sucesso. Seja como for, o fato é que existe uma longa lista de filmes que passaram por esse processo. Uma estratégia que abrange desde filmes de dramas pessoais, histórias românticas e até longas carregados de suspense.
Em diversas vezes a refilmagem não altera quase nada do filme original, como no caso de Vanilla Sky (2001), versão americana para o espanhol Abre los ojos (1997). Em ambos o enredo e os personagens são os mesmos, sem qualquer alteração relevante para a história do filme ou mudança em seu final. No entanto, existem pequenas alterações em diálogos ou na construção da personalidade dos personagens que evidência a diferença entre os filmes. A principal diferença são os nomes dos personagens. No espanhol o principal da trama se chama César (Eduardo Noriega), acompanhado por Nuria (Najwa Nimri), Pelayo (Fele Martínez) e a deslumbrante Sofía – única personagem que permanece com o mesmo nome em ambos. No americano já temos David (Tom Cruise), Juliana (Cameron Diaz) e Brian (Jason Lee), respectivamente.
Mas as diferenças, mesmo que singelas, não param por ai. Enquanto no americano, por exemplo, há um apelo muito maior no sentido de prender o público no envolvimento dos personagens, com diálogos sedutores e muito envolventes, no espanhol o longa se foca mais no drama interno do personagem principal, que também possui os traços de sua personalidade exagerados na edição norte-americana. Se em uma apenas ouvimos ele contar sobre sua rica herança, no outro acompanhamos até um dia comum de trabalho na rotina dele. Na versão americana, vemos como David foge das obrigações empresariais e esbanja seu dinheiro em sua festa, que conta até com hologramas, além de passar de apenas um jovem mulherengo no espanhol para um clássico cafajeste de filme americano.
Deixando de lado essas pequenas mudanças, existe uma das semelhanças mais inusitadas do mundo dos remakes: a personagem Sofía, além de manter o mesmo nome, é também interpretada pela mesma atriz, a maravilhosa Penélope Cruz. E não poderia mesmo ser diferente. A personagem vive as cenas mais deliciosas de ambos os longas, conquistando facilmente o espectador e a atenção de César/David. Vale a pena ver os filmes, senão pela história surpreendente e cativante, por Sofía. Com um pouco de sua personalidade modificada, mais tímida no espanhol e mais divertida no americano, é interessante a diferença de uma Penélope mais velha e experiente em um papel que já interpretou.
Mais recentemente, Hollywood embarcou numa refilmagem no mínimo ousada. Baseando-se em uma trilogia de livros de sucesso, houve a produção da trilogia de filmes suecos que ganharam o público. Com cenas fortes, estupros, assassinatos e uma investigação em meio de tudo isso, Millennium – Os Homens que não amavam as mulheres lançado na Suécia em 2009 (Män som hatar kvinnor), ganhou sua edição nos EUA em 2011 (The Girl with the Dragon Tattoo). Nessa dupla acontece quase o inverso da anterior: os nomes dos personagens permanecem iguais, sendo os principais o jornalista Mikael Blomkvist, interpretado no americano por Daniel Craig e no sueco por Michael Nyqvist, e a hacker Lisbeth Salander, com Rooney Mara e Noomi Rapace, por sua vez. Porém há várias alterações na refilmagem americana, incluindo até o final do filme.
Embora tenham sido feitas essas mudanças, elas não foram prejudiciais ao filme ou ao enredo – talvez tenham sido até positivas. Por exemplo, a investigação que mergulha Blomkvist e Salander, inicia-se com o sumiço da jovem Harriet há mais de 40 anos. Na versão sueca, o jornalista descobre que a moça havia sido sua babá quando criança, e cria um forte laço pessoal pelo caso. Já na produção norte-americana, não há nenhuma ligação entre os personagens, o que faz com que o jornalista olhe à tudo de um ponto de vista mais distante do que apaixonante. Assim como no primeiro, que ainda possui cenas de flashbacks quase romantizadas, nada condizente com o clima sombrio e gélido que predomina durante a toda a trama. Um fato muito hollywoodiano presente na edição também, é um apelo sexual maior, com mais cenas de sexo, nudez e também uma maior exploração das cenas de estupro – que já eram muito fortes no longa sueco – o que torna ainda mais pesada a atmosfera densa das quase duas horas e meia de filme.
Um dos pontos mais marcantes de ambos os filmes fica por conta de Lisbeth Salander. Pequena, magra e extremamente introspectiva, com um visual marcante repleto de piercings, a personagem é corajosa e pode até se tornar muito perigosa. Não a toa, é ela a dona do nome da saga original (The Girl with the Dragon Tattoo) e que foi, também, um dos maiores temores da refilmagem. Com a atuação genial de Noomi Rapace na versão sueca, seria muito difícil encontrar alguém que conseguisse segurar o peso da sua interpretação – mas chegaram lá. Rooney Mara conseguiu sustentar com louvor a força de Lisbeth, sendo até mesmo indicada ao Oscar de Melhor de Atriz.
Outro grande acerto no remake de Os homens que não amavam as mulheres foi manter o toque insubstituível da frieza. Tanto nas relações entre os personagens, como nas cenas brutais, tudo isso metaforizado pelo clima glacial do inverno sueco. O final da trama, porém, modifica-se. No americano foi feita a escolha de adiantar alguns aspectos da sequência da trilogia, deixando um espaço para a continuação americana que, antes mesmo de começar a ser produzida, já encontra problemas. Daniel Craig exige um salário muito mais alto, e já foi até considerado reescrever a sequência Millennium – A Menina que Brincava com Fogo de forma a retirar o personagem interpretado por ele – algo que enlouqueceria qualquer fã.
Além dessa dupla, existe ainda mais uma longa lista de filmes refilmados pelos norte-americanos, como Conflitos Internos (Hong Kong, 2002), que se tornou Os Infiltrados (2006), Perfume de Mulher (1992), com o mesmo nome do italiano (lançado em 1974), e o romântico Cidade dos Anjos (1998) releitura de Asas do Desejo (Alemanha, 1987). E já há outros filmes em vista, como Gaiola Dourada (2013), filme de sucesso em Portugal e na França, que estreou no Brasil na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mas que ainda não tem um cronograma de produção definido; e o francês O Profeta (2009), que já teve seu direito de adaptação adquirido e ainda não tem previsões de produção.
A grande personagem feminina para mim é a Núria. Sofia é vazia. Na versão americana, eles ainda fazem ela ir no enterro do personagem principal, destruindo ainda mais o personagem com essa piedade que não existe no original.