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Observatório | A nota de 200 reais e o que representa

No dia 29 de Julho, o Banco Central anunciou que haveria a adição de uma nova cédula à Família do Real. A repercussão da medida nas redes sociais foi maior do que se imaginava, visto que o intuito da circulação da cédula é bem mais discreto. O animal definido para estampar a nova cédula foi …

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No dia 29 de Julho, o Banco Central anunciou que haveria a adição de uma nova cédula à Família do Real. A repercussão da medida nas redes sociais foi maior do que se imaginava, visto que o intuito da circulação da cédula é bem mais discreto.

O animal definido para estampar a nova cédula foi o lobo-guará, mamífero típico do cerrado brasileiro. Em 2001, foi realizada uma pesquisa para a escolha das espécies que estampariam as novas notas de R$ 2,00 e R$ 20,00. Os dois animais mais votados foram a tartaruga marinha e o mico-leão-dourado; em terceiro lugar veio o lobo-guará, que estará agora na nota de R$ 200,00.

A escolha da emissão

A decisão pela criação da nova cédula vai contra a tendência histórica. Isso porque, em quase todo o mundo, o dinheiro impresso está dando lugar ao digitalizado. “O dinheiro digitalizado fica muito mais barato para os bancos,  que evitam pagar pelo transporte e pela segurança, além de rastrear o dinheiro sujo”, explica Fernando Nogueira da Costa, professor de Economia e ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal.

A justificativa do Banco Central para a emissão da nova nota é o aumento da demanda por dinheiro vivo durante a pandemia. “Com a liberação dos auxílios emergenciais, muita gente começou a sacá-los em dinheiro, então a demanda pelo papel-moeda cresceu bastante nesse período”, relata Ana Vilar, do grupo de educação financeira  Desajuste Econômico. Além disso, Ana também explica que, com a crise econômica, as pessoas optam por não guardar o dinheiro em bancos, pois preferem uma maior liquidez — ou seja, uma maior facilidade para resgatá-lo, sem que ele se desvalorize. “Já que as pessoas estão perdendo em aplicações, elas preferem ficar com o dinheiro na mão, porque assim não perde o valor”, conclui o professor.

Outra hipótese levantada por Fernando é que a criação da nova cédula pode ser uma facilidade para os próprios bancos. Costa explica que o dinheiro dos bancos só não é infinito porque há saque de papel-moeda — é o que chamam de “fundo multiplicador bancário”. O Banco Central é responsável por controlar esse multiplicador, a partir de um depósito compulsório em papel-moeda. “Um dos prováveis motivos da criação da nova nota é que uma parte do recolhimento compulsório dos bancos, no Banco Central, é feita em papel-moeda, justamente para controlar o multiplicador. Visto que estamos falando de grandes cifras, a nota de 200 facilita, pois economiza metade do papel”, explica.

Saque do auxílio emergencial
Fila para o saque do auxílio emergencial durante a pandemia do novo coronavírus [Imagem: Reprodução/Felipe Barros]

O trauma inflacionário e a questão bancária

Torna-se cada vez mais distante o Confisco de Poupança, ocorrido no governo de Fernando Collor. Agora, 30 anos depois, percebe-se na internet uma comoção pela tomada dessa medida, que vai da produção de memes até uma preocupação histórica que marcou uma geração de brasileiros. 

O grupo Desajuste Econômico disse que “a emissão dessa nota gerou uma comoção e uma preocupação de que estaríamos voltando a essa época em que o Brasil criava constantemente uma nova moeda, com valores cada vez maiores’’. As integrantes destacam ainda que a situação atual é oposta àquela época: “Nos últimos meses nossa inflação estava abaixo da meta, o que faz sentido pois as pessoas não estão consumindo, logo os preços não sobem’’.

Fernando Costa concorda que “a criação da nova nota não é indicativo de inflação. O que houve nesse contexto da pandemia foi o aumento de retenção de papel moeda”. O professor do Instituto de Economia da Unicamp também pontuou que não tem dúvida da importância da educação financeira como forma de superação da “memória inflacionária”, também agravada pela desigualdade social:  “Há também a estratificação educacional. Mesmo aqueles que receberam certa educação ainda têm essa ‘memória inflacionária’ e não têm muitos conhecimentos de economia’’.

A Forbes Brasil divulgou em 2018 uma lista com os 10 países que possuem mais pessoas sem contas bancárias no mundo. Na  data, o Brasil ocupava a nona colocação, com cerca de 48,4 milhões de pessoas. No entanto, os dados fornecidos pelo veículo não dizem que o Brasil é um país desbancarizado. Outros levantamentos publicados pelo Banco Central em 2016 e pela Febraban em 2019 indicam os valores de 144 milhões e 148 milhões de pessoas com contas bancárias, respectivamente. 

Ele detalha ainda mais o dado fornecido pelo Banco Central em 2018 para explicar a parcela bancarizada adulta no Brasil: “Em 2018, dados do Banco Central diziam que haviam 115 milhões de cartões de débito ativos. Somando a população brasileira adulta com a idosa, temos exatamente 130 milhões de pessoas, que seria o público bancarizado. Se tirarmos 15 milhões de pessoas, que são trabalhadores da zona rural, chegaremos nesses 115 milhões de cartões ativos”.

Diante dos valores recentes, Costa comemora, pois teve participação ativa quando atuou como Vice-presidente da Caixa Econômica no primeiro governo Lula: “Isso é um direito à cidadania financeira, então é extremamente importante ter acesso a banco e a crédito”. Na opinião do especialista em bancos, “a população brasileira é bancarizada, mas ainda tem o hábito de lidar com o papel-moeda”, comenta.

Em entrevista para o Observatório, Fernando, pesquisador da história bancária e autor do livro Brasil dos Bancos, comenta que o diferencial da Caixa ser um banco estatal reside especialmente no corpo de funcionários concursados. Questionando sobre uma suposta eficiência maior, caso bancos privados fossem responsabilizados pelo auxílio,  Fernando aponta esse “espírito público” da Caixa como um fator diferencial no atendimento. 

Ainda que atualmente esse “espírito” tenha sido afetado em muitas dimensões por um viés neoliberal, em que as pessoas precisam se adequar à algumas determinações, a atuação de um banco estatal foi decisiva na pandemia: “Na história bancária brasileira, os bancos privados nunca quiseram pobres como cliente. Qual o interesse de ter pobre como cliente? Junta muita gente, afasta os ricos e não gera volume de negócio. Dessa vez, seriam pobres contaminados; aí que afastaria todos os outros clientes’’.

As consequências da medida

Apesar de toda a repercussão, os especialistas afirmam que a nova medida não deverá trazer grandes consequências à população. Costa explica que formas diferentes de moeda ocorreram inúmeras vezes ao longo da história. “Isso, para a teoria econômica, não conta nada. As formas de moeda são um mito, não tem menor importância conceitual sobre o que realmente é o dinheiro”, completa o professor. Finaliza dizendo que o fundamental é a confiança na moeda — caso contrário, a moeda estrangeira é mais valorizada e isso pode gerar inflação.

Há quem diga que a criação da nova cédula poderá dificultar o troco, ou até mesmo facilitar a corrupção. Porém, para Ana, essa última questão é menos provável. “Dentro de todas as variáveis de alguém que planeja desviar dinheiro público, a facilidade de transportar esse dinheiro é um dos menores problemas”, comenta. 

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