Um time da imprensa esportiva se reuniu, na última segunda-feira (15/06), para falar do jornalismo além do esporte. O Arquibancada marcou presença nesta coletiva virtual promovida pelo “Fórum 360 Live” que contava com Bruno Piccinato (Record TV), Carol Barcellos (TV Globo), Wander Roberto (Inovafoto), Yara Fantoni (TV Bandeirantes) e mediado pelo Fernando Nardini (ESPN), cada um deles em sua própria casa.
Em momentos de tanta incerteza, o Fórum foi construído como um espaço para debater o esporte, o mercado e os novos cenários nos quais se vive. Os rumos do jornalismo, nesse contexto, não poderiam ficar de fora e a noite daquela segunda foi dedicada a essas discussões.
“Acima de tudo, a gente é jornalista”
O estranhamento a essa nova forma de se relacionar com o trabalho em meio a uma pandemia era consenso entre os convidados, afinal, é uma situação nova para todo mundo.
O jornalismo, sendo a atividade essencial que é, tem se adaptado aos novos tempos e os participantes do evento compartilharam um pouco de seu novo cotidiano: agora a redação é majoritariamente em casa; entrevistas, em sua maioria, virtuais; as mãos que carregam as câmeras – ansiosas para não perderem nenhum click – descansam neste período e aguardam a retomada; e jornalistas esportivos, por exemplo, podem acabar deslocados de função, é o caso do Bruno Piccinato e da Yara Fantoni.
Este último ponto foi reforçado por eles: “Todo mundo aqui tem alma de jornalista”, destacou Piccinato. A paralisação das atividades esportivas e da cobertura jornalística nessa área, portanto, não significaram necessariamente pausa do trabalho, mas sim um redirecionamento de atividades.
Outras questões sobre o “fazer jornalístico” foram levantadas no Fórum, como por exemplo a exposição e o compartilhamento de opiniões políticas nas redes sociais. “Antes de qualquer profissão, a gente é um cidadão, (…) depois a gente vira jornalista, pode virar jornalista esportivo, ou não, mas é fundamentalmente jornalista”, comentou Nardini quando se discutia sobre o uso dessas ferramentas da tecnologia pelos jornalistas para a veiculação de opiniões.
Piccinato e Fantoni destacaram, por exemplo, a dualidade dessa relação: ao mesmo tempo em que esse elo virtual pode ser destrutivo, no sentido de “dar voz a todos” que nem sempre oferecem opiniões construtivas, ela pode contribuir para a denúncia de possíveis assediadores e abusadores por a exposição como alicerce. Nesse sentido, os participantes lembraram de ataques direcionados a figuras televisivas já inevitavelmente expostas.
Essas novas formas de tecnologia e comunicação, por outro lado, não só instigam aproximação com o público, mas também permitem certa desmistificação da imagem de figuras televisivas como pessoas inalcançáveis. A repórter Yara comenta que as redes sociais podem mostrar que jornalistas são “gente como a gente”, além de serem canais de fácil compartilhamento dos desafios e ofícios da profissão.
Essa lida com a tecnologia, principalmente em tempos de isolamento social, esteve em pauta como uma das visões do jornalismo além do esporte. Mas também discutiu-se sobre racismo e a desigualdade de gênero nas relações de trabalho, destacando-se aqui o ramo esportivo. Como pontuado pela Carol Barcellos, esses profissionais da imprensa esportiva são, acima de tudo, jornalistas, e o fórum contribuiu para ampliar a percepção construída sobre eles.
O que ficará da pandemia?
Os entrevistados se mostraram muito preocupados com as medidas que farão parte da nova realidade do esporte e da cobertura esportiva. Pontuaram temas como a dificuldade de acesso às informações dos atletas, por questões de marketing e de assessoria dos atletas e dos próprios clubes. Fatores como esses já constituíam uma barreira para o fazer do jornalista, e o cenário pós-pandemia tende a agravá-lo.
Uma das principais reflexões feitas no evento abordava justamente essa forma da prática jornalística. O fotojornalista Wander Roberto afirmou que “nada vai substituir o olhar humano”. A frase de Wander contrapõe algumas das vantagens tecnológicas que Yara havia dito mais cedo no evento. Mesmo que as novas tecnologias permitam que o repórter entreviste fontes distantes e a princípio pouco acessíveis, certamente aumentando o leque de fontes, esse contato não substitui o relação face a face entre entrevistador e entrevistado.
Questionamentos como esse podem ser ampliados para problemas já encarados antes da pandemia, dado que a prática esportiva e a jornalística necessitam do olhar humano. Pouco mais adiante, Wander complementou que, durante a quarentena, fez um trabalho inédito, quando tirou fotografias da tela de seu computador. Contudo, para ele, tal recurso está longe do ideal no quesito fotojornalístico, pois a foto sai “chapada”, ou seja, perde propriedades muito valiosas, como a profundidade.
Adaptações como essa contribuem negativamente para a qualidade da fotografia. Ampliando o sentido da palavra profundidade, referindo-se não somente à noção espacial, mas como camadas de complexidade, o jornalismo esportivo “à distância” torna-se menos profundo, uma vez que o esporte, por si só, torna-se incompleto quando praticado “à distância”.
Não há dúvida que a volta dos eventos esportivos aumentou um pouco os ânimos de todos que acompanham esportes, contudo, os convidados do Fórum concordaram ao dizer que jogar sem público é “chato”. Wander complementou que a figura do torcedor é emblemática. A repórter Yara Fantoni destacou que a essência do esporte passa pela energia do público e a experiência de um evento esportivo sem a presença da torcida torna-se incompleta.
Nesse sentido, Bruno Piccinato citou o exemplo da comemoração de gol dos jogadores da Bundesliga. Embora seja perceptível que estejam comemorando o gol e que aquele é um momento de celebração, perdeu-se parte do propósito de extravasar emoções, dado que um estádio lotado com mais de 80 mil pessoas, como é o caso do Signal Iduna Park, do Borussia Dortmund agora ecoa com o barulho de pouco mais de vinte e duas pessoas em campo. As atuais transmissões em países pós-pandemia perderam o aspecto espetacular do esporte, tornando-se uma mera exibição de alto nível técnico e físico.
No Fórum, os repórteres comentaram sobre as Olimpíadas, certamente o evento esportivo de maior relevância no mundo. A Carol Barcellos lembrou o esforço feito pelo atleta ao longo de sua preparação no ciclo olímpico e, diante das especulações trazidas pelos jornalistas de ter uma Olimpíada sem torcida, os participantes do Fórum pontuaram a enorme perda que isso representaria para o evento.
O jornalista Bruno Piccinato comentou sobre o sentimento dos atletas que disputarão Tóquio 2021 e que o evento certamente será diferente. Sua fala perpassou o fato de que é improvável que ocorram muitos recordes quebrados. Entretanto, a edição marcará o reencontro dos esportes e, provavelmente, de muitos países pela primeira vez em muito tempo. Wander comentou sobre como a pandemia mudará a cobertura olímpica, afetando a disputa entre jornalistas na linha de chegada da corrida dos 100m rasos, em decorrência da necessidade do distanciamento social entre os profissionais, por exemplo.
Questionamentos finais
A caminho do encerramento do evento, Fernando Nardini questionou os participantes do que “fica” do atual momento para cada um deles. Iniciando a rodada de respostas, Carol falou sobre a real falta de controle de potenciais planos e uma inquietação referente às manifestações de movimentos sociais. Yara concordou e complementa que atualmente, diante da falta de tanto, lembramo-nos que somos humanos e refletimos sobre aquilo que importa. Bruno Piccinato rebateu o tão falado “novo normal”, mas refletiu que as pessoas voltem depois desse acontecimento com novos anseios e mais empatia com o outro. Seguindo as mesmas conclusões, Wander classificou esse momento como sendo de aprendizado, sobretudo acerca de reflexões internas e das relações humanas.
Da cobertura do evento, depreende-se quais são os maiores valores do esporte e do jornalismo esportivo. Ter um mundo com relações “chapadas” é uma opção, e não uma solução. A expectativa para o real retorno com os esportes é grande, pois a partir daí haverá o reencontro e a completude da experiência humana dentro do esporte.
Sou Natalya Moreira, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.