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Depois da dinastia, uma nova sincronia na NBA

A temporada de 1969/1970 da National Basketball Association, a NBA, vinha, sem dúvidas, para ficar marcada na história da liga. Após a aposentadoria de Bill Russell, com seus 11 anéis de campeão, a dinastia que o time do Boston Celtics sustentou pelos 15 anos anteriores parecia ameaçada, mais do que nunca o título estava em …

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A temporada de 1969/1970 da National Basketball Association, a NBA, vinha, sem dúvidas, para ficar marcada na história da liga. Após a aposentadoria de Bill Russell, com seus 11 anéis de campeão, a dinastia que o time do Boston Celtics sustentou pelos 15 anos anteriores parecia ameaçada, mais do que nunca o título estava em aberto. O fim de uma dinastia com certeza traria diversas incertezas para aquela temporada da liga. Em meio a essa turbulência, um time se destacou entre os demais com seu jogo em equipe e sua incrível defesa: o New York Knicks de 1970.

O caminho dos Knickerbockers não seria fácil, mas o time foi mostrando força durante a temporada, conseguindo superar o gigante Los Angeles Lakers nas finais para finalmente se sagrar campeão da principal liga de basquete do mundo pela primeira vez em sua história.

Uma NBA dominada por lendas

Os anos 1960 na NBA foram marcados pela maior dinastia de sua história. O Boston Celtics de Bill Russell e companhia se tornou o time mais dominante do basquete americano por mais de uma década. Das últimas dez temporadas anteriores à aposentadoria de Russell, nove terminaram com o time de Boston campeão. No único ano em que isso não ocorreu, 1967, o título ficou com a outra grande lenda que vinha fazendo história na liga: Wilt Chamberlain e o Philadelphia 76ers

Chamberlain chegou à NBA no ano de 1959 na equipe do Philadelphia Warriors já sendo o jogador mais valioso da liga (MVP, Most Valuable Player, em inglês), prêmio dado ao atleta que foi considerado o melhor da  temporada. O prêmio de MVP foi conquistado por Wilt Chamberlain mais três vezes em sua carreira, nas temporadas de 65/66, 66/67 e 67/68. O pivô se transferiu para os Lakers em 1968 e viria a enfrentar os Knicks nas finais de 1970.

O time de Nova York vinha em plena ascensão durante os últimos anos da década: havia conseguido alcançar os playoffs nas três temporadas anteriores ao título de 1970, chegando a duas semifinais e uma final de conferência, esta no último ano antes do título. 

Entretanto, a presença nos playoffs não resultou em nenhuma aparição nas finais da NBA para os Knicks. Tal fenômeno pode ser explicado pelo fato de o time dividir a Conferência Leste com as duas grandes equipes da época: o Boston Celtics de Russell e o Philadelphia 76ers de Chamberlain, parando em 67 e 69 para os Celtics e em 68 para os representantes da Philadelphia. Apesar dessas eliminações, era notável a evolução nos resultados do time, que era fruto de um grande trabalho interno na formação de uma equipe campeã.

O time campeão

Durante uma década de soberania quase total por parte do Boston Celtics na liga americana de basquete, o New York Knicks aproveitou para montar um grande time, utilizando trocas, o draft (recrutamento de jogadores que jogam no basquete universitário) e colocando um novo nome no cargo de técnico.

O quinteto inicial que jogou praticamente toda aquela temporada pelos Knickerbockers era composto por Walt Frazier, armador, Dick Barnett, ala-armador, Bill Bradley, ala, Dave DeBusschere, ala-pivô, e Willis Reed como pivô. O comandante dessa equipe era Red Holzman.

Red Holzman, treinador dos Knicks de 1970
Treinador do New York Knicks, Red Holzman [Créditos: Knicks Brasil]
Dentre esses cinco, Willis Reed foi o primeiro a chegar. Draftado por Nova York em 1964 na oitava escolha geral, o pivô chegou na liga já mostrando seu talento e imposição física no garrafão, sendo considerado o melhor novato na temporada 64/65. Nesses anos, Reed teve média de quase 15 rebotes e, aproximadamente, 20 pontos por jogo. 

Willis foi peça importante naquele time em todas as temporadas que precederam o título. Em 65/66, chegou o habilidoso e grande chutador de bolas Dick Barnett. Vindo do Los Angeles Lakers, o atleta conseguiu produzir uma boa média de pontos em suas primeiras temporadas, mas acabou perdendo o posto de protagonista do time com a chegada de novas peças. Apesar disso, o treinador Holzman sempre enalteceu sua inteligência para o jogo.

Duas temporadas após a vinda de Barnett, em 1967, três peças fundamentais se somaram ao time principal dos Knicks. Bill Bradley chegava aos Knicks pelo draft, assim como o armador Walt Frazier. Além dos dois, Red Holzman, até então olheiro do time de Nova York, foi efetivado para o cargo de treinador e se tornaria o elemento chave para o sucesso da equipe. 

Tanto Bradley quanto Frazier não tiveram grandes atuações em suas respectivas primeiras temporadas, participando poucos minutos nos jogos. Porém viriam a se tornar importantes peças daquele time. Na temporada seguinte, principalmente Walt Frazier. 

Em entrevista ao Arquibancada, Zé Boquinha, comentarista da NBA pela ESPN, definiu Walt Frazier como diferencial daquele time campeão: “Walt Frazier era o maestro do time. Jogava de 1 e de 2 ao mesmo tempo. Conduzia e fazia os pontos quando necessário”. 

Entretanto, a chegada de Holzman já foi notória logo no início. O time alcançou os playoffs pelo segundo ano consecutivo, conseguindo ter mais vitórias que derrotas na temporada regular, o que não acontecia desde 58/59.

Por fim, em 1968, no meio da temporada 68/69, Dave DeBusschere chegava aos Knicks em uma badalada negociação com o Detroit Pistons. O ala-pivô de Detroit foi trocado por Walt Bellamy, pivô pelo New York até então. Com sua chegada, Willis Reed, que vinha jogando como ala-pivô naquele time, pôde se transferir para sua posição preferida, a de pivô. 

DeBusschere também se destacou por sua produção nos rebotes e nos pontos, sempre jogando com muito vigor dentro do garrafão. Sobre os jogadores desse time Zé cravou: “Eu não tenho dúvida que os grandes jogadores daquela época jogariam hoje tranquilamente. O basquete até os anos 90 tinha um trabalho maior de táticas e técnicas”.

Quinteto destaque na campanha dos Knicks de 1970
Da esquerda para direita: Dick Barnett, Walt Frazier, Bill Bradley, Dave DeBusschere e Willis Reed [Imagem: Farrell/News]

A temporada 69/70

Como mencionado, no término da temporada 68/69 da NBA, Bill Russell anunciou sua aposentadoria, colocando um fim a sua dinastia com o Boston Celtics. Com isso, criou-se uma grande expectativa sobre qual time seria o campeão da nova temporada. “Até 1969 o Boston era dominante. Bill Russell parou, o título ficou aberto, e os Knicks tinham um grande time.” comentou Zé Boquinha sobre o início daquela temporada.

O sucesso na campanha do título passou muito pelo estabelecimento de uma mentalidade vitoriosa que fosse compartilhada por todo o elenco, uma vez que o talento do grupo de jogadores já vinha sendo estabelecido nas temporadas anteriores. 

O jogo “solidário” tornou-se a base do sucesso da equipe. Nessa estratégia, focava-se sempre no jogador que estivesse livre e não unicamente naquele que fosse o melhor jogador do quinteto. Dick Barnett definiu que o time campeão foi único na NBA, pois todos os jogadores chutavam de forma eficiente do perímetro. Defensivamente, o trabalho também era coletivo. Cabia ao time todo estudar as fraquezas das equipes adversárias.

Intensidade defensiva dos jogadores de NY no título dos Knicks de 1970
Intensidade defensiva dos jogadores de Nova York [Imagem: Reprodução/ABC]
Dessa forma, aliando-se pontaria à habilidade de encontrar o jogador melhor posicionado com uma responsabilidade defensiva coletiva e bem executada, tinha-se a sincronia perfeita.

Com uma campanha de 60-22 e com o jogador que seria eleito o MVP daquela temporada regular e também do All-Star Game, Willis Reed, os Knicks caminharam tranquilamente da temporada regular até os playoffs.

Nessa fase, o time de Nova York mostrou sua força superando o Baltimore Bullets de Wes Unseld e Earl Monroe, nas semifinais, e batendo o Milwaukee Bucks do novato do ano Kareem Abdul-Jabbar, nas finais da Conferência Leste.

A final e o jogo 7

Para quem acompanha basquete da NBA atualmente, assistir à final de 1970 pode causar certa estranheza, uma vez que, naquela época, não havia a linha dos três pontos. O ritmo era outro, muito diferente do estilo run and gun de hoje (um estilo de jogo caracterizado pela velocidade e por uma maior frequência de arremessos, com menos táticas), que conta com diversos jogadores especialistas no elenco. Contudo, isso não quer dizer que o jogo não tinha qualidade, especialmente na final da Liga.

A decisão consistia numa série de sete jogos entre os dois times. Apesar da considerável diferença entre o aproveitamento das equipes na temporada regular (NY com campanha 60V-22D e LA 46V-36D). A série tinha sido rigorosamente disputada até o último jogo, com dois decididos em prorrogação (1 overtime e 2 overtime), um com diferença de um ponto, outro com diferença de dois pontos e o sexto com diferença de quatro pontos. 

“Uma das finais mais parelhas da NBA”, definiu Zé Boquinha. A principal força do lado do Los Angeles Lakers era definitivamente Wilt Chamberlain, um dos maiores da história, amparado por um elenco muito competente.

Pivô dos Lakers cobrando lance livre no jogo 7 [Imagem: Reprodução/ABC]
O jogo derradeiro aconteceu no Madison Square Garden (MSG), em Nova York, um dos templos do basquetebol e casa do Knicks. Willis Reed protagonizou a imagem mais marcante da vitória histórica: o pivô entrou em quadra, apesar da grave lesão na perna sofrida em um dos jogos anteriores da série, reverenciado pelo público no MSG. 

Em entrevista, Walt Frazier declarou que quando viu a lesão de Reed no jogo 5 das finais, acreditava que o título estava perdido e achava improvável conseguir parar Chamberlain. 

O esforço feito por Willis Reed no jogo 7 parece ter sido um dos principais motivadores do time. O pivô e principal destaque da equipe na temporada fez apenas quatro pontos naquele jogo, os quatro primeiros e, provavelmente, os mais importantes.

No restante da partida, Reed não deixava Chamberlain jogar livremente. O atleta dos Knicks não teve um bom aproveitamento nos arremessos no último jogo. Mesmo assim, garantiu sua estatística de duplos-duplos (quando um jogador atinge dígitos duplos em alguma das competências do esporte, como pontuação e assistências, por exemplo) durante a série.

Em vários momentos do jogo, Reed trabalhou muito bem para deixar seus companheiros livres. Percebia-se que, durante o jogo, Nova York jogava de forma mais “fluida” e natural que Los Angeles, o que refletia no aproveitamento de arremessos dos dois times: Knicks com 56% superando os Lakers com menos de 40%.

Com Reed limitado, o “maestro” Frazier assumiu o protagonismo, marcando 36 pontos e 19 assistências, conduzindo o time à vitória. Os Knickerbockers venceram o Lakers por 113 a 99, conquistando seu primeiro título. O pivô, no entanto, viria também a ganhar o prêmio de MVP das finais, tornando-se um dos únicos a conquistar os três títulos de MVP em uma mesma temporada (do All-Star Game, da temporada regular e das finais).

pontuadores do Knicks no jogo 7. Destaques dos Knicks de 1970
Pontuadores do Knicks no jogo 7 [Imagem: Reprodução/ABC]

O legado

Talvez o maior legado deixado pelo time de Nova York tenha sido seu talento. Seja pela perseverança dos quatro pontos marcados pelo lesionado Willis no jogo 7 das finais, pela maestria de Frazier conduzindo a bola, por Bradley buscando rebotes, Barnett chutando do perímetro ou pela liderança de Red Holzman. 

“Foi o técnico que ganhou dois títulos. Só isso já mostra a capacidade e o legado que deixou. Ser campeão na NBA não é pra qualquer um” disse o comentarista. 

Quando perguntado se ele considerava o Knickerbockers da temporada 69/70 um time esquecido pelo grande público, Zé respondeu: “A grande diferença dos Estados Unidos, principalmente em relação ao Brasil, é justamente a preservação da memória. Até hoje, todos sabem quem são Reed, Frazier, Bradley, Jerry West, Chamberlain. Aqui tem muita gente que esqueceu quem foi Pelé, que o compara com Maradona” riu o comentarista, ex-jogador e técnico. 

Depois complementou: “Em 1988, fui a Kansas City assistir o final four (correspondente às semifinais do basquete universitário dos Estados Unidos). No intervalo entre o primeiro e o segundo jogo, nas semifinais, adentraram a quadra os 50 maiores jogadores da história da NBA escolhidos até então. Vários destes que falamos aqui, e o público foi à loucura. Nunca vi uma euforia tão grande daquela torcida que estava vendo os ídolos de todos os tempos perfilados na quadra”.

Muito foi dito e muito continuará sendo falado desse time cuja mentalidade coletiva e talento individual brindaram a NBA. Um time que ainda mostra, após 50 anos de sua primeira conquista, a complexidade necessária para montar uma das equipes mais sincronizados da história do jogo.

telão exibido no Madison Square Garden no final do jogo 7 mostrando a vitória dos Knicks de 1970
Telão exibido no Madison Square Garden no final do jogo 7 [Imagem: Reprodução/ABC]

1 comentário em “Depois da dinastia, uma nova sincronia na NBA”

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