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Observatório | STF suspende a rede social X: o que antecedeu a queda do antigo Twitter

Em ritmo de desaceleração desde a compra por Elon Musk, bloqueio da plataforma também gera debates sobre a Justiça brasileira
Alexandre de Moraes à esquerda, logo do X ao centro, Elon Musk à diretia
Por Alex Teruel (alexteruel@usp.br) e Rafael Dourador (rafa.dourador@usp.br)

No dia 30 de agosto, a rede social X, anteriormente conhecida como Twitter, foi obrigada a sair do ar no território brasileiro por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

A decisão foi tomada após a empresa de Elon Musk não apresentar um representante legal no país dentro do prazo estabelecido pelo órgão federal. Na segunda-feira (2), os demais integrantes da primeira turma do STF — formada por Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Luiz Fux — confirmaram a unanimidade da decisão no colegiado.

Para garantir a medida, Moraes intimou as operadoras de internet do país a suspenderem o acesso de seus usuários à plataforma, e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi designada para notificar e fiscalizar as empresas. A suspensão pode ser revertida caso o X apresente um representante no país, bloqueie pelo menos nove perfis acusados de envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e pague as multas, que já somam mais de 20 milhões de reais.

Além disso, a decisão do ministro prevê penalização de 50 mil reais para pessoas ou empresas que utilizarem de meios alternativos para acessar o X, como uma Rede Privada Virtual (VPN, em inglês). As VPNs, usadas há anos no Brasil, são redes particulares que ocultam o endereço IP (Internet Protocol), dificultando o rastreamento das atividades online. Uma pesquisa da provedora NordVPN apontou que quase um terço dos brasileiros utilizavam a tecnologia em 2023.

O ministro chegou a sugerir o bloqueio também das VPNs, mas recuou em sua decisão e manteve somente a multa. A garantia da penalização para todos os usuários, no entanto, é questionada por especialistas, que destacam a dificuldade do acesso às informações, mediante colaboração de todas as provedoras de VPN.

Foto de Alexandre de Moraes, relator do mandado de intimação que suspendeu o X
Alexandre de Moraes é relator do mandado de intimação que suspendeu o X [Imagem: Reprodução/Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil]

À Jornalismo Júnior, a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, que atualmente coordena o projeto “Mídia e Democracia“, Yasmin Curzi, lamentou a perda de uma das principais plataformas de acesso à informação no país, mas destacou que não houve outra alternativa para o caso.

Questionada sobre os riscos de manter a plataforma sem um representante legal, ela aponta que a principal vítima seria o próprio usuário, que ficaria vulnerável a violações de direitos, vazamento de dados pessoais e outros problemas.

“O Brasil tem dois casos de bloqueio: o 8chan e o Secret, que são duas plataformas bastante peculiares em relação à realização de condutas criminosas. Hoje, o X está muito mais semelhante a elas do que plataformas de comunicação, de rede social. Não havia o que fazer. Virou, de fato, um lugar de atividade delituosa”, completa.

Desobediência a ordens judiciais

O embate entre a Justiça brasileira e o empresário Elon Musk se intensificou desde o início do ano passado, após a invasão da Praça dos Três Poderes por grupos que supostamente haviam utilizado o X para programar os ataques.

A situação tomou proporções ainda maiores quando o bilionário se recusou a obedecer ao bloqueio de perfis suspeitos em atuar na tentativa de golpe, e Moraes o incluiu no chamado inquérito das milícias digitais, em abril de 2024. O processo se trata de uma investigação sobre possíveis agentes de disseminação de fake news e agitação pública em processos políticos.

Em 13 de agosto, a conta oficial da equipe de assuntos governamentais globais do X publicou na plataforma um ofício sigiloso do ministro Alexandre de Moraes que exigia o bloqueio de sete contas na rede social, sob pena de 50 mil reais por dia, em caso de descumprimento.

Na mesma data, a Folha de S. Paulo divulgou mensagens do gabinete do ministro, de quando ainda era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas quais ele pedia relatórios para a Justiça Eleitoral de forma não oficial para embasar decisões contra bolsonaristas no inquérito das fake news, de 2022.

Moraes alegou que, como presidente do STF, teria o poder de polícia e poderia, pela lei, determinar a feitura dos relatórios. Além disso, o ministro citou a falta de colaboração da Polícia Federal com as investigações para justificar a solicitação ao TSE.

O poder de polícia está previsto no artigo 78 do Código Tribunal Nacional e se refere à autoridade da administração pública de intervir, regulamentar ou restringir certas ações ou comportamentos de indivíduos ou empresas quando isso é necessário para garantir as normas do seu âmbito de atuação.

Yasmin Curzi, no entanto, reflete que “ainda que possamos falar de outras ações do Supremo que podem vir a ser questionáveis em relação à suspensão de perfis, a moderação de conteúdo é algo que encontra base legal tanto no artigo 12 quanto no artigo 19 do Marco Civil da Internet”.

Diante da desobediência civil de Musk, Alexandre de Moraes intimou a empresa e ameaçou prender a representante legal do X no Brasil, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, por desobediência judicial, caso a plataforma não atendesse ao pedido. Para Moraes, Rachel estaria agindo de má fé ao tentar evitar o cumprimento de ordens do STF. Em resposta, o empresário anunciou o desligamento do escritório brasileiro e demitiu cerca de quarenta funcionários.

Sem um representante legal no país, obrigatoriedade estabelecida pelo Código Civil, o X estaria fora da lei. Foi a partir disso que surgiu a intimação de Moraes, pelo próprio perfil na rede social, para que Musk regularizasse a situação da plataforma em até 24 horas, sob pena de suspensão. Como a exigência não foi cumprida, o ministro determinou a concretização da medida.

Questionamentos e controvérsias

Procurado pela Jornalismo Júnior, o professor doutor de Direito Internacional Privado da USP, Solano de Camargo, percebe que a comunidade jurídica está dividida em relação às decisões do Supremo. “Uma parte considera que o tribunal exerce um ativismo judicial. Outros, no entanto, entendem que o STF está atuando para preservar a ordem constitucional e a estabilidade democrática”, diz. 

Ativismo judicial é uma expressão utilizada quando o Poder Judiciário tem uma participação mais ampla e intensa para colocar em prática suas decisões e interfere no espaço de atuação dos outros poderes.

A discordância sobre a decisão também se reflete na Justiça. Na segunda-feira (2), o Partido Novo ingressou com uma ação para derrubar a medida do ministro Alexandre de Moraes, alegando que esta “viola o princípio democrático, o da lisura das eleições, a liberdade de expressão e de opinião e a garantia do devido processo legal”.

Foto do ministro Kassio Nunes Marques
O ministro Kassio Nunes Marques foi sorteado para ser o relator da ação do Novo e decidiu levar a discussão ao plenário do STF [Imagem: Reprodução/Marcelo Camargo/Agência Brasil]

Para Camargo, embora possa fragilizar a percepção pública sobre o trabalho coletivo do Poder Judiciário, a ação de Moraes não viola os princípios democráticos, e levar a decisão ao Plenário tende a fortalecer a autoridade do STF. “O Plenário oferece uma arena mais ampla para o debate jurídico, refletindo diversas interpretações e criando uma decisão mais robusta e alinhada com os princípios democráticos”, complementa.

No sábado (31), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também já havia notificado o ministro para reconsiderar a decisão das multas pelo uso de VPNs. Na terça-feira (3), a organização formalizou um novo pedido, para que a medida fosse discutida no Plenário.

Interferências políticas de Musk

Apesar de o bilionário defender que suas ações e sua recusa em acatar as ordens do STF estão baseadas em princípios de liberdade de expressão, em países como Índia e Turquia a empresa respeitou as ordens locais para a derrubada de contas contrárias aos governos.

Por outro lado, no ano de 2020, antes da compra da rede social, Elon Musk declarou em um tweet: “Vamos dar golpe em quem quisermos”. A publicação foi em resposta a uma provocação sobre o interesse de sua empresa de carros, Tesla, na derrubada do governo de Evo Morales pelo acesso ao lítio boliviano.

 “Nesses estados em que o Musk acata diretamente as decisões, é o próprio governo que manda e ele obedece. Aqui mostra muito bem como está alinhado politicamente: quando é extrema direita, ele não reclama, quando é para insuflar a base de termo direito, ele vai reclamar.”

Yasmim Curzi, professora da FGV Direito Rio

Durante a última semana, a Starlink, empresa provedora de internet de Elon Musk, relutou em acatar a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender o acesso ao X. Apenas na última quinta-feira (5), a Anatel comunicou ao STF que a ordem foi cumprida na noite do dia anterior, apesar das críticas por parte da empresa.

Em nota aos usuários do serviço, a Starlink classificou o pedido como ilegal e disse que buscará contestear a decisão por vias legais. Além disso, apesar de serem empresas de Musk, a nota também ressalta que a empresa não é diretamente afiliada ao X.

Foto do comunicado da Starlink, empresa de propriedade de Elon Musk, também dono do X
Para fundamentar o bloqueio, STF entendeu que a Starlink faz parte do mesmo “grupo econômico de fato” do X [Imagem: Divulgação/Starlink]

Atualmente, a Starlink é a 16ª maior empresa de internet no brasil, responsável por mais de 224 mil conexões. No entanto, ocupa o primeiro lugar na modalidade de conexão por satélite, com 47,1% do mercado. Esse modelo traz consigo a capacidade de prover internet em regiões sem estrutura para receber o serviço por cabos ou fibra óptica.

“A Starlink é um empreendimento necessário porque o Brasil não possui um projeto próprio de soberania digital. […] A gente sabe que as empresas têm interesse econômico antes de qualquer coisa, e se tiver alguma prática abusiva de preço é muito mais difícil de regular um monopólio consolidado.”

Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio

Mudanças no antigo Twitter

Em 2022, a compra do antigo Twitter por Musk foi cercada de controvérsias. Adquirida por 44 bilhões de dólares, cerca de 235 bilhões de reais na época, o valor tinha sido acordado em abril. Já no mês de julho, Elon anunciou que não tinha mais interesse pela plataforma. A rede entrou na justiça e argumentou que o bilionário tinha a obrigação legal de seguir com o negócio, o que o levou a retomar o processo de aquisição em outubro.

Mudanças como a possibilidade de compra do verificado, utilização da ferramenta de verificação de dois fatores exclusiva para os assinantes e a onda de demissões que atingiu funcionários em todo o mundo culminaram na saída de cerca de 625 dos 1000 principais anunciantes do X, segundo dados da empresa Pathmatics no início de 2023.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Gabriela Andrade, pesquisadora de democracia digital e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), comentou as principais mudanças que fizeram a rede perder também os brasileiros, mesmo antes da suspensão. “Após a compra do Twitter, houve a reintegração de usuários banidos, mudanças nos padrões de moderação de conteúdo, a renomeação da rede para “X”, alteração no modelo de negócio e, de certa forma, uma abordagem mais pessoal e direta à gestão da empresa.”

Desde então, as decisões que ocorreram na plataforma e a instabilidade da rede e de seu dono levaram a empresa a perder mais de 70% de seu valor de mercado. Em julho de 2023, Musk assumiu em publicação na plataforma que a empresa estava operando em fluxo de caixa negativo, especialmente em decorrência da queda de cerca de 50% com publicidade.

No Brasil, a rede social era a nona mais utilizada, com 22 milhões de usuários, segundo estudo publicado pela empresa DataReportal, em fevereiro de 2024. Com o fim temporário da rede no Brasil, o público migrou para redes como o Threads, associado ao grupo Meta, e o Bluesky, fundado em 2019 por Jack Dorsey, ex-CEO do Twitter. Nessas redes, a soma dos usuários não chega no mesmo patamar alcançado pelo X. 

Apenas na última semana, o Bluesky recebeu 2 milhões de usuários, enquanto o Threads chegou a registrar mais de 3 milhões de membros ativos nesse período. A expectativa é que esses sejam os picos de uso das plataformas. 

A questão das mudanças nos padrões de moderação também levou a rede a registrar um aumento nos discursos de ódio e nas fake news, estudadas por Gabriela. A plataforma era conhecida por ter sido o principal berço da “cultura do cancelamento”, e agora os usuários se dividem entre Threads e Bluesky com base na impressão do que cada público entende como o estereótipo de cada rede.

Ainda assim, Andrade não espera que os padrões de comportamento vistos no X deixem de existir com a mudança de redes. “Mesmo que o X permaneça bloqueado no Brasil, os usuários de lá certamente encontrarão outras formas de continuarem se comunicando e gerando as chamadas assimetrias do discurso, como as fake news”.

Sem acesso fácil, o uso do X por brasileiros se restringe aos que moram fora do país ou aos que fazem uso das VPNs. As lacunas deixadas pela maior parte dos usuários abriram espaço nos algoritmos para uma intensificação da bolha de extrema direita que permaneceu na plataforma.

“Pode representar um problema a concentração massiva de apenas um grupo ideológico na plataforma. A decisão de bloqueio da rede social foi uma medida extrema e, assim, reações na mesma proporção podem ser esperadas, principalmente do espectro político mais atingido.”

Gabriela Andrade, pesquisadora da Faculdade de Direito da USP

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