Jornalismo Júnior

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Do enfraquecimento ao ressurgimento: o Talibã nos anos 2000

Período foi marcado pela atuação internacional no Afeganistão, realização de eleições e volta do grupo extremista
Por Isabella Lopes (isabella.tomaz.lopes@usp.br)

Em 2021, o mundo assistiu à retomada do poder do Afeganistão por parte do Talibã, grupo fundamentalista islâmico e de teor nacionalista. Durante a década de 2000, o movimento atingiu seu ápice, sua queda e preservou fragmentos que trouxeram à tona a ascensão do ultraconservadorismo no país asiático.

Início do grupo e primeiro regime

A palavra Talibã tem origem na língua Pashto — falada no Afeganistão e no Paquistão — e significa estudante. A princípio, o grupo era formado por alunos de escolas religiosas, contrários ao crime e à corrupção e que pregavam o islã sunita. Esta é uma corrente mais tradicional da religião, que defende a passagem da liderança do profeta Maomé, após sua morte, aos califas, sucessores que não possuem sua descendência. 

As primeiras atividades do grupo aconteceram em 1994, com a tomada de províncias localizadas no sul do Afeganistão, após a queda do domínio soviético que governava o país, graças ao apoio dos Estados Unidos a facções islâmicas insurgentes conhecidas como mujahidin, termo árabe traduzido como “guerreiro santo”. 

Ligia Carvalho Almeida, professora de História e Geografia, explica que organizações como o Talibã se entendem como coletivos de resistência, tanto política quanto cultural. Essa característica, segundo ela, é uma consequência do próprio imperialismo, da visão de que os ideais do outro — aquele que não se encaixa no mundo ocidental — são opositores.

Membros do Talibã caminham pelas ruas do Afeganistão
O Talibã visava a extinguir toda a influência estrangeira no Afeganistão [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Em um contexto de guerra civil, no qual várias frentes entraram em luta pelo poder, o Talibã rapidamente conquistou seguidores, amparados pela necessidade da população em se sentir segura e pelo fervor religioso. No final de 1996, a capital afegã Cabul já estava sob domínio talibã, após o assassinato de Mohammad Najibullah, líder da nação na época.

Punições públicas, como torturas e execuções, eram comuns no cotidiano dos afegãos, como consequência da interpretação rigorosa do Alcorão. Além disso, o grupo extremista impôs a exclusão da mulher do convívio social, o que incluiu o trabalho, o estudo e as saídas sem um acompanhante masculino. Também praticou a destruição de itens que considerava ofensas a Deus e a perseguição a outras etnias que não fossem a pashtun, tradicionalmente hegemônica. Cerca de 2,7 milhões de pessoas fugiram do país no ano seguinte, principalmente em direção a terras vizinhas, como o Irã e o Paquistão.

Em 1998, os Estados Unidos lançaram mísseis em Khost, cidade afegã, em retaliação a ataques realizados pela organização terrorista Al-Qaeda, a qual tinha base no Afeganistão e fortes alianças com autoridades locais. No ano seguinte, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) impôs sanções a ambos os grupos. 

Mulheres mostram cartazes em protesto contra o Talibã
Em 1998, a Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão fez um protesto condenando o aniversário da invasão talibã em Cabul [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Início da Guerra do Afeganistão – 2001

Poucos dias antes do atentado às Torres Gêmeas no dia 11 de setembro de 2001 — o estopim para a Guerra do Afeganistão —, o Talibã assassinou Ahmad Shah Massoud, líder do grupo rival Aliança do Norte Agentes da Al-Qaeda, disfarçados de jornalistas, foram os responsáveis pelo fim da vida de Ahmad.

O ataque ao World Trade Center teve autoria do grupo Al-Qaeda, sob comando de Osama Bin Laden. Causou 2.977 mortes, além dos sequestradores dos aviões que se chocaram com o complexo comercial que era localizado na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Além disso, milhares de pessoas que foram expostas a materiais tóxicos no ocorrido, como o amianto, enfrentaram consequências nos anos seguintes.

Imagem panorâmica de Nova York mostra Torres Gêmeas em chamas
Dentre os mortos no atentado às Torres Gêmeas, quatro vítimas eram brasileiras [Imagem: Reprodução/Picryl]

Logo depois dos atentados, os EUA exigiram ao Talibã a entrega de Bin Laden, que estava refugiado no Afeganistão apoiado pelo grupo terrorista. Em outubro de 2001, os Estados Unidos lançaram a Operação Liberdade Duradoura, só finalizada em 2014 pelo presidente Barack Obama. Seu objetivo era minar os dois grupos terroristas que eram o maior alerta na época, com o apoio de outras nações, como França, Alemanha e Reino Unido, e da Aliança do Norte.

Em 14 de novembro, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1.378, propondo ações ativas das Nações Unidas na transição do governo no Talibã e o auxílio de outros Estados para a manutenção da paz e de entrega de ajuda humanitária. 

“Condena o Talibã por permitir que o Afeganistão fosse utilizado como base para o terrorismo e por proporcionar refúgio a Osama Bin Laden e outros, e neste contexto, apoiar os esforços do povo afegão em substituir o regime.”

Trecho da Resolução 1.378, do Conselho de Segurança da ONU

Ligia recorda Francis Fukuyama, em seu livro O fim da história e o último homem, ao afirmar que a tomada de outras fronteiras que não estão no mesmo ciclo de consumo, ou seja, o capitalismo, exercido pelas grandes potências mundiais. Dessa forma, há uma relação de poder que assimila, de maneira forçada, povos e culturas, sinal da democracia liberal em ação. 

Segundo a professora, a Guerra do Afeganistão não foi somente um conflito que vingaria as vítimas do 11 de setembro e traria o fim do terrorismo, mas também um jogo narrativo dos Estados Unidos em busca de mais controle geopolítico, tanto em relação ao próprio território e aos acontecimentos de maior destaque no planeta, quanto à articulação entre diferentes países. 

Em dezembro, ocorreu a Batalha de Tora Bora, um complexo de cavernas localizado no leste do Afeganistão. Após rastrearem Bin Laden nesse local, milícias afegãs e o exército estadunidense se envolveram em uma luta contra a Al-Qaeda que durou duas semanas (de 3 a 17 de dezembro). Centenas de envolvidos foram mortos em um cenário que mostrava uma derrota do terrorismo. Entretanto, seu líder escapou de Tora Bora em direção ao Paquistão. 

No mesmo mês, o grupo afegão enfrentou uma derrota e partiu em retirada, rumo ao sul do país. Hamid Karzai foi nomeado presidente interino do país graças ao Acordo de Bonn, apoiado pela Resolução 1.383 do Conselho de Segurança da ONU. Pessoas envolvidas no conflito, como comandantes militares, ministros e membros da Aliança do Norte, foram nomeadas governadores provinciais. Além disso, a ONU, por meio da Resolução 1.386, estabeleceu a Força Internacional de Assistência à Segurança, com a liderança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Foto de Hamid Karzai
Hamid Karzai ficou no poder até 2014 [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

O fim do primeiro regime do Talibã no Afeganistão é associado ao dia 9 de dezembro de 2001. Nessa data, o grupo tomou a cidade de Candaar e seu líder, o Mulá Mohammed Omar, acabou por fugir da região, deixando-a sob administração de líderes da etnia Pashtun.

A reconstrução começa – 2002

Em março de 2002, foi colocada em ação a Operação Anaconda. Forças estadunidenses, afegãs e aliadas lançaram um grande ataque terrestre contra membros da Al-Qaeda e do Talibã, que estavam escondidos no Vale Shah-i-Kot, ao sul da cidade de Gardez. A ofensiva também mirava o Iraque. Assim, o Pentágono transferiu recursos militares e de inteligência do Afeganistão para o território iraquiano. 

Um mês depois, os Estados Unidos, governados por George W. Bush, sugeriram a reconstrução do Afeganistão. Em um discurso na época, o presidente citou o Plano Marshall, programa que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, cujo objetivo foi oferecer ajuda econômica para a reconstrução da Europa.

“Ao ajudar a construir um Afeganistão livre desse mal e um lugar melhor para se viver, estamos trabalhando nas melhores tradições de George Marshall.”

George W. Bush, 17 de abril de 2002

Porém, os investimentos na restauração do território afegão não chegaram nem perto daqueles oferecidos às nações europeias durante a Guerra Fria. Entre 2001 a 2009, o Congresso dos EUA liberou cerca de $38 bilhões para o Afeganistão. 

Em junho, Hamid Karzai foi escolhido para ser o chefe do governo de transição. Sua eleição foi feita por um grupo que reunia homens e mulheres — fato que representou a retomada dos direitos para o público feminino.

O fim do ‘grande combate’ – 2003 

No mês de maio, durante uma conversa com jornalistas, o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, sinalizou o fim “do grande combate”. Era esperado um período de estabilidade e abertura para ajuda de outros países e organizações. 

Neste ano, a Otan passou a ser a entidade responsável pelas forças de segurança internacionais no Afeganistão. Inicialmente com o comando em Cabul e regiões próximas, a organização expandiu o exército e passou a organizar militarmente outras zonas afegãs. 

Passos à democracia – 2004

Em janeiro, foi feita uma assembleia com 502 delegados afegãos, na qual foram debatidos os artigos presentes na nova Constituição do país. A principal novidade era a adoção de um sistema presidencial que buscava unir as etnias da região.

“O Estado será obrigado a criar uma sociedade próspera e progressiva baseada na justiça social, preservação da dignidade humana, proteção dos direitos humanos, realização da democracia, realização da unidade nacional, bem como igualdade entre todos os povos e tribos e desenvolvimento equilibrado de todas as áreas do país.”

Artigo 6 da Constituição de 2004 do Afeganistão

Hamid Karzai foi o vencedor das eleições e se tornou o primeiro líder democraticamente eleito do Afeganistão, em uma disputa que contou com a participação da pediatra Masooda Jalal, única mulher dentre os candidatos. Sua vitória, porém, foi marcada por acusações de fraudes e sequestros de trabalhadores eleitorais estrangeiros no processo.

Eleições parlamentares – 2005

No dia 25 de maio de 2005, os presidentes do Afeganistão e dos Estados Unidos se declararam países com parceria estratégica. O líder estadunidense visava à utilização das instalações afegãs na sua guerra ao terrorismo. Na aliança, foi estabelecido um acordo de ajuda a longo prazo para a nação asiática, de modo que fosse treinada para, no futuro, assumir suas responsabilidades sozinha. 

Em setembro, aconteceram as eleições parlamentares afegãs, divididas em Conselho do Povo (Wolesi Jirga), Conselho dos Anciãos (Meshrano Jirga) e conselhos locais. Quase metade dos eleitores foram mulheres.

O Talibã ressurge – 2006

Em julho, a incidência de ataques suicidas e com bombas aumentou na região. Embora afastado do poder, o Talibã acabou retomando os territórios localizados no sul do Afeganistão e reiniciou o seu programa de recrutamento, com foco nos jovens desesperançosos com o governo.

No mês de novembro, ocorreu uma reunião da Otan em Riga, na Letônia. Foi decidido que o exército do Afeganistão começaria a assumir a segurança nacional até 2008, o que criou atritos pela violência com que membros internacionais estavam sendo submetidos. 

Péssimos índices humanos – 2007

Em maio, Mulá Dadullah, um comandante talibã popular, foi morto em uma ação conjunto que reuniu forças afegãs, os Estados Unidos e a Otan. Enquanto isso, o grupo extremista passou a publicar vídeos de execuções públicas, frequentemente realizados por jovens adolescentes, em suas redes sociais.

De acordo com a ONU, quase um terço da população afegã (cerca de 6,5 milhões de pessoas) estava em situação de insegurança alimentar crônica em 2007. O país apresentou índices de desenvolvimento econômico, obtidos a partir da produção de narcóticos, especialmente de heroína, segundo a ONG Human Rights Watch.

Um ano violento – 2008

Em 2008, o poder do Talibã voltou a se estender pelo território, ultrapassando o sul do país. Cidades populosas como Cabul retomaram uma realidade de medo constante, com ataques à bomba, assassinatos e sequestros. A tenente-coronel Malalai Kakar, a mulher com mais alta patente na polícia do Afeganistão, foi morta pelo grupo terrorista. 

Segundo o relatório anual feito pela ONG Human Rights Watch, o Talibã matou 374 civis afegãos em seus ataques e feriu pelo menos 631 pessoas, além de três estrangeiros assassinados e outros 21 sequestrados. Pelo menos 28 decapitações foram realizadas pelo grupo, muitas delas transmitidas pela internet. Outras organizações insurgentes, com influência Talibã, fizeram 41 afegãos reféns e mataram pelo menos 23 deles.

‘Interromper, desmantelar e derrotar’ – 2009

O ano de 2009 se iniciou com o envio de mais tropas ao Afeganistão, ação feita pelo então recém-eleito presidente, Barack Obama. O governante afirmou que a campanha estadunidense continuaria no território afegão e sua retirada seria finalizada até 2011.

Foto de Barack Obama discursando no Afeganistão
Em 2010, Barack Obama visitou a base aérea de Bagram, no Afeganistão, e encontrou-se com Karzai em Cabul. [Imagem: Reprodução/Flickr]

A estratégia foi reformulada. “Interromper, desmantelar e derrotar a Al Qaeda no Paquistão e no Afeganistão, e impedir seu retorno a qualquer um dos países no futuro” era o objetivo principal, dito pelo líder dos Estados Unidos em um discurso no dia 27 de março. O rigor aumentou contra o crescimento de insurgentes do Talibã, assim como os investimentos gastos no conflito.

As eleições presidenciais aconteceram nas terras afegãs. Harmid Karzai foi eleito novamente, com novas alegações de fraude e a desistência do seu principal rival político no segundo turno. 

Os anos seguintes

Após a morte de Osama Bin Laden, em 2011, iniciou-se a retirada das tropas estadunidenses do território afegão, tanto por pressão civil  — que não apoiava o conflito — quanto de políticos, especialmente os democratas. 

No ano seguinte, surgiu um possível acordo de paz, que logo foi suspenso pelo Talibã. Alguns incidentes, como a queima supostamente acidental de unidades do Alcorão por parte de soldados dos Estados Unidos, contribuíram para o aumento da tensão entre os envolvidos. 

Só em 2014 foi anunciada a retirada de parte do exército internacional que estava no Afeganistão. Nesse ano, Ashraf Ghani foi eleito como presidente.

Foto de Ashraf Ghani
Ashraf Ghani é um economista, antropólogo e chegou a ser conselheiro especial das Nações Unidas após os acontecimentos de 2001 [Imagem: Reprodução/Flickr]

m 2017, o então presidente dos EUA, Donald Trump, sinalizou em um discurso que iria prolongar a guerra, que estava se encaminhando para 16 anos de duração. Diante disso, foi iniciada uma escalada de ataques entre Talibã e as tropas estadunidenses. 

No ano de 2019, entraram em cena novamente as negociações de paz, com a promessa da retirada definitiva das tropas dos Estados Unidos, caso a organização fundamentalista bloqueasse operações de grupos terroristas em solo afegão. Mas, poucos meses depois, Trump voltou atrás na decisão, depois da morte de um de seus soldados. 

Em 2020 foi assinado o acordo, tanto internacional quanto entre os grupos antagonistas do próprio Afeganistão. No fim deste ano, teve início um projeto de retirada intensiva dos soldados estadunidenses, número que chegaria a cerca de 2.500 pouco antes da posse de Joe Biden, o qual havia acabado de ser eleito. Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, chegou a alertar que era uma medida precoce, mas não foi ouvido.

Biden, no ano seguinte, decidiu por retirar todo o seu exército até o dia 11 de setembro. Porém, em 15 de agosto de 2021, o Talibã retomou Cabul, enquanto o governo afegão colapsava, diante da fuga de Ashraf Ghani. Imagens de crianças sendo entregues a soldados e pessoas penduradas em aviões chocaram o mundo. 

Nesses dois anos de governo Talibã, a linha governamental seguida é parecida com a de seu primeiro regime. Os direitos humanos, especialmente das mulheres, foram reduzidos e a fome voltou a crescer no país. 

1 comentário em “Do enfraquecimento ao ressurgimento: o Talibã nos anos 2000”

  1. Márcio José Lopes

    Reportagem muito interessante, antes da leitura eu tinha muitas dúvidas sobre o Talibã, mas agora posso dizer que compreendo todo o processo histórico desde seu surgimento até os dias atuais.

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