Por Ana Vitória Barbosa (anavita.nb@usp.br)
A história do Cemitério da Consolação teve início no começo do século XIX, quando surgiram preocupações com as condições anti-higiênicas dos sepultamentos em São Paulo. Até então, os enterros eram realizados dentro das igrejas, expondo os frequentadores a doenças contagiosas e ao forte miasma (cheiro forte emanado pelos corpos). A necessidade de um espaço mais adequado e salubre levou à criação desse lugar que, embora destinado aos mortos, é visitado pelos vivos até hoje.
A princípio, o cemitério tinha um perfil social mais diverso, que incluía áreas destinadas a covas gratuitas para os mais pobres. Os primeiros sepultamentos, inclusive, foram de pessoas escravizadas. Com o passar do tempo, o espaço foi se tornando cada vez mais elitizado. Atualmente, o local é reconhecido por abrigar jazigos e mausoléus de figuras históricas célebres.
E são muitas as personalidades enterradas lá. É possível citar: a Marquesa de Santos, que doou dois contos de réis para a construção da capela do cemitério; o empresário Roberto Cochrane Simonsen, fundador do Serviço Social da Indústria (Sesi) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); os artistas modernistas Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Oswald de Andrade; os abolicionistas Luís da Gama e Antônio de Souza e Castro; e túmulos assinados por escultores renomados como Victor Brecheret, Antelo Del Debbio e Nicola Rollo.

O Cemitério da Consolação abriga a história de São Paulo e do Brasil dentro dos seus muros. Tal herança ainda é cultivada pela gestão atual do local, sob responsabilidade da empresa Consolare, que gerencia as visitas guiadas. Esses tours geralmente ocorrem às segundas-feiras e os ingressos são disponibilizados pelo Sympla. Uma visita noturna é realizada uma vez ao mês, em parceria com o projeto O Que Te Assombra?

Nem todos se sentem confortáveis ao visitar um cemitério. Entretanto, o local se assemelha muito mais a um museu a céu aberto. O encarregado dessas visitas é o guia Francivaldo Gomes, conhecido como Popó, conduz os tours com entusiasmo. Durante a visita, disse: “Eu gosto da morte para conhecer a vida”, uma frase que revela como o cemitério pode ser um local de reflexão sobre a vida, a arte e a memória.



O Mausoléu dos Chapeleiros representa a antiga fábrica de chapéus de João Adolfo, situada ao lado da atual Estação Anhangabaú. O local abriga os túmulos de 24 de seus operários; o empresário, porém, não foi sepultado ali. O brasão oval apresenta detalhes impressionantes do prédio do século XIX e de seus arredores.

Popó trabalha no cemitério desde 2000, quando passou no concurso do serviço funerário como sepultador, e, com o passar do tempo, ganhou o papel de guia. O seu instrutor foi Délio Freire dos Santos, também precursor das visitas guiadas no cemitério. Popó disse não conhecer outros guias de visitação em cemitérios além do Délio e do Thiago, guia do “O que te assombra?”







Os famosos modernistas Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald estão enterrados no cemitério e existem algumas peculiaridades em relação à cada sarcófago:
O túmulo do Mário de Andrade tem uma escultura de anjo que foi encomendada por seu pai. Na opinião de Popó, se a escolha fosse do artista, não haveria anjo nenhum sobre o seu túmulo, sendo mais provável que ele escolhesse algo que aludisse à cultura brasileira.
O túmulo de Tarsila do Amaral não tem estátuas ou adornos, mas na sua lápide tem a inscrição “Quero ser a pintora do Brasil”. O guia explicou que a grandiosidade e detalhes de cada túmulo é algo bastante relativo, uma figura conhecida não necessariamente terá um grande mausoléu.
Uma curiosidade sobre o modernista Oswald de Andrade é que ele se casou com Patrícia Galvão, no Cemitério da Consolação, em frente ao túmulo de seus pais que jazem lá, agora, junto com o escritor.


O guia apelidou a esquina — o espaço entre as quadras 80 e 82 — de “Praça dos Três Poderes”. Nela, há a convergência de três personagens simbólicos: o presidente Campos Salles, representando o Executivo; Abreu Sodré, ex-deputado estadual, simbolizando o Legislativo; e o industrial Conde Francisco Matarazzo, representando o poder empresarial.


O estado de conservação de alguns túmulos levantou preocupações entre os participantes do passeio. Questionada sobre a conservação do patrimônio, a administração do cemitério informou que não pode mexer nos pontos tombados e para os demais, as decisões são feitas em processo de comitê. Também foi salientado que já existem projetos de restauração previstos para o próximo ano.

A escultura O sepultamento foi encomendada por Olívia Guedes Penteado para o túmulo de seu marido. Posteriormente, ela também foi sepultada no mesmo local. A obra foi premiada no Salão de Outono de Paris, em 1923 e quase teve um comprador estrangeiro.


O passeio foi encerrado na entrada do Cemitério da Consolação, com uma salva de palmas dos visitantes. Apesar da grande quantidade de informações para uma só visita, a experiência é satisfatória.O guia Popó finaliza com um chamado: “Que venham administrar arte e cultura nos nossos cemitérios! Venham participar de uma visita guiada e conhecer a história de São Paulo por um cemitério!”
