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A ciência bem representada

Por: Giovana Christ (giovanachrist@usp.br) Muitas das facilidades do nosso cotidiano, tudo o que aprendemos na escola e os termos que usamos para designar certo grupo de pessoas ou fenômenos estão no mundo pelo resultado de pesquisadores e acadêmicos que dedicaram anos de suas vidas para fazerem descobertas e definir conceitos. Na maioria das vezes, nem …

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Por: Giovana Christ (giovanachrist@usp.br)

Muitas das facilidades do nosso cotidiano, tudo o que aprendemos na escola e os termos que usamos para designar certo grupo de pessoas ou fenômenos estão no mundo pelo resultado de pesquisadores e acadêmicos que dedicaram anos de suas vidas para fazerem descobertas e definir conceitos. Na maioria das vezes, nem paramos pra pensar de onde vieram nem como surgiram. Por isso, também não refletimos em como a área acadêmica é exclusiva e majoritariamente composta por pessoas privilegiadas e que não integram grupos de minorias. Pensando nisso, o Laboratório entrevistou três pesquisadores importantes para a cena acadêmica brasileira e que enfrentaram os mais diversos preconceitos durante seu caminho pela ciência.

“Aqui que não tem é onde eu preciso estar”

foto: Henrique Avello

Formado em biologia e psicologia pela USP, Kadu Tavares é da área de pesquisa comportamental há 10 anos e gay assumido desde seus 15 anos. Tendo feito as duas faculdades, ressalta a transformação que sentiu nos 5 anos de diferença entre uma graduação e outra. “Na segunda graduação eu já vi uma outra coisa, acho que já foi depois daquele boom de 2012 em que começaram a surgir os coletivos dentro dos próprios institutos. Começou a se pensar uma postura um pouco diferente”.

Portanto, mesmo com os avanços dentro da faculdade, Kadu teve dificuldades no começo de sua vida profissional acadêmica por conta de um preconceito implícito revelado com maior força na hora de dar aulas particulares. Segundo ele, os pais das crianças demonstravam insegurança de deixar os alunos na responsabilidade do tutor e faziam diversas intervenções durante as aulas, o que o fez chegar à conclusão, anos depois, que isso acontecia por causa de sua sexualidade, que não era aceita pelos pais contratantes. Por isso, desistiu de dar aulas particulares e deu continuidade à sua vida acadêmica por outros caminhos.

Outro problema que teve que enfrentar foi a resistência que os orientadores tinham para dar cargos e responsabilidades para um gay, como em congressos em que os professores selecionavam outros alunos para fazer apresentações com a desculpa de eles serem “mais comportados”. Kadu disse por sua experiência de dez anos na vida acadêmica que “quando você é gay em uma universidade, você tem que provar duas vezes a sua capacidade, você está sempre abaixo”. Ele também conta que “durante muito tempo eu fiquei como sendo a referência do viado divertido da turma, então ninguém me levava à sério nas coisas acadêmicas que eu tinha que falar, porque eu era a bicha loca”.

Mas nem tudo é dificuldade e tristeza na área de pesquisa. “Qual a alegria de ser gay em uma universidade? Eu quebrei muitos esteriótipos lá no começo”. Com certeza Kadu quebrou muitas barreiras colocada para várias pessoas dentro da faculdade, e segue fazendo isso, de olho sempre em sua meta para o futuro, que é criar uma estrutura de atendimento clínico psicológico que atenda de graça LGBTs que não tem condições de pagar por terapia.

Ao infinito e além!

professora Thaísa Storchi Bergmann. Foto: Acervo Pessoal

Thaisa Storchi Bergmann é uma astrônoma brasileira que tem estudado o fenômeno da atividade nuclear em galáxias. Ela primeiramente entrou no curso de arquitetura, mas quando teve contato com os cientistas da área de Física, decidiu que queria ser cientista. Transferiu a graduação e recebeu o convite de um professor para se dedicar à área de astrofísica, determinando o rumo de sua vida acadêmica.

Sobre as dificuldades de trabalhar em um meio predominantemente masculino, Thaisa disse nunca se importar muito com o que as outras pessoas achavam e sempre manteve o foco em progredir com as suas pesquisas. “Eu ficava interessada por um assunto, por pesquisar algo, e aquilo se tornava quase uma obsessão, creio que no bom sentido, de colocar esforços para progredir naquilo”.

O preconceito com mulheres na área das ciências é um assunto que está em pauta há muito tempo, e talvez seja por isso que possamos verificar um progresso maior em relação às outras minorias da sociedade. Como conta a pesquisadora, hoje metade da pesquisa em astrofísica é feita por mulheres, o que é resultado da coragem de muitas, como Thaisa, que não desistiram dos seus objetivos por conta do machismo na área.

A falta de estímulo — principalmente financeiro — para pesquisa no Brasil já é um fato conhecido, mas pouco se lembra das outras barreiras que são colocadas para as pessoas que desejam escalar a vida acadêmica, como falta de incentivo nas escolas, preconceitos com etnia, sexo, opção sexual e as dificuldades para ingressar em uma faculdade pública de excelência no país. “Eu acho que a raiz do problema é que a sociedade como um todo não valoriza a ciência e muito menos as mulheres cientistas. As mulheres-modelo da mídia são em geral modelos, atrizes, cantoras. Então, desde pequenas, as meninas vêm isto. Devem haver meninas que, como eu, gostam de ciência desde jovens, mas acho que nossa sociedade não está preparada para valorizá-las”, finaliza Bergmann.

Novos rumos para a pesquisa

Foto: Lucas Pontes

A pesquisadora Letícia Lanz tem 64 anos, é mãe de três, avó de três e transgênero. Possui em seu currículo um mestrado de sociologia e carreira na psicanálise. Lanz é parte de uma minoria que só ganhou visibilidade há pouco tempo e tem tido cada vez mais voz na sociedade com suas lutas por reconhecimento e respeito, principalmente na área acadêmica. A psicanalista estreou uma área de estudos que não existia no Brasil antes da publicação de sua pesquisa, os estudos Transgêneros (Transgender Studies), e conta que sempre foi acolhida por seus colegas e professores em sua trajetória na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Porém, diferente do que seria imaginado, o preconceito maior que Letícia relata não foi dentro da área acadêmica, e sim, de dentro dos movimentos de transsexuais que a pesquisadora frequentava. “As lideranças me acusaram de estar tentando impor um modelo de estudo e uma nomenclatura alienígenas, representado pela área de Estudos Transgêneros, como se a nomenclatura de transexual e de travesti não fosse também de origem alienígena”.

Letícia abriu um caminho importante para muitos que quiserem se dedicar aos estudos Transgêneros e com certeza quebrou estereótipos nas área das ciências humanas. Sobre a falta de apoio para as pesquisas no país, a pesquisadora ressalta um ponto importante: “falta a disposição corajosa de implantar a área de Estudos Transgêneros nos currículos escolares”, o que traria informações para todos sobre essa pauta e suscitaria mais debates envolvendo essa minoria desde a escola.

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