por Ian Alves
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Cansados dos bares e das boates convencionais, um grupo de jovens ricos aluga uma laje numa comunidade da periferia para ser o novo palco de suas festas. Aos moldes burgueses, o espaço conta com um estoque das mais caras drogas e bebidas, e um segurança é contratado para evitar que moradores do morro se juntem a eles. A laje é simbolicamente localizada bem ao topo de uma favela do Rio de Janeiro, reforçando o endeusamento social tão prezado pelo grupo. E é justamente esse endeusamento, que é frágil, mas nada inofensivo, que serve de sustento para a crítica do diretor.
A personalidade fútil e egocêntrica dos jovens é explorada desde as primeiras cenas de A Frente Fria que a Chuva Traz (2016). Futilidade, talvez, seja eufemismo: os comentários homofóbicos, a objetificação do corpo das mulheres e o racismo com o dono da laje levam a superficialidade do grupo a um ponto de saturação tamanho, que o expectador desenvolve repulsa por aqueles personagens. Diferencia-se desse perfil a protagonista do filme, Amsterdã (Bruna Linzmeyer), que é construída, desde o princípio, como irreverente, ousada e segura de si. Embora suas falas cheias de acidez já a distanciem do vazio característico dos outros personagens, é apenas no decorrer do filme que percebemos que Amsterdã, ainda que conviva com os outros, não faz parte da burguesia, e que, portanto, suas ações precisam ser julgadas de acordo com sua origem social.
Chega-se, então, ao ponto de virada do filme – ela se torna o contraponto da história, a personagem da periferia cujas ações vão ser contrastadas com as ações dos demais personagens. Com o intuito de traçar uma crítica à burguesia, como é típico do Cinema Marginal, o diretor, Neville D’Almeida, coloca personagens periféricos e burgueses em uma mesma posição – drogas, sexo, o estar na favela – para, então, mostrar como essas coisas possuem significados diferentes na vida de cada um dos grupos. Para aqueles jovens ricos, o sexo e as drogas são diversões, e estar na favela é quase um fetiche – são maneiras de fugir de uma realidade que é entediante de tão fácil. Para Amsterdã, o sexo é seu trabalho; a favela é sua casa e as drogas são os analgésicos de uma vida miserável.
O filme, que ridiculariza a burguesia narcisista, é construído com artifícios cinematográficos que funcionam perfeitamente dentro da proposta temática. Um exemplo é a metáfora do frio e do calor – todo o filme se passa em um só dia e, enquanto o sol irrompe na laje descoberta, Amsterdã está num fluxo incessante do efeito de drogas. Quando o frio começa a dominar a atmosfera do filme, a personagem passa a refletir sobre a situação precária de sua vida e sobre como ela se sente em relação a seu status social. A frente fria que a chuva traz, na verdade, é uma metáfora para uma reflexão interior que quebra a vida cotidiana frívola. Para aqueles que são privilegiados socialmente, porém, a frente fria nunca chega.
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