Por Vinícius Crevilari
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A indústria do cinema estadunidense tem a tradição de lançar bons filmes que abordam a escravidão e o racismo. Não à toa, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas comumente presenteia tais obras com muitas estatuetas.
Quanto mais verossímil a história parece ser, maior é a chance de êxito do filme – principalmente se este tratar de uma autobiografia adaptada para a sétima arte. A Cor Púrpura (Color Purple, 1985), Malcolm X (Malcolm X, 1992) e Histórias Cruzadas (The Help, 2011), são bons exemplos de narrativas autobiográficas com a temática do racismo, que foram parar nas telonas e tiveram sucesso de crítica e público.
Com 12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, 2013) não foi diferente. A adaptação cinematográfica de Steve McQueen para o livro homônimo de Solomon Northup, foi indicada a 9 categorias do Oscar. O longa conquistou as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong’o).
O enredo trata da história de Solomon Northup (interpretado brilhantemente por Chiwetel Ejiofor), um homem negro e livre em pleno regime escravagista nos Estados Unidos, que sai de Nova Iorque devido a uma falsa oferta de emprego. Sequestrado e vendido como escravo na Louisiana, passa por situações subumanas nas plantations do sul norte-americano, durante longos 12 anos. Em pouco mais de duas horas, Steve McQueen trabalha com esse núcleo narrativo, mostrando várias ocasiões em que Solomon e seus companheiros de cativeiro são açoitados, bem como a rotina de trabalho dos escravos da época.
Na tentativa de tornar o filme menos cansativo para o espectador, o diretor utiliza-se de algumas ocorrências peculiares do livro na película, como na parte em que um homem branco e endividado passa a trabalhar e a conviver com os escravos negros de uma fazenda. Também no mesmo intuito, McQueen lança mão de imagens vigorosas e bem coloridas, afim de mostrar o ambiente em que a história e as personagens se inserem.
Apesar da impressionante técnica fotográfica e da admirável veracidade das cenas de castigos aos escravos, o filme torna-se em certos momentos um tanto quanto enfadonho e repetitivo ao observador – o que de certa forma, torna o desfecho da história breve e pouco surpreendente. Mas nada disso tira a grandeza do trabalho do cineasta britânico, que coloca em imagens e a partir de belíssimas atuações, todo um mecanismo de funcionamento das vendas e trocas de escravos, assim como a organização trabalhista a que eles estavam sujeitos (e inclui-se além da labuta exaustiva, a humilhação a que estes trabalhadores estavam expostos).
Outro aspecto interessante em 12 Anos de Escravidão, é a bem sucedida forma em que se explicita, na figura de Solomon e Patsy (Lupita Nyong’o), a posse de um ser humano pelo outro. Um escravo não se diferenciava de um animal. Ele deveria prestar lealdade e obediência a seu senhor. Pior ainda era o papel da mulher negra, que além de mercadoria e mão-de-obra, servia de objeto sexual para seus “donos”.
O maior triunfo da obra talvez seja a capacidade que ela possui de fazer o espectador atento criar um paralelo com a realidade que nos cerca. As fronteiras do passado e do presente não são tão distantes quanto imaginamos, já que a escravidão e exploração da força de trabalho de ontem refletem na maneira como produzimos hoje. Em tempos de negros amarrados em postes no nosso país, o passado se comporta muito mais como presente do que sonha nossa vã filosofia.