por Amanda Panteri
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Um professor universitário, sua mulher e alunas. São essas as personagens que compõem a Academia das Musas (La Academia de las Musas, 2015), último filme do diretor José Luis Guerín.
O enredo é simples e se constrói em cima de aulas ministradas pelo docente de filologia. Ele discorre sobretudo a respeito da histórica relação que os poetas mantinham com suas supostas musas, gerando discursos que levantam questionamentos tanto da turma quanto da sua própria mulher. As ninfas da Antiguidade Clássica, Francisca de Dante, Heloísa de Rousseau, todas elas participam de discussões sobre se é possível a uma mulher representar esse papel atualmente.
Como é de se esperar entre estudantes de filologia, a importância da linguagem para o homem e para a construção da civilização é constantemente reforçada durante o filme. Guerín confirma essa hipótese ao nos apresentar diálogos (geralmente entre no máximo duas personagens) longos e extremamente complexos, daqueles que um segundo de distração podem causar a perda de todo um raciocínio. Além disso, ele suprime alguns recursos típicos do gênero ficcional – como os efeitos sonoros e os de transição de cenas – a fim de chegar à “realização da palavra”, dando assim um quê documental ao longa.
Paralelamente às densas conversações e quase invisivelmente à percepção do espectador, há a construção de uma personagem. O professor, escondido atrás da linguagem erudita e beneficiado pelas relações de hierarquia impostas pela sociedade – professoraluno, homemmulher e até poetamusa – acaba por se mostrar mais um dos que se sustentam do sistema patriarcal.
Homem de mais de uns cinquenta anos, ele está sempre em presença daquelas que denomina serem suas musas. Afirma prezar pela independência, mas acredita que sejam elas as responsáveis por suscitar a busca do belo. Ao ter o seu ciúme questionado por uma de suas amantes, admite o sentimento de possessão sobre a musa. Porém, quando outra confessa sentir insegurança na relação entre os dois, ele nega dizendo que uma moça inspiradora de sonetos como ela não teria que possuir esse sentimento. Seu conservadorismo é metaforizado de diversas maneiras, entre elas pela preferência aos sonetos clássicos.
As mulheres com que ele se relaciona parecem possuir um nível de instrução elevado. Elas questionam diversas vezes a metodologia da matéria e parecem compreender bem que os esteriótipos propostos pelo amado não chegam nem perto do real. É por isso que a dependência e admiração nutridas pelo “mestre” causam certa estranheza. Elas chegam até a discutir umas com as outras sobre quem seria a mais amada, revelando a presença do machismo em um local disseminador da cultura e do conhecimento como a academia.
Toda essa contradição entre discurso e atitude é mostrada por Guerín de maneira discreta e obscurecida ainda mais pelas reflexões extremamente intelectuais, fazendo com que a compreensão do que ocorre nas cenas se dê tardiamente. Sendo assim, Academia das Musas pode com certeza entrar na lista de filmes que a gente passa dias pensando sobre.
Confira o trailer: