Mais de duas décadas após o lançamento do seu episódio piloto nos Estados Unidos, a série Friends ainda faz parte da programação do Warner Channel e é um grande sucesso do catálogo da Netflix. A série até ganhou homenagem do Google em 2019 pela comemoração do seu aniversário de um quarto de século: o site divulgou informações dos personagens e perguntas mais pesquisados, além de incluir pequenos ícones bem-humorados representando os personagens em seu buscador.
Em outubro de 2019, foi divulgado um ranking das séries mais assistidas na Netflix dos Estados Unidos. A lista foi liderada pelo seriado The Office, exibido entre 2005 e 2015, e o segundo lugar ficou com Friends (1994-2004). A contagem foi de 52,98 bilhões de minutos assistidos para a primeira colocada, enquanto Friends contou com 32,6 bilhões. No Brasil, The Office não está disponível na Netflix. Apesar de ter perdido o posto nos Estados Unidos em 2019, no ano anterior Friends foi a série mais assistida do mundo, de acordo com o aplicativo TV Time.
Friends conta a história de seis jovens amigos que vivem em Nova York em meados dos anos 1990 e início dos 2000. Com episódios relativamente independentes entre si, o roteiro se utiliza de questões básicas do cotidiano para criar situações divertidas e engraçadas. Os personagens são um pouco caricatos, mas apresentam características com as quais é fácil se identificar, e, em alguns momentos, as piadas se tornam bastante universais.
Depois de todo esse tempo?
Para Patrícia Rossetto, publicitária formada pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó e autora do artigo “As experiências de consumo de jovens fãs brasileiros de Friends e suas identificações com os personagens da série“, o principal motivo para que as pessoas continuem se interessando tanto pela série é a identificação com a temática e com os personagens. “São jovens adultos, longe dos pais, que precisam aprender a se virar. Quantas pessoas não vivem as mesmas situações que eles? Pouco dinheiro, longe de casa, problemas em relacionamentos”, explica.
O fato é que o seriado se consolidou na cultura pop e ainda atrai muitos jovens. Raquel Magalhães, 18, conta que se interessou pela série a princípio por meio da internet. “Eu comecei a assistir Friends por conta de sua influência nas redes sociais, principalmente nas contas que eu seguia.” Essa presença da série nas mídias muitas vezes tem relação com a facilidade de identificação com as piadas: é fácil colocar as frases dos personagens em diversos contextos, e muitos se sentem contemplados por elas. Além disso, é frequente que as pessoas postem referências à série ou comentem sobre o quanto gostam de assistir, devido à grande quantidade de fãs. “Acho que, de certa forma, a série ainda faz tanto sucesso pelo imenso saudosismo, já que temos disponíveis outras séries tão boas quanto e, talvez, melhores”, conta Raquel.
![Cena em que a personagem Monica coloca a cabeça dentro de um peru de Ação de Graças [Imagem: Reprodução]](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2020/02/friends3.png)
Entre o velho e o novo
Apesar do sucesso, há muitas críticas em relação à série, atualmente. De fato, algumas piadas e situações acabaram se tornando inapropriadas com o passar do tempo, o que incomoda espectadores mais jovens e antenados. Por exemplo, o fato de todos os personagens principais serem brancos chamou tanta atenção que, em 2017, o cantor Jay-Z fez uma crítica ao recriar uma cena de Friends com atores negros no clipe da sua música Moonlight.
De forma geral, a série representa a cultura da época em que foi produzida, refletindo padrões de comportamento e pensamento que eram vistos como normais. A publicitária enumera momentos em que isso é perceptível: “Algumas falas demonstram como as pessoas que eram do convívio da Rachel acham que ela não teria como se virar sem o pai, ou que precisaria de um marido; e quando o Ross fala para a Rachel que eles deveriam se casar, já que ela estava grávida”. Patrícia lembra também de episódios em que o personagem em questão faz comentários sobre não existir amizade entre homem e mulher e tem condutas obsessivas. “São atitudes machistas, mas que naquela época eram normais, as pessoas realmente pensavam isso”, completa.
Mais que o retrato de uma década
Seja para o bem ou para o mal, Friends traz uma representação vívida dos anos 1990 e dos costumes da década, e ajudou até mesmo a moldar alguns pensamentos do período. “A cultura da época é bem representada nas vestimentas, nos cenários e em algumas falas, mas é nítido que a série abordava assuntos mais polêmicos para os anos 1990 de forma bem natural. O impacto disso moldou a cultura da década e preparou alguns pensamentos para a próxima”, opina Raquel.
Esse também é um fator que contribui para que a série se mantenha no círculo de interesse dos jovens até os dias de hoje. Com a “volta dos anos 90”, Friends ganha força e até mesmo passa a impulsionar tendências. “Andei observando e vi notícias de que a Ralph Lauren lançou uma coleção inspirada na Rachel. A moda dos anos 1990 está voltando, então a série serve de inspiração para as marcas e para as pessoas”, conta Patrícia. Raquel observa o mesmo movimento: “De 2015 em diante é possível notar o forte retorno da moda vintage e o saudosismo por peças que durante os anos 2000 foram ignoradas”.
De qualquer forma, Friends deixou a sua marca no mercado audiovisual e continua cativando jovens e conquistando inúmeros fãs ao redor do mundo. Seja por nostalgia e saudosismo, seja por capacidade de promover identificação, a série ainda tem o poder de arrancar risadas dos espectadores e cativá-los. Mesmo com todas as falhas, o seriado permanece atual e continua a refletir situações do cotidiano jovem. Patrícia defende que a série trata com leveza o cotidiano de pessoas normais, o que é um dos pontos centrais do seu sucesso: “Você pode chegar para qualquer pessoa que assistiu à série, ela sempre vai se identificar com algum personagem ou até com um pouquinho de cada um, porque Friends é isso, somos nós retratados em seis personagens.”
É impossível dizer o que exatamente fez com que a produção ganhasse tanta importância na televisão mundial, mas, de toda forma, ainda não apresenta sinais de que vai perdê-la. Para os fãs, não poderia ser melhor. Para quem não gosta muito, a boa notícia é que o mercado está repleto de novas e diversas produções, que pretendem agradar aos públicos mais variados.