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Arte drag: Como se deu o boom atual?

Chegando com força no Brasil por volta dos anos 80, a arte drag – na época generalizada apenas como arte transformista – marcou uma mudança de paradigmas, trazendo personagens empoderadas e que mostravam suas produções de forma esplêndida e singular. Os que produziam essa arte eram, e ainda são, em sua maioria, homens que se …

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Chegando com força no Brasil por volta dos anos 80, a arte drag – na época generalizada apenas como arte transformista – marcou uma mudança de paradigmas, trazendo personagens empoderadas e que mostravam suas produções de forma esplêndida e singular. Os que produziam essa arte eram, e ainda são, em sua maioria, homens que se montam de uma personagem totalmente produzida e pensada na sua própria proposta, geralmente exaltando a figura feminina e sua forma de expressão. Porém, não há regras definidas. Nada impede que uma mulher se monte de homem – os chamados drag kings – , ou que não haja exatamente uma exaltação da figura da mulher. É tudo livre, basta apenas querer se expressar de alguma forma e mostrar isso em uma personagem.

A origem do termo drag é uma grande incógnita, sendo rodeado somente por teorias e suposições. Uma delas explica que drag significa dressed resembling a girl (se vestir parecendo uma garota), e que se referia aos homens que se travestiam de mulheres em produções teatrais. Entretanto, não existem evidências concretas que confirmem essa teoria.

No Brasil, essa arte chegou com o nome de transformista. Até hoje, existem artistas que se chamam dessa maneira, porém a generalização do movimento apresenta consequências até os dias atuais. É comum a confusão dos diversos termos que permeiam a temática da diversidade sexual no Brasil. A sociedade ainda vê travestis, transexuais, drags e transformistas como “farinha do mesmo saco”, sendo que cada termo apresenta suas próprias especificidades. Nos anos 80 e 90, não era muito diferente, já que, além dessa generalização, também havia uma grande marginalização da arte, associando as artistas com promiscuidade e prostituição.

Um dos grandes nomes que marcou época e serve de inspiração para diversas drag queens da nova geração é Silvetty Montilla. A atriz e cantora tem um reconhecimento muito grande por sua autenticidade e a forma como se impôs para produzir sua arte, numa época em que a marginalização das drags era muito maior. Chegou a se apresentar em diversos meios de comunicação de renome, como Record e Rede Globo. Um de seus últimos papéis aconteceu na animação da Netflix Super Drags (Netflix, 2018), sendo Silvetty a dubladora da personagem Vedete Champagne.

Silvetty Montilla [Créditos: Reprodução]
Contudo, mesmo com grandes nomes nacionais, a arte drag somente se popularizou no Brasil com o sucesso do reality show norte-americano Rupaul’s Drag Race (World of Wonder, 2009). O seriado apresenta, em cada temporada, uma competição entre diversas drag queens, na qual elas passam por diversos desafios e apresentações para que haja uma vencedora. O sucesso mundial do programa representou um marco na história do movimento, pois apresentou uma arte que em países mais conservadores – como o Brasil – estava restrita somente às casas de show e baladas.

RuPaul, apresentadora do programa, está entre as mais conhecidas do mundo, sendo uma das primeiras a se mostrar publicamente tanto enquanto drag quanto com sua aparência desmontada. Com seu programa, ela foi responsável por revolucionar a arte no geral, atingindo patamares para além dos Estados Unidos. Atualmente, a série continua em exibição, se encontra na 11ª temporada e configura um sucesso internacional.

RuPaul’s Drag Race [Créditos: Reprodução]
O boom atual do movimento se relaciona a isso, já que as grandes referências atuais afirmam ter RuPaul’s como um ponto de partida. Na linha de frente, estão nomes como Pabllo Vittar, Glória Groove e Lia Clark. As duas primeiras têm mais de 2 milhões de ouvintes mensais na plataforma de streaming Spotify, configurando grandes sucessos.

A arte drag sempre esteve muito ligada ao movimento LGBTQ+, justamente por – na maioria das vezes – ser produzida e consumida por essa minoria, principalmente por homens gays. Mas é possível perceber uma expansão atual que ultrapassa as bolhas do público. Isso fica claro ao analisar grandes hits das cantoras citadas, como a canção K.O. da Pabllo Vittar, que venceu um grande prêmio de música nacional em 2017, o Melhores do Ano, apresentado no Domingão do Faustão. Além disso, ela também foi premiada em 2018 na revista IstoÉ como Brasileiro do Ano na área musical, e ficou em primeiro lugar na premiação Caldeirão de Ouro, realizada no Caldeirão do Huck.

Também da IstoÉ, outro prêmio conquistado por Pabllo foi alvo de uma polêmica. Ela foi eleita a 13ª mulher mais sexy de 2018. O título cedido pela editora foi alvo de muitas críticas e comentários ofensivos por parte de internautas que a atacavam por não concordar com a identificação feminina conferida pela revista. Porém, isso destoa do próprio posicionamento da cantora, a qual   já afirmou em entrevistas que não se identifica como mulher; e sim como um homem gay que produz essa arte e exalta a figura feminina em suas performances. O polêmico prêmio só reforça o estereótipo já citado de generalizar todas as formas de expressão artística dentro do movimento LGBTQ+, e corrobora ainda mais com a desinformação.

 Outro grande nome que merece destaque é Glória Groove, que liderou, em São Paulo, um dos maiores blocos do Carnaval de 2019 de todo o estado. O Bloco das Gloriosas superou muito a expectativa, que era de um público de 10 a 15 mil pessoas, uma vez que a cantora estimou quase um milhão de presentes no evento. O público era muito variado, mostrando que as drags vêm conquistando cada vez mais espaço. 

Glória Groove no Bloco das Gloriosas [Créditos: Reprodução ]
A expansão atual do movimento representa um avanço na questão da visibilidade, pois além de mostrar referências para quem deseja se montar um dia, naturaliza a questão para públicos que não convivem com essa realidade. As aparições em grandes programas televisivos, principalmente na rede aberta, proporcionam esse avanço. Giordano Devêza, fã da arte drag e que pretende se montar no futuro, comenta sobre isso. Diz que os programas têm um ar de abertura à diversidade, trazendo um cunho mais de entretenimento do que político em si. Para ele, isso pode proporcionar, em um futuro não tão distante, uma visão mais natural da sociedade para com as drag queens. Elas passariam, portanto, a ser vistas como mais uma forma de arte e expressão, sem ser necessário, por exemplo, uma categoria musical específica de música drag. Entretanto, isso é só uma expectativa para o futuro. 

Na atualidade, ainda se faz necessário categorizar as músicas para se afirmar enquanto drag queen que trabalha nesse meio. Para explicar, pode-se fazer uma analogia com o movimento LGBTQ+. Muitos integrantes do meio defendem que é importante se rotular enquanto determinada sigla do grupo em função da representatividade e expressão política. Isso porque, para que possamos falar de algo e entender suas peculiaridades, precisamos ver que aquilo existe e está sendo representado na sociedade. Ao se intitular sem rótulos dentro de uma sociedade marcada por padrões, principalmente cisgênero e heterossexuais, é comum ser visto como mais um que está dentro desses padrões. Daí vem a importância de impor a voz dentro de um meio ainda desfavorável. É o que acontece com a arte drag, que, pelo menos por enquanto, precisa se rotular enquanto algo novo e diferente de outras produções, tudo no intuito de se afirmar e ser reconhecida.

Giordano também traz à tona a forma como muitas drags conseguem expressar os preconceitos vividos no cotidiano, e a falta de espaço que elas têm em contextos sociais marcados pelo patriarcalismo. Isso permite que elas desenvolvam fortes personalidades e as mostrem de forma autêntica em suas performances, gerando admiração por grande parte do público.

Faz-se importante, também, ressaltar as fronteiras geográficas que ainda permeiam a questão. É fato que o desenvolvimento da alta visibilidade se deu no eixo mais desenvolvido economicamente do Brasil, o Sul-Sudeste, especialmente em São Paulo. Cada região do país traz suas particularidades e, com isso, influencia na forma de expressão artística em cada local. Kaya Conky, drag queen nascida em Natal, Rio Grande do Norte, é um dos poucos nomes das grandes referências atuais que não construiu inicialmente sua carreira nos maiores meios comerciais. Ela teve o início de seu sucesso em sua cidade natal e é até chamada carinhosamente por fãs de “dona de Natal”. Sendo assim, sempre traz referências da sua região em suas músicas.

Kaya Conky [Créditos: Reprodução]
Maju Shanii, drag queen alagoana, comentou a respeito das dificuldades de produzir essa arte sem estar inserida geograficamente nos maiores mercados nacionais. Ela vive e construiu todo seu trabalho em Maceió, Alagoas. A cidade tem destaque por ser a capital que mais mata LGBTQ+ em todo o país, e, consequentemente, apresenta altos índices de preconceito e desinformação sobre as especificidades do meio. Ela se expressou sobre a desvalorização de seu trabalho na região, já que mesmo tendo uma boa recepção por parte do público, ainda não há o reconhecimento devido. Por mais que haja exemplos atuais de drag queens de grande renome e que conseguem faturar muito, ainda existem diversas barreiras para que uma drag consiga se sustentar somente desse trabalho, o que é ainda mais agravante em locais conservadores. 

Maju também toca na questão da importância da representatividade, uma vez que ela – enquanto negra e LGBT – não teve acesso a muitas referências, nas quais poderia se ver e inspirar durante sua infância e adolescência. “Se enxergar no outro é muito importante, sentir que você não está só e que há pessoas iguais a você no mundo. Isso é necessário!”, afirmou ela em entrevista ao Sala33. É possível ver isso em prática no trabalho dela, que traz muitas de suas referências – em grande parte personalidades negras – para mostrar sua arte e ser capaz de impactar o maior número possível de pessoas.

Maju Shanii (à esquerda) na divulgação do single T.Q.R., em parceria com Danny Bond [Créditos: Reprodução]
O preconceito e as rivalidades também estão presentes no meio drag. Levando em consideração que se trata de um ambiente de fortes personalidades, no qual todas querem ocupar seu espaço, entende-se que existe uma luta de ego que pode acabar construindo um ambiente tóxico para algumas frequentadoras. Muitos desses problemas são instigados pelos próprios fãs das artistas, que cultuam padrões sociais e acabam por defender apenas uma – ou poucas delas – como digna da fama e do sucesso.

 Também é importante destacar a influência de RuPaul’s Drag Race, que, por ter apenas uma vencedora por temporada, pode acabar passando a mensagem de que só há espaço para que uma brilhe, e não todas. Contudo, percebe-se que há uma união presente entre os grandes nomes do boom do cenário drag nacional, apresentando para o público e para outras drags o quão essencial é essa parceira dentro do próprio trabalho e fora dele. Uma parceria musical marcante foi Joga Bunda, que trouxe juntas grandes nomes como Pabllo Vittar, Glória Groove e Aretuza Lovi.

Capa promocional do single Joga Bunda. [Créditos: Reprodução]
No contexto atual de um governo marcado por uma agenda conservadora, diversos direitos LGBTQ+ estão em jogo e, portanto, a arte drag como um todo. O presidente da República, Jair Bolsonaro, é conhecido por diversas declarações homofóbicas e assinou no início do ano uma MP (medida provisória) que retira o grupo das diretrizes de direitos humanos. Recentemente, houve um caso marcante em que ele censurou uma propaganda do Banco do Brasil que tratava sobre diversidade. Há uma ameaça real.

Giordano, já citado anteriormente, afirmou que o momento atual pode ser visto como uma oportunidade de união. Acredita ser a hora ideal para que todas as siglas do movimento LGBTQ+ se unam, deixando as diferenças de lado, e ir contra a agenda de retrocessos do governo. Seria uma chance de rever os preconceitos dentro do próprio meio e acabar com a fragmentação já existente.

O futuro segue incerto, porém é fato que o debate entrou na sociedade e ganhou proporções nacionais. Ser drag queen, com certeza, é um desafio diário que exige dedicação e renovação pessoal constantes. Elas trazem, e sempre trouxeram, uma expressão política que vai muito além da pura diversão. A arte performática característica das drags também é uma forma de resistência e orgulho. Mesmo com as ameaças atuais, ela segue crescendo no Brasil, atingindo patamares inimagináveis a anos atrás. Ao que tudo indica, esse é só o começo.

 

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