Brasil, país do futebol. Pentacampeão mundial. Pátria de grandes nomes como Pelé, Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo, entre uma centena de outros gigantes. É fato que o brasileiro ama e respira futebol; mas será que tamanha paixão está restrita apenas ao sexo masculino, como é senso comum por aí? Será que mulheres só participam do futebol no concurso de eleição das musas?
É óbvio que não. Apesar de extremamente desvalorizado, o futebol feminino resiste às dificuldades, e nossa seleção frequentemente brinda o mundo com um show de garra, perseverança e talento (apesar de não ter faturado, ainda, títulos como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas). Mas o futebol feminino não está presente apenas nos dribles de Marta ou nos gols de Cristiane; ao redor do Brasil, milhares de mulheres participam ativamente do universo futebolístico: seja jogando, seja torcendo, seja ajudando.
Assim, para desmistificar a supremacia masculina no futebol, a exposição As Donas da Bola reuniu 11 grandes fotógrafas brasileiras, que retrataram de várias formas a participação das mulheres no mundo da bola. Cada fotógrafa focou seu trabalho em algum aspecto desta participação, o que resultou numa produção de 121 imagens. A mostra é dividida em painéis para cada tema, acompanhados de textos das próprias fotógrafas.
Um dos principais focos da exposição é mostrar o futebol como ferramenta de transformação social, como se vê nas fotos de Mônica Zarattini e Márcia Zoet. Elas contam a história de meninas e mulheres das periferias de São Paulo e Rio de Janeiro que viram no futebol um escape para a dura realidade em que vivem. “Todas contaram que no futebol social encontraram uma oportunidade para desenvolver habilidades tanto no esporte como na escola, pois só integra esses times quem está estudando. […] Mas a participação nesse projeto vai além, é multiplicadora, forma jovens conscientes da importância de sua atuação para transformar essa realidade que conhecem muito bem.”, diz Márcia Zoet.
Ainda falando dos excluídos e marginalizados, a fotógrafa Ana Araújo retratou o Quilombo Onze Negras, em Cabo de Santo Agostinho (PE). Já Nair Benedicto foi até Cuiabá (MT), e lá encontrou um time de futebol feminino nas Olimpíadas Indígenas; ela também fotografou as guaranis de Paraty-Mirim (RJ).
Enquanto isso, Luludi Melo e Bel Pedrosa voltaram sua atenção para o fanatismo das torcedoras. Luludi fotografou brilhantemente vários momentos em que mulheres torciam, gritavam e apoiavam seus times. Pedrosa, por sua vez, apontou as lentes para os símbolos desse fanatismo: santos, camisas, fotos, bandeiras, tatuagens… Ela define estes símbolos como “a graça da garra feminina em seu desejo de representação”. “Muito diferente da masculina?”, pergunta a fotógrafa.
E há ainda aquelas que fazem muito mais do que simplesmente torcer: Marlene Bergamo nos apresenta as histórias de Janaína e Nega Eloá, ex-jogadoras de várzea que hoje cuidam de seus times na zona norte de São Paulo. Apesar dos times femininos de seus bairros terem desaparecido, elas ainda têm um papel fundamental: são técnicas, lavam uniformes, checam inscrições, fazem comida; enfim, oferecem toda “estrutura” para os jogadores num meio onde este suporte é tão precário, como explica a fotógrafa: “Na várzea o futebol é sem fama, sem grana, é de quem ama o esporte, o bairro, amigos, tradição”.
Mas não só da periferia vive o futebol. Luciana Whitaker encontrou, em meio às areias de Ipanema, garotas de classe média-alta curtindo a “altinha” de fim de tarde (“uma espécie de frescobol sem ganhador”, explica Whitaker). Ao ver suas fotos jogando, a estudante Ninna comentou: “Nesse dia eu estava de ressaca. Jogo muito melhor de ressaca”. A fotógrafa contou que a intenção inicial era fotografar as prostitutas da vizinhança do Maracanã, mas viu que as moças abordadas apenas vestiriam camisas porque ela estava pagando. Por fim, acabou encontrando cenas muito mais naturais entre as “patricinhas de Ipanema”.
No campo das peculiaridades, ganham destaque as freiras jogadoras do hospital Santa Marcelina, em Itaquera (SP), fotografadas por Eliária Andrade. Outro tema curioso foi o de Ana Carolina Fernandes, que retratou o “futelama” de Macapá (AP): “Em vez de grama ou areia, o piso é o fundo de lama do rio na vazante”, conta Ana. O esporte, cujos horários seguem o fluxo das marés, possui até campeonatos e federação, sendo não só fonte de lazer para as jovens carentes da região, como uma oportunidade para apreciar a beleza do Rio Amazonas.
Por fim, Evelyn Ruman encanta os observadores com a história de Dani, garota portadora de síndrome de down que treina com status de “café-com-leite” num time de Trindade (RJ). A fotógrafa conta que foi difícil convencê-la a aparecer: “Após muitas tentativas, ela concordou em ser fotografada, contanto que aparecessem suas amigas também”.
Se animou para conhecer mais? A mostra vai até dia 13/07, no Centro Cultural São Paulo (estação Vergueiro da linha azul). O horário é das 10 às 20h de terça à sexta, e das 10 às 18h aos fins de semana. A entrada é gratuita, vale muito à pena conferir!
Afinal, às vésperas de uma Copa do Mundo elitista e cheia de controvérsias, lembremos que o futebol é de todos: dos ricos, dos pobres, dos índios, dos negros, das freiras, dos especiais; portanto, não poderia deixar de ser, também, das mulheres.
Por Carolina Oliveira
carollfts@gmail.com
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