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“Bendito seja o pai dos marginalizados!”

Por Gabriel Lellis g.lellis.ac@gmail.com “Eu gostaria de pertencer a toda a humanidade”. Essa frase é de autoria de Plínio Marcos, um dos maiores escritores teatrais da história do Brasil. Não foi apenas um amante dos palcos, mas também o estandarte das minorias. Aquele que, por meio de sua dura “estética da crueldade”, deu voz às …

“Bendito seja o pai dos marginalizados!” Leia mais »

Por Gabriel Lellis
g.lellis.ac@gmail.com

“Eu gostaria de pertencer a toda a humanidade”. Essa frase é de autoria de Plínio Marcos, um dos maiores escritores teatrais da história do Brasil. Não foi apenas um amante dos palcos, mas também o estandarte das minorias. Aquele que, por meio de sua dura “estética da crueldade”, deu voz às camadas mais ignoradas da sociedade: é o pai protetor dos mendigos, dos presidiários, das prostitutas, dos marginalizados e dos ciganos.

Plínio Marcos

Polêmico, nunca teve medo de expor em sua obra a brutalidade das ruas. Foi um dos pilares da resistência à ditadura militar. Mas, quem foi realmente Plínio Marcos? Hoje, é um autor marginalizado e desprezado, se pensarmos na tamanha importância de sua obra. Nas Quebradas do Mundaréu – A Viagem de Plínio Marcos (Brasil, 2013), dirigido pelo ator e diretor Júlio Calasso, em cartaz pela 37ª Mostra Internacional de Cinema, é um resgate da obra e da figura emblemática do dramaturgo.

O documentário nos conta a história do autor através de suas principais peças. O teatro de Plínio é um reflexo de sua vida intensa, marcada por sofrimentos e violência.

Em cena, nos é proposto um pot-pourri de diferentes peças do autor. O filme se inicia com o icônico “Abajur Lilás”. Entre os trechos que destrincham sobre a vida do autor, três montagens teatrais e uma versão para cinema da obra citada são intercaladas, recriando na tela, através de quatro estéticas diferentes, cenas célebres da peça.

 Chegamos a conclusão de que a aura pliniana se mantém independentemente da plataforma ou da estética utilizada. Em “Dois perdidos numa noite suja”. não importa se o assassinato de Paco seja encenado em cima de um tablado de madeira ou na frente de uma câmera: o impacto da cena sempre será o mesmo. Para o ator que trabalha com a obra, a experiência é igualmente marcante e extrema. Diversos depoimentos de artistas consagrados, como Tonia Carrero, apenas confirmam tal fato e enriquecem o material disponível no documentário.

Plínio Marcos em cena da peça “Dois Perdidos Numa Noite Suja” (Foto: Geraldo Guimarães)

O filme nos convence do efeito de “Catarse pliniana”, no qual nossas emoções são purgadas pelo terror dos fatos. Ao longo de quase duas horas de documentário somos apresentados ao submundo de outras peças como “Querô”, “Navalha na Carne” e “Barrela”, todas com a incrível capacidade de chocar o espectador pelo alto teor de violência. O ser humano é transformado em um animal capaz apenas de matar.

 A rejeição a Plínio Marcos é decorrência de uma interpretação mal feita. A profusão de assassinatos, estupros e crimes em sua obra é apenas o reflexo real de um Brasil pobre, que sente fome, frio e é invisível aos olhos da maior camada da população. “Querô”, por exemplo, conta a história de um garoto cuja mãe se suicida após ingerir litros de querosene (daí vem o apelido do garoto). Largado à própria sorte nas ruas, ele começa a cometer diversos delitos até acabar preso. Esta não é a história de um assassino, mas sim de uma criança que não teve oportunidade der ser quem ele verdadeiramente era. Querô apenas desejava ser Jerônimo (seu verdadeiro nome de batismo).

Nas Quebradas do Mundaréu traz também um rico acervo de imagens do biografado. Plínio era uma figura atípica. Vestia-se de forma simples, não tinha medo de expor suas opiniões e trabalhava de camelô vendendo seus livros. Mas como um autor, que foi amigo de pessoas influentes como Patrícia Galvão, sofreu de tantas dificuldades financeiras? O próprio filme responde ao mostrar a famosa entrevista de Plínio no Programa de Jô. Perguntado se considerava-se (“graças a Deus!”) um marginal, eis que a reposta é um tanto inesperada: “Eu não. Eles que me marginalizaram”.

 O filme cumpre o que promete, desmistificando e resgatando a figura deste grande dramaturgo. É possível sentir que todo o material ali reunido pulsa a alma de Plínio Marcos. Por mais que com suas palavras tenha traduzido uma face obscura da sociedade, há também em sua figura humana uma ternura tipicamente brasileira. Plínio queria apenas uma vida digna para o seu povo.

O único ponto negativo é a duração um pouco longa do filme, sendo que algumas peças são mais privilegiadas do que outras na cronologia da vida do autor. Apesar disso, Nas Quebradas do Mundaréu presta um serviço excelente para o memorialismo teatral brasileiro.

“Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.

Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.”

– Plínio Marcos –

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