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Bruce Lee e o Kung Fu na vida real

O que vem na sua cabeça quando pensa em Kung Fu? Golpes plásticos, filmes de ação, cultura oriental, sabedoria, e, claro, a imagem de Bruce Lee. Mestre de artes marciais, filósofo e astro do cinema, Bruce foi talvez o maior responsável por popularizar o Kung Fu internacionalmente – o que fez por meio de filmes …

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O que vem na sua cabeça quando pensa em Kung Fu? Golpes plásticos, filmes de ação, cultura oriental, sabedoria, e, claro, a imagem de Bruce Lee. Mestre de artes marciais, filósofo e astro do cinema, Bruce foi talvez o maior responsável por popularizar o Kung Fu internacionalmente – o que fez por meio de filmes de sucesso na década de 1970, como Operação Dragão, A Fúria do Dragão e tantos outros.

Quem viu os filmes encontrou golpes impressionantes, cenas de luta fascinantes e histórias cheias de aprendizado. Tudo isso chama muita atenção. Mas e na vida real? O Kung Fu é feito só desse espetáculo, tudo “coisa de cinema”? A resposta é não, e o próprio Bruce trabalhou não só para trazer as artes marciais para a vida real, mas também para difundir seus ensinamentos.


O Estilo Wing Chun: Kung fu na vida real

Márcio Di Pierro é mestre de Wing Chun – estilo que Bruce estudou quando adolescente e usou como base para seu próprio, o Jeet Kune Do – e passa aos seus alunos lições deixadas pelo Kung Fu e por mestres como Bruce Lee. Mas claro que, em suas aulas, o foco não está nas brigas de rua como nos filmes, e sim na vida cotidiana de cada aprendiz.

O mestre, que dá suas aulas no Instituto Potala, em Indaiatuba, interior de São Paulo, faz questão de lembrar uma das lições mais célebres de Bruce Lee: “seja como a água”, que serve como um conselho muito mais amplo do que se adaptar ao estilo de luta do adversário. “Uma simbologia que é muito do Bruce Lee é a da necessidade de você se moldar ao adversário e à situação. A ideia é eu me adaptar à situação. O Wing Chun e o Bruce Lee têm essa questão de você ser maleável. É como diz outro ditado chinês, ‘os dentes são duros e caem, a língua é mole e fica’ ”.

Famosa frase de Bruce Lee, dita durante rara entrevista [Reprodução/YouTube]

Não só essa, mas também outras lições do Wing Chun são aplicadas para que os alunos possam enfrentar seus adversários reais, sejam eles quais forem. Nas aulas, o foco está no que Márcio chama de “combates mentais”.

“A gente precisa aprender meia dúzia de golpes reais e o resto todo são essas lutas internas. Partimos do seguinte princípio: quantas vezes você brigou na rua nesse último ano? E na sua cabeça, tem algo pra resolver? Mentalmente, alguma luta interna, algum problema que você foi dormir pensando? Nessa pandemia, imagine o tanto de gente que passa por isso. Então lidamos com isso por meio de metáforas do treino”, detalha o mestre.

Uma dessas metáforas é relacionada à posição de luta do estilo: sempre de frente, olhando o adversário frontalmente. “No Wing Chun, sempre olhamos o adversário de frente. Então a lição é que cada um, dentro de sua área, olhe os problemas de frente. Seja qual for o adversário – dificuldade em ganhar dinheiro, relacionamento, nos estudos -, a sugestão é olhar de frente, ver o que estamos fazendo de errado e entender o que precisamos fazer para passar por isso. O convite é para que o aluno leve os ensinamentos para o dia a dia dele”, complementa Márcio.

É importante que o Kung Fu seja alinhado com sua realidade não só na parte conceitual, mas também na prática das artes marciais. E o Wing Chun tem isso como norte, propondo um estilo que pode ser praticado por qualquer um, com objetividade e eficiência. Márcio explica: “O Wing Chun não é pra demonstração, é para situações reais. Você não precisa se meter em encrenca por causa disso, mas ele tem um grau de eficiência e facilidade, memória mecânica e muscular, muito mais fácil para combate do que os estilos mais coreografados”. Ele ainda comenta que o fato de serem coreografados não significa que não são bons, mas sim que exigem mais treinamento para serem eficientes.

O estilo é um sistema de luta econômico e pautado na defesa pessoal, dispensando as acrobacias que acabaram virando um estereótipo do Kung Fu. Afinal, sua fundadora foi uma mulher, Ng Mui, que devido às diferenças físicas em relação aos homens, desenvolveu um modo mais efetivo de resolver seus conflitos. “É um estilo que visa as áreas moles, olho, garganta, nariz. Qualquer soco na garganta, se o cara é forte ou não, vai fazer efeito. A ideia da parte técnica é se livrar da encrenca”, explica o mestre.

A conceitualização do Wing Chun como um estilo de luta econômico também permite algumas analogias para aplicá-lo na vida cotidiana, ou para dar conta do que Márcio chama de “combates mentais”. Um exemplo é o soco em linha reta, partindo do princípio de que a reta é sempre o caminho mais efetivo entre dois pontos. “Nós temos um soco, que é um soco reto. A técnica diz que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Então esse soco é muito objetivo. Assim, passamos pro aluno que a menor distância entre ele e aquilo que ele quer é a reta. Se você começa a dar muita volta, você até pode chegar lá, mas a ideia é você economizar energia”, analisa.

O estilo foi sendo transmitido de geração em geração, passando por Bruce Lee, e chegando em Márcio. É possível, inclusive, traçar esse caminho. Márcio foi aluno do Mestre Thomas Lo, nascido em Hong Kong. Thomas foi aluno de Greco Wong. Greco estudou com Moy Yat, que, por sua vez, foi aluno de Yip Man, lendário mestre de Bruce Lee. Confira um esquema bastante simplificado:

Bruce Lee foi importante para a construção do Kung Fu
[Imagem: Bruno Miliozi]
Aliás, Márcio deixa claro que um dos intuitos do Wing Chun e da prática do Kung Fu é justamente esse: fortalecer os laços como uma família. “A ideia que o Thomas me passou e a gente assimilou é a de uma família. Um aluno pode, por exemplo, dormir na casa de um dos mestres da minha época, se precisar ir pra outra cidade. São da mesma família, extrapolam essa compreensão tradicional só de academia”.


Bruce Lee e o Jeet Kune Do

Foi a partir do Wing Chun que Bruce Lee desenvolveu uma de suas principais heranças às artes marciais, o inovador estilo Jeet Kune Do. Nele, Bruce aperfeiçoou técnicas tradicionais que aprendeu com Yip Man, as mesclando com outras artes marciais, inclusive elementos do boxe e até da esgrima.

Além disso, é um estilo cujo próprio nome – o modo de se interceptar o punho, traduzido do chinês – remete à forma como todos lutadores devem estar preparados para situações reais de combate. É possível até mesmo traçar algumas semelhanças do Jeet Kune Do com as artes marciais múltiplas que hoje fazem tanto sucesso em organizações como a UFC.

Márcio defende que, caso Bruce Lee continuasse vivo, ele seria um dos pioneiros a desenvolver algo do tipo. “Muita gente falava que se o Bruce Lee não tivesse morrido ele ia se dar bem em um MMA, por exemplo. Mas eu acredito que o Bruce Lee teria sido um dos pioneiros a criar um MMA, porque ele começa treinando o Kung Fu e depois ele cria o Jeet Kune Do. E nada mais é do que um mix de artes marciais que ele fez no final da década de 60″, explica. O mestre explica que a técnica de Bruce misturava luta chão, boxe e muay thai, em uma época que as pessoas falavam que ele era maluco. Mas, segundo ele, isso é o que a gente tem hoje, nos últimos vinte anos.


Estereótipo do Kung Fu no cinema

Bruce Lee também foi revolucionário no cinema, levando seus conceitos e golpes para as telonas de um jeito inovador. O que ele fez foi coreografar a precisão dos golpes do Kung Fu, o que rendeu cenas de luta espetaculares podem ser conferidas em seus filmes. Como já dito, porém, o Kung Fu da vida real não é como na ficção. Por isso, vários praticantes reais dessa arte marcial acabam sendo associados a esse estereótipo acrobático e coreografado.

Márcio, que também trabalhou 20 anos com cinema, diz que, por conta disso, o Kung Fu acabou “caindo na cotação”, o que não aconteceria se as pessoas entendessem o que é a cultura do Kung Fu na China. Ele explica que Kung Fu tem uma conotação de habilidade, seja ela nas artes marciais, ou em outras áreas de especialização: “Podemos falar do Kung Fu na culinária, na medicina e por aí vai. E os super heróis chineses voam, assim como o Super Homem ocidental. Só que eles também lutam Kung Fu. Então ficou isso: quer dizer que se você luta Kung Fu, você pula do telhado, voa. Mas na verdade é uma cultura de arte marcial que está nos super heróis chineses, e acabou sendo levada”.

Sobre os filmes de Bruce Lee, Márcio explica que, quando ele foi para os Estados Unidos, o “contexto de direção de arte pedia coreografias específicas, que são até simplórias perto do que temos hoje”. Com bom humor, o mestre conclui: “Temos isso de que quando começamos a treinar Kung Fu, já perguntam “quando vai começar a voar?”.

Para o maior adversário que o Brasil está enfrentando atualmente, a pandemia do coronavírus, Márcio não baixou a guarda e, como manda o ensinamento de Bruce Lee, teve que se adaptar. Nesse período de distanciamento, paralisou os treinos presenciais, mas segue mandando sugestões de técnicas para seus alunos pela internet, para que eles possam treinar em casa.

1 comentário em “Bruce Lee e o Kung Fu na vida real”

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