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De volta aos anos 70! Após 50 anos, Jairzinho relembra o tricampeonato

A conquista brasileira da Copa do Mundo de 1970 tornou-se inesquecível por diversos motivos. O time repleto de craques, os lances mágicos de Pelé, e claro, o final épico da saga de sucesso da seleção canarinha: 4 a 1 sobre a Itália e a Taça Jules Rimet em mãos. Contudo, uma história indissociável a essa …

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A conquista brasileira da Copa do Mundo de 1970 tornou-se inesquecível por diversos motivos. O time repleto de craques, os lances mágicos de Pelé, e claro, o final épico da saga de sucesso da seleção canarinha: 4 a 1 sobre a Itália e a Taça Jules Rimet em mãos. Contudo, uma história indissociável a essa é a de Jairzinho.

O ídolo do Botafogo honrou a amarelinha como poucos fizeram em um mundial. Com a 7 nas costas, desfilou sua velocidade e habilidade pelos campos mexicanos e, não à toa, conquistou o apelido de “Furacão da Copa”. Jair Ventura Filho, em entrevista concedida ao Arquibancada, lembra o motivo com natural orgulho: “O único jogador de Copa do Mundo, na história, a marcar em todos os jogos”. 

Jairzinho em ação contra a Tchecoslováquia [Reprodução: Gerência de Memória/CBF]
Uma lenda do futebol brasileiro e mundial, que hoje, 50 anos depois de seus sete gols em seis jogos naquela edição da Copa do Mundo, evoca um aspecto comum entre todos eles: “Desde a Tchecoslováquia até a Itália, meus gols eram os que davam uma ‘ducha fria’ no adversário, diminuíam o ritmo e a intensidade deles, davam desânimo”. De fato, com exceção do gol contra a Inglaterra, e do gol da virada contra o Uruguai, Jairzinho sempre marcava quando o time já estava à frente, o que praticamente selava as vitórias brasileiras: “Os gols foram saindo naturalmente, sem nenhuma obrigatoriedade, todos eles foram especiais” rememora o craque. 

Porém, para mensurar a expressividade e impacto do tricampeonato, é interessante analisar – além dos méritos desportivos – todo o contexto que envolveu esse Mundial, desde os aspectos culturais e sociais da época até seu cenário político. Afinal, como era o mundo em 1970? 

O próprio futebol era muito diferente do que vemos hoje. Em relação àquela Copa, destaca-se justamente o fato de todos os convocados atuarem em times brasileiros. Para efeito comparativo, na Copa de 2018, apenas três dos 23 convocados jogavam no Brasil. Nos anos 70, o futebol não era tão globalizado e, na “década do futebol arte”, as equipes brasileiras estavam muito bem servidas. Os craques da seleção já se conheciam das disputas nacionais e estaduais, e claro que isso fez diferença no México. “Frequentemente jogávamos um contra o outro, íamos conhecendo a característica de cada um, a personalidade de cada um”, explica Jairzinho.

 

A mídia na Copa

Além disso, os anos 70 foram especiais por mudar a forma pela qual o brasileiro consumia futebol. Essa foi a primeira Copa com transmissão ao vivo pela televisão. Embora os jogos de 1962 e 1966 tivessem transmissão, essas aconteciam com cerca de dois dias de atraso. Logo, o veículo que levava a emoção ao apaixonado torcedor brasileiro era o rádio. A partir de 1970, isso mudou. E claro que, com a notícia de que a Copa seria transmitida, a venda de aparelhos televisivos decolou nas vésperas do torneio. A exceção ficou com a região Norte, que não era abrangida pelas ondas da Embratel, estatal de telecomunicações responsável pela transmissão. Confira o clipe de abertura dos jogos: 

https://www.youtube.com/watch?v=HxXJvGDDPP8

Sílvio Lancellotti, fundador da revista Veja, que acompanhou a seleção durante os 52 dias de concentração, foi um dos responsáveis por contar as histórias daquela Copa aos brasileiros. O jornalista lembra que passar essas informações do México para o Brasil não era uma tarefa fácil: “Não tinha telefone. Tinha uma fila de 50 pessoas pra ligar pro Brasil. Então, nós mandávamos a matéria por teletipo [uma máquina de escrever capaz de transmitir dados]. Eu batucava uma matéria de seis páginas, tinha que colocar até esparadrapo no dedo, não tinha jeito. Não tinha estrutura pra fazer o que se faz hoje”.

Para Jairzinho, a mídia não era tão presente no futebol como é hoje: “A comunicação nessa época era mais vazia, não tinha essa presença, essa velocidade toda. Era tudo restrito, você não sabia como era o futebol italiano, inglês, alemão. O sistema que eles adotavam em campo, não dava pra saber. Hoje, você já tem um apanhado de conhecimento para se preparar”.

 

“Eu vivi em um mundo, você vive em outro”: como era o Brasil em 1970?

Difícil entender a realidade desses tempos sem olhar antes para o panorama político. Mais difícil ainda é ver se, nesse sentido, estamos nos distanciando ou nos aproximando de 1970. 

De todo modo, o Brasil vivia o auge da ditadura militar naquele ano, sob a presidência de Emílio Garrastazu Médici. Seu governo foi, provavelmente, o mais repressivo da história política brasileira, com torturas, cassações e perseguições a oposicionistas. Se, por um lado, o Brasil viveu o horror da ditadura, por outro, a época foi palco do chamado “milagre econômico”, que contribuiu para elevar o padrão de vida de uma determinada camada social brasileira e a possibilitou, entre outras coisas, a aquisição da TV. 

De modo estratégico, os militares usaram a Copa de 70 como arma política, buscando promover o governo em cima das conquistas esportivas e através de propaganda massiva. Médici era apresentado como “homem do povo, apaixonado por futebol”, e a conquista foi explorada para erguer slogans do tipo “Ninguém segura esse país” ou “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Não bastasse, foi lançada ainda a música-tema “Pra frente Brasil”, que é historicamente associada ao tricampeonato. 

E claro, nos bastidores da seleção, mesmo longe de casa, o clima não era tão diferente. Sílvio recorda: “A concentração tinha discretamente a presença de militares […]  Quando a gente estava em Guanajuato, sequestraram o embaixador da Alemanha. Nós sabíamos o que estava acontecendo no Brasil e era um assunto proibido na concentração”.

É importante entender, também, a cultura do período. Enquanto o mundo se despedia da lendária banda britânica The Beatles, o Brasil passava por uma onda de renovação em sua música. Trata-se do movimento Tropicália, com diversos nomes da música popular em ascensão, como Chico Buarque, Os Mutantes, Caetano Veloso e Gilberto Gil, em tom de resistência e na contramão do governo militar. No cinema, o quadro era parecido: enquanto a ditadura barrava a entrada de obras estrangeiras, o Brasil via florescer o Cinema Novo, movimento cujas produções prezavam por igualdade social e de raça.

Sobre a efervescência da época, Lancelotti aponta: “Eu vivi em um mundo, você vive em outro, sem dúvidas”.

 

“Alô, México!”: a preparação para a taça  

Foi nesse contexto fervilhante que a seleção brasileira entrou em campo no México. Além de toda a tensão de seu contexto, ela ainda precisava se afirmar. Afinal, a Copa anterior, na Inglaterra, fora uma decepção, em que o Brasil sequer passou da fase de grupos. Jairzinho, que estava presente em 66, destacou a mudança de mentalidade entre essas Copas: “Tive meu primeiro dissabor com a camisa da seleção em 66. A preparação não foi bem-sucedida, e o aprendizado negativo serviu pra mim e pra todos os outros, de como não devíamos nos preparar. Em 70, justamente, houve uma evolução total, em termos de cronograma e preparação. Evoluímos na parte física, técnica, tática, criativa, e no nosso relacionamento humano também”. 

Sílvio, que acompanhou tudo isso de perto, confirma: “Foi uma das melhores seleções na história em termos de preparo físico. Nem as seleções de hoje, com tanta tecnologia, conseguem o preparo físico que aquele time conseguiu”. 

Outro elemento a se considerar é a troca de treinadores, uma vez que Zagallo assumiu o posto em março, pouco mais de dois meses antes do pontapé inicial. Para Jairzinho, isso não foi problema, já que Mario Lobo Zagallo era “um dos melhores treinadores da história do futebol”. Seu maior mérito, sem dúvida, foi encaixar a genialidade de cinco típicos camisas 10 em um só time. “O mundo não entende até hoje como o Brasil pôde ter jogado com cinco 10. Nessa época, diziam que não ia dar certo, que não íamos nos encaixar, mas deu maravilhosamente certo. Ninguém entende, até hoje, o mistério do comportamento tático que trouxe o título ao Brasil”, explica Jairzinho integrante do quinteto, ao lado de Pelé, Rivelino, Tostão e Gérson. 

Assim, o chamado “Esquadrão” não precisou de mais que um jogo para afastar qualquer tipo de desconfiança. A estreia em Guadalajara, contra a Tchecoslováquia, foi um espetáculo: 4 a 1, com bela atuação de Jairzinho. Quando o Brasil vencia por 2 a 1, com Rivellino e Pelé, o Furacão freou a reação adversária com dois gols monumentais. “Driblei quatro e fiz o gol”, relembra. Confira os lances da estreia: 

Mas a grande partida da fase de grupos, quiçá de todo torneio, foi Brasil e Inglaterra campeã de 66. “O jogo da Copa do Mundo, o mais difícil, uma  final antecipada”, definiu Jairzinho, sobre o confronto que, apesar do resultado de 1 a 0, teve todos elementos de uma disputa épica. Jairzinho foi o único capaz de furar a defesa inglesa, protagonizada pelo lendário goleiro Gordon Banks, garantindo o triunfo canarinho. Veja o gol: 

Aos 10 minutos, Banks fez a defesa que é, por muitos, considerada a mais incrível da história do futebol, em cabeçada de Pelé. 

Para coroar uma primeira fase perfeita, o Brasil ainda venceu a Romênia. Mesmo com as duas vitórias anteriores, o Brasil, no entanto, não garantira classificação. Isso porque, na época, uma vitória valia 2 pontos. Então, com uma combinação de resultados específica, a Romênia poderia roubar a vaga brasileira. O jogo foi disputado, mas Pelé assumiu a responsabilidade e marcou duas vezes. Jairzinho também deixou o seu, e o jogo terminou em 3 a 2. 

Classificada às quartas, a seleção teria um rival sul-americano. O Peru tinha o melhor time de sua história até então. E, no comando técnico, um rosto familiar: Didi, que estava presente, como jogador, nos dois últimos títulos mundiais canarinhos. No ataque, os peruanos contavam com a revelação da Copa, o craque Teófilo Cubillas, que tinha anotado quatro gols em três jogos e prometia ameaçar a defesa brasileira. Cubillas até marcou o dele, mas o jogo terminou em 4 a 2 para o Brasil, com Rivellino, Tostão, duas vezes, e, como já era costume, Jairzinho.

Antes de avançar à grande final, porém, o Brasil ainda teria que enfrentar um fantasma. Com o Maracanazo de 50 ainda assombrando o torcedor, o próximo adversário era o Uruguai. Não era um adversário comum. Muitos dizem que foi o jogo mais difícil e marcante da campanha de 1970, e vários elementos contribuem para isso. Em especial, o fato de a seleção celeste ter saído à frente no placar. 

O jogo ficou perigoso, e o receio de perder novamente para o Uruguai já ganhava contornos. Porém, foi graças a um herói improvável que essa história não se repetiu. Quem abriu caminho para a vitória brasileira foi, surpreendentemente, o volante Clodoaldo. Em passe de Tostão, ele apareceu na área uruguaia para deixar tudo igual. O furacão passou no 2 a 1, em belo gol de Jairzinho. Para fechar o placar e espantar o fantasma de vez, Rivelino guardou o terceiro. Era o Brasil na final da Copa do Mundo! 

Detalhe para o “gol que Pelé não fez”, em que ele dribla o goleiro sem encostar na bola, mas finaliza pra fora. 

E no estádio Azteca, na Cidade do México, há exatos 50 anos, após trajetória impecável, a nossa seleção chegava à finalíssima. Com mais de cem mil pessoas nas arquibancadas mexicanas, não demorou para a festa ficar verde e amarela. Aos 18 minutos, o Rei Pelé subiu de cabeça para abrir o placar. No entanto, pouco antes do fim do primeiro tempo, em um raro vacilo da defesa brasileira, a Itália deixou tudo igual, com Boninsegna, e o jogo foi para intervalo com 1 a 1. 

Mas nossos craques não queriam deixar o tri escapar e, na segunda etapa, deram um show, que começou pelos pés de Jairzinho. Em jogada pela esquerda, ele cortou pro meio e deixou a bola para Gérson, que limpou o lance e marcou um golaço, aproximando o Brasil da Jules Rimet. 

Ainda assim, não era por ter dado uma assistência que o Furacão passaria em branco na final. Pouco tempo depois, o Rei subiu de cabeça novamente mas, dessa vez, serviu Jairzinho, que empurrou para a rede. Como ele mesmo diz, a Itália recebeu um “banho de água fria”. Um gol que esfriou qualquer chance de reação italiana. Um gol com sabor de tricampeonato.

E Pelé estava mesmo em um dia de garçom. No fim, o craque ainda deu esse passe magistral, que resultou em gol antológico de Carlos Alberto, o Capita. 4 a 1 e festa absoluta no Azteca. Confira os melhores momentos da grande final: 

https://www.youtube.com/watch?v=cY28ZgZtPg0

Sorte daqueles cem mil que viram de perto um dos maiores times da história do futebol jogar. Uma vitória com impacto mundial, de um time à frente de seu tempo, que elevou o futebol a outro nível, jogou bonito e é, até hoje, um mito para os privilegiados que viram esse Brasil em campo. 

Lembrando dessa equipe, Sílvio é enfático: “Quando me perguntam qual a melhor seleção de todos os tempos, digo que é a de 70 tranquilamente. Hoje, você pode ter um ou outro jogador que se encaixaria na de 70. Mas, com certeza, todos de 70 estariam na seleção de hoje”.

Esquadrão brasileiro que ganhou destaque na Copa do Mundo de 1970
Os tricampeões [Reprodução: Gerência de Memória/CBF]
De fato, nesses 50 anos que se passaram, não tivemos nada de semelhante àquela seleção. Mesmo os times de 1994 e 2002 campeões com seus devidos méritos não mostraram futebol próximo ao do time que Zagallo comandou em 1970. Não tivemos uma equipe que tratou tão bem a bola como aquele. E, pelo andar da carruagem, é difícil imaginar que teremos. 

Há quem atribua o frustrante desempenho das escalações recentes ao grau de talento dos futebolistas. No entanto, tem quem veja raízes mais profundas, estruturais e “extra-campo” como os motivos do baixo nível de futebol apresentado.

Sílvio aponta como causa, as cifras milionárias que hoje compõem às vezes muito precocemente as contas dos esportistas: “Primeiro, os ‘caras’ ganham uma grana hoje, que nem o Pelé ganhava naquela época. O Pelé ganhava por mês o que o Neymar ganha por jogo. E os jogadores eram apenas jogadores. Hoje, os ‘caras’ tem uma proteção de empresários, agentes de publicidade, no caso do Neymar, ele se cerca dos ‘parças’. Antes, era comum você ver os jogadores passeando pela cidade. O Carlos Alberto [Torres, capitão daquela equipe], tinha uma máquina. Eu era texto e foto, então eu fotografava também. Então o Carlos Alberto viu que nossas máquinas eram iguais, e falou: ‘eu não tenho nenhuma foto minha jogando bola, você tira para mim?’ Então eu fazia e entregava as fotos pra ele, com o maior prazer. Isso criou uma relação que hoje não existe mais”.

Jairzinho vê a dispersão como o principal problema: “Tínhamos mais de 20 craques no Brasil, coisa que não existe hoje. Uma geração de alto nível, como aquela, é algo que não vai acontecer de novo. Principalmente enquanto os jogadores continuarem sendo negociados tão cedo. Hoje vivemos um momento muito crítico, qualquer garoto que começa a aparecer, faz dois gols, vai embora. Aí eles vão pra outro país, em que não conhecem o sistema de jogo, a língua, a cultura, não se adaptam e acabam ficando na reserva. Não mantêm o nível”. 

Para sentir então o prazer de contemplar um futebol de elite, jogado com uma graça e leveza nunca vistas por essa geração, vale, sem sombra de dúvida, rememorar seja como quiser   os feitos daquele glorioso time, e o espetáculo protagonizado por lendas que, para nossa sorte, meio século depois, ainda habitam entre nós.

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