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Quando um povo entra em campo: Athletic Bilbao e o País Basco

Uma família. Onde a paixão pelo país e pelo futebol se misturam. Essas são palavras de torcedores bascos expressando a importância do Athletic Club de Bilbao para seu país, seu povo e sua cultura. Um clube singular que consegue unir a proximidade do torcedor e a magnitude de um gigante do futebol contemporâneo, sem perder …

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Uma família. Onde a paixão pelo país e pelo futebol se misturam. Essas são palavras de torcedores bascos expressando a importância do Athletic Club de Bilbao para seu país, seu povo e sua cultura. Um clube singular que consegue unir a proximidade do torcedor e a magnitude de um gigante do futebol contemporâneo, sem perder sua essência ou esquecer as tradições do milenar povo basco. 

O que mais atrai curiosidade, no contexto globalizado do futebol atual, é a filosofia de admitir apenas atletas nascidos ou formados no País Basco. Assim, os jogadores compartilham suas origens e sua cultura com o torcedor, um processo de identificação mútua, que gera uma rara sintonia entre campo e arquibancada. 

A cada jogo do Athletic, é o povo basco que entra em campo. Para entender melhor esse sentimento, foram entrevistados torcedores do Athletic associados ao Centro Basco Eusko Alkartasuna, de São Paulo. 


Orgulho do povo basco

Não é só da importância cultural e social que vive o Athletic. Os resultados esportivos também são motivo de alegria aos torcedores. Entre eles, o mérito de nunca ter sido rebaixado para a segunda divisão espanhola – honra que, além do clube rojiblanco, apenas os gigantes Barcelona e Real Madrid detém. 

José Antonio Alava Ugarte, natural da província de Biscaia, mora no Brasil há 50 anos e faz questão de destacar os oito títulos nacionais e as incríveis 24 conquistas da Copa do Rei. A vigésima quinta, aliás, pode estar próxima, e seria com um gosto especial. Isso porque o Athletic está na final da edição atual contra o rival basco Real Sociedad. O Athletic eliminou Barcelona, nas quartas, enquanto o Sociedad eliminou o gigante de Madrid. Mesmo aqui do Brasil, José e outros torcedores estão ansiosos para o clássico, que ainda não tem data para ocorrer, devido à pandemia do coronavírus. 

Torcida rojiblanca erguendo bandeiras do País Basco
Torcida rojiblanca erguendo bandeiras do País Basco [Imagem: Reprodução/Instagram/Iñigo Cabacas/@ichharmaila]
O País Basco compreende uma região localizada entre o norte da Espanha e sul da França, com cerca de 3 milhões de habitantes. Seu povo preserva uma cultura única, bem como sua língua própria, o euskara. Valorizando e respeitando essas peculiaridades, o Athletic se tornou símbolo de seu povo e, por isso, compartilham a convicção na filosofia do clube. 

“Cada atleta que ali está sabe, vive e conhece a história da construção e preservação do clube. Jogam por amor e tratam o torcedor com respeito e carinho”, defende Marinalva, torcedora do Athletic. Para o basco Arturo, a política de contratações é motivo de orgulho para seu clube do coração, pois “é um time que nasceu do povo e continua na elite do futebol com um mercado muito limitado e um trabalho muito forte com jogadores de base, em um território que mal ultrapassa os 3 milhões de habitantes”. 

“O Athletic Club como instituição, assim como todos seus seguidores, se caracteriza pela defesa de valores cada vez menos frequentes no futebol e no esporte do século XXI. O orgulho, refletido em sua expressão máxima em nossa política de formação de atletas, se converte em uma força de união que está acima de quaisquer divergências, tornando nossa filosofia diferente das outras equipes e da forma com o futebol é visto ao redor do mundo”, diz comunicado oficial do clube, reafirmando o orgulho de, apoiado por seu povo, ir na contramão do futebol de mercado que hoje é predominante. 

Os torcedores sintetizam bem esse pensamento no seguinte lema: “Con cantera y afición, no hace falta importación”. Em tradução livre, “com talentos criados em casa e apoio dos fãs, estrangeiros não fazem falta”. Aliás, a afición se comprova em números, com ótimos públicos no estádio de San Mamés – que possui capacidade para 53 mil pessoas, em uma cidade de cerca de 350 mil. Gaizka é um torcedor que comprova essa paixão: “Se pudesse torceria depois de morrer, embaixo da terra. Estou pensando em pedir para alguém deixar uma rádio ligada perto da minha tumba pra ver se consigo escutar os jogos”.

É importante ressaltar que as tradições do clube nada tem a ver com questões raciais ou xenofóbicas. A prova disso é a atual estrela do elenco, Iñaki Williams, que é filho de ganeses, mas foi formado na região basca. Em janeiro, inclusive, o atacante foi alvo de injúrias racistas em um jogo contra o Espanyol, e seus companheiros de Athletic o garantiram que, caso acontecesse de novo, todos deixariam o campo em forma de protesto. 


Raízes em sua terra

De todo modo, com um mercado de atletas muito mais restrito, a saída encontrada pelo Athletic para se manter em alto nível são suas canteras, as categorias de base. Elas recebem investimentos, infraestrutura e muita atenção do clube que, não à toa, possui duas equipes em divisões inferiores, dedicadas ao desenvolvimento dos jovens talentos locais. Já que não faz sentido espalhar olheiros pelo mundo – como fazem outros clubes – o Athletic destina seus esforços para que, caso surja um novo craque no País Basco, eles sejam os primeiros a saber. Até porque, os outros clubes bascos, como Real Sociedad, Alavés, Eibar e Osasuna, admitem estrangeiros em seus plantéis. 

Vale ressaltar que, por não estar escrita no estatuto do clube, essa filosofia já foi aberta a diferentes interpretações, o que gera discussões sobre o que seria um jogador com identidade basca. Por isso, alguns atletas que tiveram sua formação nas bases de clubes da região são aceitos. Logo, houve registros raros de atletas estrangeiros vestindo a camisa dos Leones, inclusive um brasileiro. Vicente Biurrun nasceu em São Paulo, mas se mudou ainda criança para a o País Basco. 

Pelos jogadores serem, naturalmente, integrantes do povo basco, criou-se uma proximidade com a torcida que alimenta a ideia de que o Athletic é, mesmo, uma família. “No País Basco, não é tão difícil achar alguém que conheça algum jogador ou familiar, ou até jantar nos mesmos restaurantes sem que alguém fique em cima deles”, explica Arturo. Gaizka completa: “É muito comum que as pessoas tenham em Bilbao um familiar, conhecido ou amigo jogando na equipe. A gente vê eles pelas ruas, isso faz com que seja algo mais próximo. Jogando apenas com jogadores da nossa terra, fazemos com que o sentimento de identidade seja maior em nossa torcida do que em qualquer outra do mundo!”.

Marinalva destaca a intimidade cultural do clube com seu povo: “os jogadores defendem tudo o que diz respeito às tradições. A cada campeonato que a equipe ganha, todos do elenco e comissão técnica visitam a Basílica de Nossa Senhora de Begoña para agradecer. A taça fica exposta no clube, para que os torcedores tenham acesso. É paixão pelo país junto com o futebol”. 

Marinalva e seu marido, Walter, em visita ao San Mamés
Marinalva e seu marido, Walter, em visita ao San Mamés [Imagem: Marinalva/Arquivo Pessoal]
Não só a política de contratações, mas também o nacionalismo basco e o clamor de seus torcedores podem ser explicados pelas origens do Athletic, que se tornou símbolo de resistência do País Basco. Fundado em 1898, por ingleses, o clube adota a política de admitir somente bascos desde 1912, mas sua consolidação se deu na década de 40, durante a ditadura de Francisco Franco. Durante esse período, o País Basco sofreu diversas sanções: o estatuto que garantia sua autonomia foi suspenso, além de ter sua bandeira e idioma proibidos e diversos líderes expulsos de sua terra natal. 

Com isso, cresceu um sentimento nacionalista basco, de resistência de sua cultura, que é impulsionado pelo Athletic até hoje. Após o fim do regime franquista, a onda nacionalista se aproximou ainda mais do futebol. Em 1976, um ano após a morte de Franco, a primeira exibição da bandeira basca em 40 anos foi feita por um jogador do Athletic, o goleiro José Ángel Iribar – atleta com mais partidas pelo clube, totalizando 614 jogos.

https://www.instagram.com/p/B1Rvg45BOZR/

Dia de jogo em Bilbao. Reprodução/Instagram/Iñigo Cabacas


Desse modo, à sua maneira de ver futebol, o Athletic segue. Valorizando, primeiro, seu povo, sua cultura, sua história, os atletas formados em casa e a união basca; depois, os resultados, que vêm como consequência em uma caminhada vencedora de 122 anos. 

Um time que não trabalha com aquisições de cifras extraordinárias, mas sim com um patrimônio inestimável: a identificação com o povo basco. E, assim como seu povo resistiu milênios com suas tradições particulares, o Athletic também o fará, representando a vontade basca na elite do futebol mundial, sempre fiel ao que o levou até ali. 

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