A plateia acomoda-se no Grande Auditório do MASP ao som repetitivo de batidas em mármore que remontam ao ambiente de um ateliê e crescem e decrescem pelos minutos, arte da sonoplastia que cria a atmosfera angustiante na qual se segue o espetáculo e que traduz a tragédia de Camille. O cenário é dominado por cores apagadas e destacam-se as portas – pelas quais os atores protagonizam seus desentendimentos – a cama, espectadora da melancolia de Camille e a mesa de esculpir – dominada por Rodin pela maior parte do espetáculo.
Escrita por Franz Keppler, a obra mergulha o espectador na paixão de Camille Claudel e Auguste Rodin, dois renomados escultores da França Impressionista do séc. XIX, e faz do fim dramático o início do espetáculo, com a artista em seu declínio mental afirmando que “em breve, eles chegarão” e que “ninguém virá”, referindo-se à sua ida para o manicômio e ao abandono que é narrado, em curtos monólogos dirigidos ao seu irmão, ao longo de toda a peça. A linearidade aparece logo após a cena inicial, quando a personagem chega ao ateliê de Rodin e, numa euforia contagiante, convence o já maduro artista a lecioná-la. A trama desenrola-se a partir daí, e a arte do casal emaranha-se bem como emaranham-se os dois apaixonados. A relação da arte com a história de amor é intrínseca ao passo que as esculturas denunciam e narram, juntas, a trajetória dos escultores.
Interpretada por Melissa Vettore, Camille é o destaque da obra. É sobre ela que se abatem todas as reflexões acerca das possibilidades femininas no cenário europeu do século XIX tanto como artista quanto como mulher. Pouco antes da eclosão da primeira onda feminista, a artista vê-se presa, primeiramente, ao seu próprio gênero enquanto artista. Contribuinte ativa das obras do mestre Rodin e escultora de suas próprias, foi, por muito tempo, renegada pelas Escolas de Artes e pela crítica. Foi privada do reconhecimento e julgada intensamente por uma sociedade que destinava às mulheres um futuro doméstico e dependente.
A protagonista narra toda a trajetória permeada por tais limitações e manifesta ressentimento pelo preconceito que sempre sofreu por parte da própria mãe – aí, então, introduzindo a figura do pai como grande incentivador, como contraponto. Às voltas do âmbito romântico da história, a escultora vê-se limitada também por Rodin. Ao passo que a aprecia, o escultor suga seu talento e energia, deixando Camille à margem de si e podada pelo amor que sentia e que a fazia, apesar de todas as revoltas, submissa.
Rodin tem antes o papel de síntese social na história do que amante e artista. Com Leopoldo Pacheco o representando, o escultor é, simultaneamente, a paixão e o desastre de Camille. O artista oprime a figura feminina de Camille ao sufocar seu amor à clandestinidade e solapar sua autonomia artística.
Melissa é visceral e interpretativa em seu trabalho, incorporando Camille nos gestos e discursos com maestria. Leopoldo Pacheco, por sua vez, é o duro mas encantado Rodin. Ambos constroem o físico e visível do entremeio de arte e amor que encanta e envolve o espectador a cada minuto.
Serviço
Local: MASP (Avenida Paulista, 1578, Bela Vista , São Paulo SP. Tel.: (11) 3251 5644)
Dias e preços: Sexta (R$20,00) e sábado (R$40,00) às 21h; domingo (R$30,00), às 19h30.
Bilheteria: 11h/17h30 (terça e quarta); 11h/19h30 (quinta); a partir das 11h (sexta a domingo).
por Marcela Campos
marcelacromao@gmail.com