Por Pietra Carvalho
O Brasil passa por uma fase de renovação no vôlei masculino que começou com a saída de Bernardinho do comando da seleção, no início deste ano. O técnico é um dos nomes mais representativos dos anos gloriosos da modalidade, com uma trajetória de conquistas. E o ineditismo de uma delas a torna ainda mais especial.
Era 2002. Em agosto, contra a já capitalista Rússia, o Brasil caía mais uma vez. Ficava com a medalha de prata da Liga Mundial. Dois meses depois, as perspectivas de um reencontro, no Campeonato Mundial, ganhavam contornos menos otimistas. 20 anos antes, o país perdia esse mesmo título para a então União Soviética. Se o nome do opositor tinha mudado, a decepção permanecia com o mesmo perfil. A história parecia se repetir.
Figurinhas repetidas
O país sede era a Argentina, o mesmo cenário da derrota em 1982. Uma grave crise econômica colocou em risco a realização do campeonato. Os hermanos, porém, lotaram as arenas, torcendo com toda a sua força e fazendo juz a sua fama, como um dos públicos mais apaixonados por esporte.
Por outro lado, o Bernardinho técnico também não deixava de ser o Bernardinho levantador, que integrou a seleção brasileira dos anos 80. Conhecido por sua exigência e seu perfeccionismo, ele fazia parte do time que amargou uma derrota por 3 sets a 0 contra os soviéticos. Sob o papel de comandante, entretanto, seu estilo se mostrava efetivo.
Na semifinal, o Brasil derrotou a tradicional Iugoslávia, campeã olímpica. As jogadas rápidas da seleção brasileira surpreenderam os iugoslavos, com destaque para Giba e seu reflexo impecável. Antes disso, nas quartas de final, o Brasil teve de enfrentar a forte Itália, que não só defendia o título como havia ganhado as três edições anteriores do Campeonato Mundial.
Os italianos tinham sido derrotados tanto pela Polônia quanto pela Argentina e não contavam com um de seus principais jogadores. Só que o Brasil também não havia tido um início fácil na competição, perdendo para os EUA ainda no segundo jogo da fase de grupos.
As vantagens brasileiras na temporada, justificando sua supremacia em relação aos países tradicionais, era composta também pelo bom momento de alguns de seus membros. André Nascimento, então um jogador jovem e promissor, foi premiado como o melhor atacante da competição. No entanto, além dos novos nomes que despontavam, os medalhões também se destacaram. Se meses antes Cafu levantou a taça do pentacampeonato da Copa do Mundo, o capitão Nalbert, destaque das publicações por sua performance, reeditava a cena para um contexto que não pintou as ruas de verde e amarelo, mas fortalecia o crescimento do voleibol entre as preferências nacionais.
Os limites do corpo
Antes da decisão, o treinador russo, Guennadi Chipouline, indicava em suas entrevistas um enfraquecimento do rendimento de sua seleção. Segundo ele, “era difícil manter um alto nível durante todo o ano, fisicamente e tecnicamente. Após a vitória na Liga Mundial, manter o nível era um objetivo, mas não foi possível.”
Independente da exaustão, a partida ainda foi uma daquelas que desafiou os nervos dos torcedores mais exaltados (e estimulou a expressividade característica do técnico brasileiro à beira da quadra). O primeiro set, inicialmente favorável para o Brasil, foi disputado ponto a ponto e acabou com uma vitória dos russos, com destaque para seu bloqueio. Então Nalbert, o maior pontuador da final, nivelou o jogo, em um ataque que caiu muito próximo da linha adversária. Um eletrizante 27 a 25, excedendo uma conclusão normal.
Com um pouco mais de folga em relação ao set anterior, Giba fechou o terceiro para o Brasil, que esteve à frente da seleção russa durante toda a etapa. O auxílio de um bloqueio formado por três homens nos pontos finais foi essencial para colocar a seleção em vantagem.
Mas se alguns brilhavam do lado brasileiro, os russos também tinham suas performances extraordinárias. A manutenção da competitividade da Rússia tinha em Pavel Abramov um de seus principais suportes. Sua performance já havia segurado a vitória do Brasil na segunda etapa. Isso sem contar com o papel importante na conquista do quarto set para a sua seleção.
2 a 2. Se no futebol os pênaltis são o clímax do esporte, no vôlei, o tie-break é o auge da emoção. Apenas 15 pontos separam uma das equipes do título. Em virtude da duração da partida, as seleções estavam tanto exauridas quanto familiarizadas com o estilo uma da outra. Por isso mesmo, em jogos decisivos como esse, Bernardinho sacou dois de seus jogadores principais, André (o melhor atacante) e Maurício, eleito o melhor levantador da competição, e os substituiu por Ricardinho e Anderson. Uma renovação ousada e corajosa, importante ao fator surpresa.
Luna Park. Buenos Aires. As vantagens do Brasil eram seguidas de perto pelos pontos russos. 15 de outubro de 1982, a Rússia era campeã. 13 de outubro de 2002. 15 a 13. 13. É um número enigmático para vários, por diversos motivos. Neste dia, 13 foram os pontos que fez a seleção russa, e o título era brasileiro. O final de semana do feriado era mais uma vez colorido pelo verde e amarelo, e o início do século XXI parecia mais uma vez promissor para o cenário das grandes equipes do país.