Em Churchill (2017) vemos que talvez a imagem apaziguadora do primeiro-ministro que conduziu a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial não condiga com o seu verdadeiro temperamento. Se Churchill ainda estivesse vivo, ele iria se revoltar com a maneira em que o histórico dia D é contado nas escolas pelos professores. O protagonismo americano presente nos livros didáticos o faria bufar de raiva. Talvez por ego, talvez pelo seu passado militar, Winston, como é chamado por todos que o rodeia, quer ser a figura líder da guerra. Ele quer tomar a frente e muitas vezes esquece que não é mais um comandante ou um soldado, e sim, o primeiro-ministro britânico. O filme foca em um episódio específico da Segunda Guerra Mundial, o dia D e os seus antecessores. Nesse fragmento de dias, acompanhamos Winston Churchill descobrindo a verdadeira missão do seu cargo.
A trama de Churchill, além de histórica, gira em torno da figura de Winston (Brian Cox) e de seu senso de liderança. O objetivo do Dia D era desembarcar com tropas dos Aliados pela costa da Normandia e recuperar o solo francês, tomado até então pelos nazistas. Churchill não apoiava o plano. Porém suas intenções em não apoiar se mostram dúbias ao longo do filme. Não fica claro se a empatia do primeiro-ministro é real ou se ele apenas sentia inferiorizado pelos americanos que sugeriram o ataque. Na cena em que Dwight Eisenhower (John Slatery), general norte-americano, e Bernard Montgomery (Julian Wadham), marechal britânico, contam a Churchill que seguirão, independentemente da discordância do ministro, com o plano de ataque do dia D, a música acompanha a feição do ator. O sentimento de traição estampado na cara de Winston também é sentido pelo público pela sensação que a atuação aliada à música causam. A trilha musical é bastante presente no filme, mas não há músicas cantadas. Há apenas sons melódicos que acompanham as emoções do protagonista.
Apesar de quem assiste não conseguir captar qual a intenção que se sobressai, a empatia do primeiro-ministro pelos soldados enviados à guerra existe. Como ele não confiava no plano, seu medo era enviar aqueles jovens para uma morte certa. O trauma de 1915 durante a Primeira Guerra, quando milhares morreram sob sua liderança, ainda ressoava em sua mente. Porém, mais uma vez se confunde a sua verdadeira intenção, se é genuína preocupação ou um medo de que sua imagem seja aliada a mais um massacre. A escolha fica a critério da interpretação do telespectador e sua simpatia — ou não — pela personagem de Winston.
Apesar dessa confusão, o decorrer do longa mostra que Churchill realmente se preocupa com a vida dos soldados. Em uma cena, ele se ajoelha ao lado da cama ao ouvir o barulho de tempestade e faz uma oração pedindo que Deus salve a vida daqueles que estão se arriscando pela nação. O pedido ocorre em meio à chuva torrencial, pois o clima seria um fator crucial para impedir que os soldados fossem enviados para às praias. Assim, o episódio de Winston olhando pela janela e sorrindo de satisfação enquanto violentas gotas de chuva caem no quintal se torna icônico.
Em Churchill, há muitos momentos em que a personagem apenas fica em silêncio, sendo a sua expressão a peça central. Após uma conversa com o rei, Churchill vai para uma sala vazia e fica contemplado a janela enquanto sente a amargura de ver todos o desobedecendo. A sua vontade era ir à guerra com os militares, mostrar aos soldados que ele e o soberano estavam aos seus lados, porém o rei aparece para dizer que essa participação na ação não será possível. É notória a decepção do primeiro-ministro com a negativa.
Nessa cena é possível ver quão poderosa é a sua figura. O rei demora para contar a Churchill que os dois não irão acompanhar os soldados — ele parece tentar adiar a revelação para não decepcionar Winston. No começo do filme também há um outro episódio que mostra sua importância. O primeiro-ministro está no carro e quando um grupo de crianças o vê pela janela, elas acenam, mostrando que mesmo os mais jovens sabem que é Winston Churchill.
Desta forma, uma das cenas mais importantes do longa é quando essa figura é desrespeitada. Com o clima favorável, os comandantes decidem enviar as tropas para o dia D. Para marcar historicamente a decisão, eles se reúnem para uma fotografia e ignoram a presença de Churchill na sala. É evidente o simbolismo desta fotografia. Comandantes da marinha, da aeronáutica e do exército aparecem protagonizando o momento, enquanto Winston realmente se dá conta que perdeu a liderança.
Apesar do roteiro ao redor de Winston, duas mulheres funcionam como partes essenciais da trama: Clementine (Miranda Richardson), companheira do primeiro-ministro, e Helen Garret (Ella Purnell), sua secretária. A esposa de Churchill aparece no começo do filme como a pessoa que apazigua os surtos do marido. É ela quem tenta entender e contornar as situações. Enquanto ele se recusa a aceitar o plano, a esposa se afasta dele pelo seu comportamento enraivecido e nada maleável.
Após a cena da conversa entre o primeiro-ministro e o rei, ela aparece para contar que a presença da majestade ali havia sido intervenção dela. Churchill começa a discutir, sente-se traído. A discussão termina com a esposa dando um tapa sua cara. A sua insistência em participar da ação e de tentar dificultá-la acaba afastando sua companheira. Durante o longa é possível ver o afastamento dos dois e a fragilidade em que se encontra o casamento. Em um surto de Winston após os solados serem enviados, ela acaba fazendo suas malas. Isso o desconcerta ainda mais, já que ela era a base que o sustentava.
Porém é a datilógrafa que o faz sair do surto. A moça de ardentes lábios vermelhos aparece em vários momentos. No início, ela é uma das pessoas em que ele desconta a sua raiva. Churchill está na cama, em estado inerte. Nada diz, nada faz. A raiva e a incapacidade o fazem travar. Apesar de não concordar com a ação, o papel de Winston, assim como o rei disse quando se encontraram, é acalmar a população, levar esperança, ser uma voz para eles e isso deveria ser feito em forma de discurso. Mas ele se recusa a escrever, não quer apoiar o Dia D, acredita fielmente que a missão irá falhar, que o resultado serão milhões de mortes.
Ao ouvir isso, a datilógrafa se enraivece. Conta que seu noivo é um dos soldados e que não suporta a ideia de pensar que ele pode falecer. Pela primeira vez Churchill parece realmente disposto a ouvir alguém. A história de amor muda sua postura.
Após uma conversa com a esposa e depois do momento com a datilógrafa, Churchill percebe o seu papel. Não só percebe, como o aceita. Conhecido pelas suas falas precisas e esperanças, ele discursa mais uma vez. Seu dever como primeiro-ministro é finalmente entendido e ele usa de sua voz para incentivar e dar forças aos britânicos. O discurso, escrito antes dele saber qual foi o resultado da missão, mostra porque ele se tornou quem é para os ingleses. Sua mensagem de força apenas se fortaleceu com o sucesso e reconquista do solo francês obtida pela ação.
Apesar dos momentos de silêncio, as atuações e tensões do filme mantém o telespectador envolvido na trama. Um filme que mostra que por trás de todo evento histórico, há pessoas, angústias e egos. Sua importância é legítima ao mostrar a história de uma figura icônica dos aliados que às vezes é ofuscada pelas atrocidades cometidas pelos líderes do Eixo. Um longa que não pode deixar de ser assistido por aqueles que têm curiosidade de saber o que aconteceu nos bastidores da História.
Churchill chega aos cinemas no dia 5 de outubro. Confira o trailer:
por Júlia Vieira
juliavcamargo@live.com