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A ambiguidade moral cativante de “Armas na Mesa”

“Você já foi normal?” “Acho que sou apenas uma peça rara.” Apesar do que seu título em português possa indicar, Armas na Mesa (Miss Sloane, 2016) é um estudo de personagem antes até mesmo de sua temática central (essa sim, explícita na versão brasileira): o mundo do lobby e, em particular, uma das causas que …

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“Você já foi normal?”
“Acho que sou apenas uma peça rara.”

Apesar do que seu título em português possa indicar, Armas na Mesa (Miss Sloane, 2016) é um estudo de personagem antes até mesmo de sua temática central (essa sim, explícita na versão brasileira): o mundo do lobby e, em particular, uma das causas que move as maiores quantidades de dinheiro e incita debates acalorados em território estadunidense, o controle de armas. Quando a personagem em questão é tão workaholic, é justo dizer que essas duas coisas se tornam indistintas facilmente.

A primeira aparição de Jessica Chastain como a protagonista Elizabeth Sloane se dá pela quebra da quarta parede, um indicativo do poder que a atriz trará à personagem em toda a duração do longa: com os olhos fixos no espectador, ela define a natureza do lobby. “Fazer lobby é sobre previsão. Sobre antever os movimentos do seu oponente e de elaborar contra-medidas. É fazer questão de surpreendê-los, e assegurar-se de que eles não te surpreenderão.” O que filme trabalhará para mostrar, a partir daí, é que não existe pessoa melhor para essa função do que a senhorita Sloane, alternando entre cenas de seu projeto mais recente e imagens de uma audiência posterior a ele, dedicada a investigar seus métodos “não ortodoxos”.

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Dada a raridade de um thriller político centrado em uma mulher — especialmente quando ela habita a área cinza da moralidade — entramos no cinema preparados para os pontos narrativos clássicos: ela é infeliz pois abriu mão de uma vida tradicionalmente feminina em prol do trabalho (como Meryl Streep em O Diabo Veste Prada); todos os seus conflitos pessoais serão solucionados pelo advento de um relacionamento romântico com um homem; sua ambiguidade moral será obrigatoriamente “corrigida”, e não mantida como um traço essencial de sua personalidade (o contra-exemplo de Jordan Belfort em O Lobo de Wall Street vem à cabeça.)

Logo no início do filme, Elizabeth faz uma mudança crucial para o enredo, deixando sua firma de grande nome (e que o obteve por frequentemente jogar do lado dos “vilões”, apesar da protagonista em particular demonstrar uma preocupação moral mínima) e partindo para uma de “boutique” chamada Peterson-Wyatt, que batalha pelo êxito de pautas mais progressistas, como a regulamentação das armas, que viria por meio do projeto de lei chamado Heaton-Harris.

Armas na Mesa busca — e, na maior parte das vezes, consegue — um equilíbrio delicado entre usar dos estereótipos para construir a caracterização das personagens — a equipe da Peterson-Wyatt é empática, sentimental e não encara as regras do jogo com malícia; enquanto aquela da primeira firma possui um cinismo inabalável — e afrouxar os limites desses mesmos tropes. Elizabeth trabalha dezesseis horas por dia com o auxílio de psicoativos e realmente não possui tempo (ou interesse) de estruturar uma vida fora da sua corrida contra o tempo para atingir o seu objetivo mais cobiçado: ganhar a todo o custo — mas o que a faz questionar as suas atitudes não é seu envolvimento com um homem, e sim ter machucado uma colega de trabalho que ela respeitava profundamente. E por mais íntegra que seja a firma Peterson-Wyatt, ela não está imune a informantes.

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O retrato que o longa faz do  universo do lobbying é dinâmico e intrigante, com um desenrolar de trama que se assemelha (principalmente devido às semelhanças na própria protagonista) a um mistério de Sherlock Holmes, e o filme ecoa as obras de David Fincher tanto em seu roteiro inteligente como em seus tons amarelados. A frieza e “podridão”, nas palavras de Elizabeth, do jogo político estadunidense é mostrado de forma direta, como na visão que ambos os lados do debate sobre armas têm das “mães da nação” como uma demográfica mal-servida pela propaganda, e não como vítimas de uma política falha.

De acordo com a proposta biográfica do filme, Jessica Chastain é responsável por dar estrutura ao longa, trabalho que realiza com um magnetismo e complexidade incomparável: o olhar do espectador segue todos os seus movimentos na tela, e a atriz é capaz de expressar todas as camadas e nuances emocionais da personagem com naturalidade. A a ausência do seu nome na lista de indicados ao Oscar de melhor atriz se torna no mínimo esquisita para quem assiste a Armas na Mesa. Apesar disso, falta no roteiro um aprofundamento das batalhas pessoais de Elizabeth Sloane, que, quando retratadas, são abordadas com brevidade: por mais que a qualidade da atuação compense de certo modo, a personagem é tão cativante e forte que saímos do cinema desejando saber muito mais sobre sua trajetória.

Armas na Mesa estreia nos cinemas no dia 2 de fevereiro. Confira o trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=uKL9UFGktk4

por Bárbara Reis
barbara.rrreis@gmail.com

 

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