Bruno Molinero
Lagartos e uma teoria acerca do clima e da vegetação amazônica sobre a bancada de um laboratório. Paredes enfeitadas pelos diplomas de medicina da USP e de doutor em biologia por Harvard. Mas basta um olhar um pouco mais atento para encontrar os segredos desse universo. Um ritmo cantarolado ou o esboço de um dos top hits dos karaokes paulistanos marcam o habitat de Paulo Vanzolini. Cientista e compositor, zoólogo e poeta, ex-diretor do museu de zoologia da USP e um dos maiores sambistas brasileiros, Vanzolini incorpora elementos aparentemente conflitantes, mas que não entram em choque.
Do atrito entre essas realidades surge o novo documentário de Ricardo Dias, Um homem de moral, que percorre a caminhada artística de Vanzolini. Em homenagem aos seus 85 anos, o longa, uma aula de samba, é a justaposição de três atos: as declarações do compositor, a interpretação de suas músicas por diversos nomes da cena brasileira e imagens de uma São Paulo popular (retratada em diversas canções, como Ronda).
São Paulo ilustra o documentário e rende cores aos depoimentos de Paulo Vanzolini. Mas não são imagens da São Paulo locomotiva do país. É o retrato dos milhões de maquinistas, do sorriso de quem acorda cedo, do suor, da terra no sapato. E a cidade se mescla às histórias das composições, quando Vanzolini fazia a ronda pelo centro e pelo baixo meretrício ou ainda quando esperava na praça Clóvis e assistia aos batedores de carteira. A música, para ele, era o passatempo nas folgas da zoologia. “O que você tem que entender, meu amigo, é que sou zoólogo”.
Adoniran Barbosa entendia. Em depoimento da década de 1970, o ícone do samba paulistano reforça a amizade entre ambos e a semelhança entre suas composições – mas ressalta, “ele é um cara estudado”. O documentário é ainda recheado por outros célebres da música brasileira, que interpretam os sambas de Vanzolini, como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Inezita Barroso, Miúcha e Chico Buarque (que não aparece tão à vontade como em Palavra (En)Cantada, limitando-se a cantar a última composição do sambista, Quando eu for, eu vou sem pena).
Um homem de moral contagia. Mesmo com o título piegas, os pés ficam inquietos, pululantes. Porém, o nome faz referência à mais conhecida música do zoólogo, Volta por cima, que encerra o documentário. Com ela, há a aglutinação dos três planos do longa: o povo, os grandes nomes da MPB e o próprio Vanzolini entoam o hino dos que já foram derrotados. O título é facilmente perdoado. Atire a primeira pedra quem nunca bradou, com o peito repleto de esperança e sinceridade, os versos célebres do compositor – Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.