Por Juliana Penna
Na tentativa de aproximação do agente do MI-6, Ray Koval, e da fria e implacável espiã da CIA, Claire Stenwick, logo na primeira tomada, temos o início do que parecia ser mais um dos suspenses policiais assinados pelo roteirista Tony Gilroy. Todavia, descompromissado e ameno, o novo longa Duplicidade, que ele também dirige, é com certeza uma obra ímpar em sua filmografia.
Em tomadas não-violentas e diálogos carregados de sensualidade, Gilroy se arrisca, mas sem atravessar os meandros em que sua carreira foi concebida. Graças à trilha sonora de James Newton Howard e ao humor carregado de tiradas sarcásticas, a obra se distancia de outras de sua autoria, como “Conduta de Risco”, e caminha em direção ao estilo de “Onze Homens e um Segredo” de Steven Soderbergh.
Mas a obra não atua somente como ponte entre dois modelos dentro de um mesmo gênero. A montagem original dá elegância e complexidade a uma trama policial aparentemente simples – e bem menos ambiciosa e engajada que as outrora construídas por Gilroy. O tema ‘governo’ desaparece logo que os agentes decidem abandonar seus presentes empregos.
Todo o contexto se ergue em cima do envolvimento dos dois protagonistas, desencadeado a partir da primeira sequência. E se o diretor escolheu arriscar no estilo, definitivamente não arriscou ao escolher os atores. Julia Roberts e Clive Owen, novamente juntos, incorporam o casal de ex-espiões apaixonados, e reforçam a química entre os personagens que transita entre “Bonnie & Clyde” e “Sr e Sra. Smith”. Paul Giamatti e Tom Wilkinson completam o ótimo elenco, interpretando os dois mega-empresários que o casal pretende ludibriar.
Temperada com desconfiança e bons diálogos, é a cumplicidade entre os protagonistas que sustenta o filme até o fim, quando muitas vezes a não-linearidade do roteiro dificulta o entendimento da narrativa. À medida que o suspense em relação ao golpe aumenta, a tensão e a desconfiança entre os protagonistas também se torna mais aguda; e paralelamente, ambas atingem o ponto crítico. Mesmo assim, o que prevalece é o conflito entre confiança e suspeita dentro do relacionamento de Claire e Ray. Alguém duvida que o verdadeiro clímax no enredo foi a cena na mesa de café do aeroporto?
Se no início a obra remetia ora ao blockbuster de Soderbergh, ora a trillers de casais transviados, ele ganha com seu desfecho – um tanto mirabolante- sua originalidade. A única crítica que cabe fazer seria do pouco espaço dado ao personagem de Wilkinson, que demonstrou ter uma relevância surpreendente no desenrolar dos fatos. Desenrolar este que se mostrou, no mínimo perturbador para os protagonistas, mas que não se pode chamar de infeliz. “Pelo menos temos um ao outro.”, lamenta Ray Koval na última sequência. “Estamos tão mal assim…” responde a parceira.