Imagem: Ingrid Luisa
Como falar com garotas em festas é um dos contos mais famosos de Neil Gaiman (está disponível na íntegra, no idioma original, aqui). Publicado em 2006 na antologia Coisas Frágeis, em 2017 a obra recebeu diversas adaptações, incluindo um filme (How to Talk to Girls at Parties, 2017) e uma grafic novel homônima realizada pelos premiados gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá (Companhia das Letras, 2017). Nela, a história sombria, que fala de descobertas e dúvidas, ganha cores vibrantes e uma aura mágica.
O título já indica o que nos aguarda no início da trama: Enn é um tímido garoto de 15 anos que não tinha muita experiência com o sexo oposto — “eu só havia beijado três amigas da minha irmã” –, enquanto seu amigo Vic era o típico popular experiente — “você só precisa falar com elas. (…) Elas são apenas garotas. Elas não vêm de outro planeta”. Ao entrarem em uma festa, que Vic obriga Enn a ir, tudo parecia normal: música alta, garotas dançando, bebidas. Mas, assim que Enn toma coragem de falar com a primeira menina, já dá para perceber que a história vai muito além das investidas de um nerd tímido e inibido, envolvendo universos, dimensões paralelas e o real significado da vida nas palavras que saem da boca das garotas.
A HQ segue bem fiel ao conto, quase uma transcrição literal. O grande diferencial está na opção por cores vibrantes: a Londres dos anos 70, início do punk, se assemelha a algo tropical, com uma grande ênfase nos tons de vermelho, amarelo e laranja durante quase toda a história. No final, uma mudança para cores frias deixa claro a “conclusão” tensa e indefinível da trama, predominando tons de azul e violeta. Levando oitos meses para ser colorida, a obra foi toda feita em aquarela, o que ressaltou ainda mais a importância das cores dentro da trama, já que elas ditam todo o estado emocional do enredo. O nível de detalhismo, até mesmo nas “falhas” (cores vazando da borda dos desenhos, por exemplo), é um complemento lindo e significativo.
O único ponto fraco da HQ não é nada relacionado a adaptação, e sim ao próprio conto de Gaiman: tanto Vic quanto Enn possuem um olhar “predatório” sobre as mulheres, como se elas não pudessem ser nada mais que um instrumento de prazer. Isso relaciona a obra a muitos outros clichês, e seu título pode afastar certos leitores. Até mesmo quando as garotas começam a falar sobre suas realidades e dificuldades, Enn não ouve. ele simplesmente muda de assunto, tenta colocar o braço em seus ombros ou as convida para dançar. Definitivamente, não é assim que se fala com garotas. Tudo bem que ele só tem 15 anos, mas cansa ver repetidamente os mesmos estereótipos.
O final ambíguo, com a misteriosa Triolet, levanta dúvidas e metáforas: há quem relacione o envolvimento do protagonista com ela a uma situação em que ele finalmente escuta e procura conhecer uma garota melhor, e há quem interprete o ocorrido de forma mais literal. Possibilidades a parte, o final aberto deixa reflexões e interpretações que valem a leitura, tanto do conto quanto do universo vibrante e colorido criado por Moon e Bá.
Por Ingrid Luisa
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