por Breno Leoni Ebeling
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O Médico Alemão (Wakolda, 2013) estreia em salas selecionadas de São Paulo nesta quinta. Não à toa, fez parte da seleção de Cannes em 2013. O filme combina a força dos personagens a enredo e fotografia que fogem à regra. Proporcionam ao espectador uma visão realista de alguns fatos que envolveram a vida de Mengele, um dos nazistas mais procurados do pós-guerra.
Mengele foi o médico-chefe de Auschwitz e o principal responsável pela morte de mais de 2 milhões de judeus. Foi julgado culpado pelo tribunal de Nuremberg e, depois da Segunda Guerra, viveu com nomes falsos em alguns países da América do Sul. Morreu afogado em uma praia de Bertioga no ano de 1979. Foi enterrado com um nome falso, mas seus restos mortais foram exumados e analisados por um legista que o identificou em 1985.
No clássico de 1978, Meninos do Brasil (Boys From Brazil, 1978), Mengele é protagonista de um plano que levaria à ascensão do quarto Reich. Cria 94 clones de Hitler e, para cada um deles, tenta obter um ambiente com perfil semelhante àquele de Hitler quando criança. Aqui o maniqueísmo fica mais ressaltado. Já no caso do longa argentino, a visão mais humanizada é evidenciada pelo fato de mostrar a capacidade de envolvimento de Mengele com as pessoas e até de praticar o bem, sem deixar, no entanto, de demonstrar seu grau de psicopatia. Estudos recentes demonstram que psicopatas têm uma capacidade acima da média de cativar outros seres humanos. Em determinado momento da trama uma noticia televisiva é mostrada: Israel mantém a caçada internacional dos fugitivos do tribunal de Nuremberg. E esse é um dos prováveis momentos em que o espectador se pegará torcendo para que Mengele consiga escapar.
O Médico Alemão narra a vida de Mengele em Bariloche, onde manteve um relacionamento próximo com uma família local. Seu gosto por genética e experimentação são retratados de forma paradoxal: o filme leva o espectador a se afeiçoar por ele, e o faz de forma absoluta. Isto porque em todos os momentos o médico se esmeira para ajudar a todos os membros desta família.
O médico nutre um forte interesse por Lillith, a filha do casal. De acordo com suas palavras, ela tem todas as características que considera como perfeição, exceto a estatura. E assim consegue persuadir a menina e sua mãe a concordarem com um tratamento hormonal. O tratamento tem efeito, mas a custos altos.
Quando se pensa no cinema argentino é difícil não tomar como base de comparação O Segredo de seus Olhos (El Secreto de sus Ojos, 2009). Ambos apresentam surpresas em seus finais e uma proposta de reflexão a respeito de questões que não são óbvias. A diferença entre os filmes se dá no impacto imediato que é gerado com o término de cada um.
“O Segredo de seus Olhos” tem seu choque final apresentado de forma brusca. O filme deixa uma forte expectativa a respeito do que se passou com o estuprador. O efeito da trama está em mostrar que ele foi capturado e mantido em cativeiro pelo personagem principal. É posta a questão da “justiça com as próprias mãos”. O impacto em “O Médico Alemão” não se dá imediatamente. Isto porque, para que ele ocorra, é necessário se pensar e refletir a respeito do que foi mostrado. É como passar por um pós operatório, a dor aumenta na mesma proporção em que o efeito da anestesia se dissipa.
A anestesia do filme é a mistura do envolvimento emocional entre espectador e personagens com o distanciamento temporal que a fotografia do filme proporciona. Ele tem uma seleção de imagens que imprimem a sensação de se estar vendo uma obra rodada na década de 70. Assim, a grande experiência que o filme proporciona é o confronto do espectador contra si mesmo, à medida em que razão e emoção são contrapostas.