Um dos países que mais sentiram o poder de destruição da II Guerra Mundial foi a Polônia. Alvo de disputas entre Alemanha e União Soviética, os polacos sofreram na pele e na alma a violência nazista e stalinista, resistindo bravamente às agruras da guerra. Essa resistência marcou a História e o cinema polonês. Porém, em Katyn (2007), Andrzej Wajda, diretor famoso por retratar justamente esta característica, olha para o seu povo por outro viés: o da individualidade.
A história se inicia em Cracóvia, 17 de setembro de 1939, justamente no dia da invasão soviética à Polônia. O cenário mostra, em uma bela imagem, dois grupos de nativos correndo em sentidos contrários, representando metaforicamente o propósito do filme: a discussão entre germânicos e soviéticos na responsabilidade pelo massacre da floresta de Katyn – localidade rural situada na Rússia. Ana, em companhia de sua filha Nika, duas personagens apresentadas em tal cena, foge para procurar seu marido Andrzej, que encontra-se sob poder dos russos junto à outros oficiais poloneses, e que decide escrever em um diário tudo o que acontece durante seu período de cativo.
O foco da direção muda para Jan, pai de Andrzej e reitor da Universidade de Cracóvia. Ao defender a autonomia universitária durante o período de ocupação, o reitor, junto a outros representantes da Universidade, é feito prisioneiro pelos nazistas. Neste momento, Wajda insere novamente uma metáfora da dualidade da invasão da Polônia – o pai, prisioneiro dos alemães e o filho, nas mãos dos soviéticos. Todavia, o recurso alegórico apresenta-se insistente na película e um tanto quanto confuso e/ou cansativo para o espectador. Esse sentimento se exacerba quando uma série de outros personagens secundários são inseridos na trama, representado a resignação, a resistência e a duplicidade das ideologias impostas à Polônia da época.
A linearidade do enredo é retomada na segunda metade do filme, quando o eixo da narrativa se volta novamente à Ana e Nika e reaparece um personagem até então sem tanto vulto na trama. Jerzy, companheiro de Andrzej no jugo dos oficiais poloneses pelos bolcheviques, volta sozinho à Cracóvia para revelar à mãe de Nika que ele foi confundido com seu marido pelos soviéticos durante o cativeiro. A partir de então, começa a busca incessante de Ana pelo seu esposo e imagens em preto e branco das acusações trocadas entre alemães e russos, pela autoria do massacre de Katyn, são mostradas em flashs dispersos durante o resto do vídeo, antes mesmo da chacina em si.
É neste momento que o espectador se envolve de fato na narrativa ao acompanhar o sofrimento e o desespero das personagens – na resistência pela opressão dos invasores ou na aceitação de se tornar um povo dominado e reprimido -, bem como torna-se testemunha do morticídio dos poloneses na floresta de Katyn pelos soldados soviéticos.
O grande mérito de Wajda, na direção de uma obra indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007, é conseguir – mesmo que em alguns momentos de forma confusa – o entrelaçamento entre as personas em torno de um assunto comum a elas, tal qual a ocupação da Polônia como campo de combate entre nazistas e comunistas. Sua tentativa de revelar a diversidade dos comportamentos dos poloneses frente a uma situação de opressão, foge do lugar comum dos filmes mais comerciais que versam sobre o mesmo tema e arrisco-me a dizer que se põe numa posição contrária à generalização na História, que estuda as vidas das sociedades de maneira universalizada e menos individualizada.
Por Vinícius Crevilari
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