Por Luiza Santos (luizagabriela@usp.br)
Localizada na América Central, Cuba foi palco de um conflito bélico entre os Estados Unidos e a Espanha, que resultou em sua independência formal no ano de 1902. O país se tornou um protetorado dos EUA (que ganhou a Guerra Hispano-Americana e participou da independência de Cuba), ou seja, o governo norte-americano passou a ter o direito de intervenções políticas e econômicas sobre a ilha.
No ano de 1952, o governo ditatorial de Fulgêncio Batista — apoiado pelos Estados Unidos — trouxe profundas desigualdades sociais. O descontentamento da população ocasionado pela corrupção, pela forte repressão e pelo aumento da pobreza foi o estopim para a ocorrência de um processo revolucionário.
A chegada da revolução
Nesse contexto de insatisfação política, surge Fidel Castro, figura fundamental para a história cubana. Nascido em 1926, Fidel Alejandro Castro Ruz era estudante de Direito na Universidade de Havana quando foi influenciado por ideais anti-imperialistas e revolucionários (pautados na futura independência cubana) para lutar contra a ditadura de Fulgêncio Batista e o domínio estadunidense em Cuba.
Ao lado de Raúl Castro e Che Guevara, Fidel protagonizou a Revolução Cubana no início de 1959. O movimento armado, de caráter popular e socialista, derrubou o regime vigente e instituiu mudanças radicais na organização do território. Em 1976, Fidel Castro tornou-se o presidente de Cuba, governando o país por mais de três décadas.
Enquanto lidava com o embargo econômico instituído pelos Estados Unidos, o líder revolucionário traçava os novos rumos da ilha com transformações que iam desde o unipartidarismo até a implementação de sistemas de saúde e educação que se tornaram referências globais.
Em 2008, o governante renunciou à presidência, transferindo o cargo para seu irmão mais novo, Raúl Castro, que era Ministro da Defesa. Durante os dez anos de seu governo, Raul manteve o regime socialista instituído pelo irmão, mas implementou medidas que permitiram uma abertura política lenta e gradual.
Frei Betto, Fidel e a religião
Frade dominicano, escritor, jornalista e militante político, Frei Betto conheceu Fidel Castro nos anos 80 em Manágua durante o primeiro aniversário da Revolução Sandinista e tornou-se amigo pessoal do líder cubano. A partir de encontros e conversas com o líder revolucionário, nasceu o livro Fidel e a religião. Com edições em 32 países, a obra é uma referência histórica, de modo que foi pioneira na abordagem da relação entre um líder de Estado e a fé.
Em entrevista para a Jornalismo Júnior, Frei Betto aborda aspectos sobre a figura de Fidel e seu governo.
J.Press – Fidel Castro, no seu modo de ver, foi um homem cristão?
Frei Betto – No sentido de viver valores cristãos, como amor preferencial aos mais pobres (e por isso liderou uma revolução), sim. No sentido confessional, não, exceto na infância e juventude, pois como estudante esteve internado 10 anos em colégios religiosos. Em um de nossos últimos encontros, quando ele estava prestes a completar 90 anos (estive na casa dele no dia do aniversário), disse a ele: “Comandante, muitos me perguntam se após a entrevista que me concedeu para o livro Fidel e a religião o senhor voltou à fé cristã”. “E o que você responde?”, indagou-me. “Digo que o senhor não é um homem de fé religiosa e também não é ateu. É agnóstico.” Ele segurou no meu ombro e reagiu: “Muito bem, muito bem”.
J.Press – Fidel foi um dos maiores líderes políticos de toda a história mundial. Quando renunciou, em 2008, ele disse que lutaria como um “soldado de ideias”. Conhecendo Fidel Castro em um âmbito mais privado, como o senhor retrataria essa personalidade política e revolucionária? Ele foi mesmo um “soldado de ideias”?
Frei Betto – Sim, um soldado de ideias mas também um militante e combatente incansável, como [José] Martí e Lenin. Tinha uma mente privilegiada, capaz de fazer cálculos matemáticos na velocidade de um computador. E vasta cultura, devorador de livros e capaz de extrair de seus interlocutores o máximo de conteúdo, pois não sabia dialogar em 10 ou 15 minutos, tinha que ser ao menos uma hora. Em sua vida soube articular, com coerência, teoria e prática.
J.Press – Frei Betto, como o senhor avalia as medidas implementadas por Raúl Castro durante o seu governo? É possível afirmar que essas mudanças representaram uma tentativa de reconstruir a legitimidade histórica do socialismo tanto em Cuba, como no cenário internacional?
Frei Betto – Raúl assumiu a direção de Cuba em um período muito mais difícil que Fidel. O socialismo soviético havia se desintegrado e a Casa Branca multiplicou as medidas de aperto ao bloqueio à Ilha. Portanto creio que a preocupação maior de Raúl, como é agora a de Díaz-Canel, foi assegurar condições mínimas de sobrevivência digna do povo cubano. Buscou o viável, não o desejável.
J.Press – Como se deu a aproximação entre Cuba e os EUA após a entrada de Raúl Castro? O senhor diria que a saída de Fidel ajudou na mudança das relações diplomáticas entre os países?
Frei Betto – Obama já estava no segundo mandato e já não tinha nada a perder. Mas a iniciativa foi do papa Francisco, admirador da Revolução Cubana. Mas apesar de voltarem as relações diplomáticas, o bloqueio só piorou com Trump e Biden.
J.Press – Para além da esfera política, como o senhor percebe o legado de Fidel para o mundo?
Frei Betto – São muitos legados: [ele] provou que é possível existir na América Latina e no Caribe um país independente dos EUA, assegurou a toda população os três direitos humanos prioritários — alimentação, saúde e educação, fez de Cuba um símbolo de resistência e dotou o país de alto nível científico, artístico e cultural.