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Dia 03 I Bienal do Livro: mulheres na literatura; conhecimento para conscientizar; infância e inspiração para o sucesso

O TERCEIRO DIA DE BIENAL CONTOU COM AS PRESENÇAS ILUSTRES DE LÁZARO RAMOS E DE PADRE JÚLIO LANCELOTTI. TEMAS COMO APOROFOBIA, ALTA PERFORMANCE E O PAPEL DA MULHER NA LITERATURA FORAM EXPLORADOS NAS MESAS

Após uma pausa em decorrência da pandemia da COVID-19, a 26ª Bienal Internacional do Livro retorna a São Paulo com grande expectativa do público. Sediada na Expo Center Norte, o evento reuniu editoras e palestrantes diversos, e proporcionou aos visitantes uma experiência repleta de debates sobre o universo literário. Confira a cobertura feita pela Jornalismo Júnior das palestras reunidas no dia 04 de julho de 2022.

 

Trajetórias do Africano em Território Brasileiro 

 

A primeira palestra do terceiro dia de Bienal do Livro foi conduzida pelo professor Natanael dos Santos, escritor, pesquisador e membro fundador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro da Unicamp. Segundo o palestrante, seu objetivo na mesa era falar do negro a partir de um olhar diferenciado. Em suas palavras, falar de negritude geralmente contempla um sentimento de revolta, mas, para ele, a conversa deveria focar na contribuição dos negros para o Brasil e para o mundo. Natanael destacou, em diferentes momentos, como o preconceito é produto da desinformação, inclusive para a própria população negra, que tem dificuldades em saber de suas origens devido ao apagamento histórico promovido pelas nações dominantes.  

 

O escritor compartilhou com o público algumas experiências de infância, em que ele era alvo de discriminações raciais e ouvia comentários preconceituosos sobre seus traços físicos. Natanael explicou, ainda, como essas características são consequências do ambiente onde as nações africanas vivem, de como elas protegem a população das condições climáticas do continente. Usando como exemplo o nariz, descrito como “formação nasal baixa” em contraposição à denominação “nariz chato”, o pesquisador apresentou como essa característica serve para ajudar na respiração em temperaturas muito altas, comuns no continente africano.

 

Após trazer seus relatos, Natanael frisou como o conhecimento empodera: se essas diferenças raciais e étnicas fossem explicadas de forma adequada nas escolas, o olhar das pessoas sobre a população negra mudaria drasticamente. 

 

O professor também levou ao palco um grupo de musicistas que interpretou músicas tradicionais africanas. Ao final da palestra, propôs uma dinâmica com o público, oferecendo aos voluntários instrumentos percussivos para criarem uma performance de música africana. 

 

No palco da Arena Cultural, crianças perfomam instrumentos de percursão.
As crianças, sorridentes e alegres, protagonizaram o momento de performance musical, sob regência do professor Natanael. [Imagem: Reprodução/Beatriz Pecinato]

Aventuras estranhas com Erick Clepton 

 

A segunda mesa do dia foi um bate-papo descontraído entre Leh Pimenta, integrante do Clube do Livro BH, e Erick Clepton, autor da obra Aventuras Estranhas: A noite do meteoro (HarperKids, 2021). O youtuber, tiktoker e escritor contou que tentou escrever outras três obras antes de finalmente conseguir lançar seu primeiro  livro, e compartilha como o processo da escrita é, ao mesmo tempo, muito legal e desafiador.

 

Sobre o enredo, Clepton disse que gostaria que a história tivesse o formato de jogo, em que os personagens passam por fases até chegarem ao desafio final. Ele também  compartilhou seu desejo de que a história se passasse em apenas uma noite, pois é o tempo máximo que uma criança pode ficar fora de casa sem assustar os responsáveis, e que fosse no Natal, deixando de lado a neve, já que esse clichê não faz parte da realidade brasileira. 

 

O escritor Erick está sentado no centro da imagem, com blusa de manga comprida branca com desenhos preto. Erick está de óculos com um microfone na frente do corpo.
Erick Clepton, na Arena Cultural, palestrando sobre inspirações para seu livro recém publicado. [Imagem: Reprodução/Beatriz Pecinato]

 

Clepton discutiu, ainda, sobre como foi criar o trio de amigos Nicolas, Fabinho e Astrid, e contou que o protagonista, o primeiro dos meninos, foi o mais difícil de criar. O youtuber confessou que, durante a escrita, ele já sabia que seria Astrid quem resolveria os problemas da cidade e do grupo. Sobre inspirações, Clepton disse que há um pouco dele em Nicolas, e que Fabinho carrega um pouco de seu irmão mais novo, Pierre, o qual o auxilia no processo criativo. 

 

Por ser um livro infantojuvenil, a maioria dos espectadores da palestra eram crianças, as quais, ao final da mesa, fizeram perguntas ao youtuber, como  se ele preferia “bolacha ou biscoito”. Depois do encerramento da sessão, Clepton agradeceu a presença de todos e distribuiu autógrafos para quem tivesse seu livro, ou o adquirisse na hora. 

 

Leituras críticas importam 

 

A terceira mesa do dia foi mediada por Mariana Serrano, autora do livro Vidas LGBTQIA +, que está presente na coletânea Leituras Críticas Importam (Matrioska Editora, 2021), uma reunião de obras que discutem temas relevantes e atuais com linguagem acessível. 

 

A palestra começou com a leitura de trechos do livro Decolonialismo Indígena, também presente na série, de Álvaro de Azevedo Gonzaga, Livre Docente pela PUC São Paulo. Durante sua fala, o professor destacou que, durante a atual gestão, nenhuma terra indígena foi demarcada, e que é preciso trocar as armas por livros. Ele terminou seu discurso fazendo uma menção honrosa ao jornalista Dom Phillips e ao indigenista Bruno Pereira, assassinados no mês passado. 

 

Os autores Mariana Serrano, Álvaro de Azevedo Gonzaga, Padre Júlio Lancellotti, e Juliana Izar Soares da Fonseca Segalla no palco da Arena, todos em pé segurando os livros que escreveram nas mãos.
A mesa de Leituras Críticas Importam, mostrando suas produções pertencentes a coletânea. [Imagem: Reprodução/Beatriz Pecinato]

 

Em seguida, o Padre Júlio Lancellotti, autor de  Tinha uma pedra no meio do caminho (Matrioska Editora, 2021), também integrante da coletânea, agradeceu emocionado pelo carinho do público e destacou a importância de desconstruir a aporofobia, presente em cada um dos indivíduos. O termo, criado em 1990 pela filósofa Adela Cortina, diz respeito à aversão e ódio aos pobres, e é sobre esse tema, e sua trajetória ajudando os moradores de rua, que o Padre Júlio discute em seu livro. 

 

Sâmia Bomfim, deputada federal, estava presente na palestra e perguntou ao Padre como a população poderia ajudar e ser mais ativa nas questões discutidas. O palestrante respondeu que, antes de tudo, é preciso desconstruir a aporofobia que existe em todos os indivíduos. Acrescentou, ainda, como as pessoas podem denunciar, por meio das redes sociais, por exemplo, intervenções hostis contra moradores de rua.   

 

Ao final da palestra, a mediadora chamou Juliana Izar Soares da Fonseca Segalla, autora da obra Inclusão não é favor nem bondade (Editora Matrioska, 2021), que discutiu brevemente sobre o capacitismo e como essa discriminação precisa ser extinguida. Além dela, a autora de Imigrantes e Refugiados, (Editora Matrioska, 2021), Carolina Piccolotto Galib,  obra que discute sobre xenofobia e racismo contra estrangeiros em situação de vulnerabilidade, também foi chamada ao palco. 

 

Encontro com Lázaro Ramos 

 

A autora de Vozes Negras (Se Liga Editorial, 2020), Pétala Souza, mediou a conversa com o ator, diretor e escritor Lázaro Ramos sobre a importância da literatura na vida de crianças e de jovens. 

 

Lázaro, convocando o público a cantar junto e a formar um coro na Arena Cultural, iniciou a palestra cantando a música Alguém Me Avisou, de Dona Ivone Lara. 

 

O bate-papo foi iniciado com o anúncio do ator e escritor de que está se preparando para lançar um livro para o público adolescente, com o título Você Não é Invisível. Ao ser questionado sobre o motivo de escrever para o público infantil, Lázaro explicou que vê a literatura como uma forma de recriar a história da nossa nação, além de ser um meio capaz de promover consciência sobre o que é conviver na imensa diversidade que existe no Brasil. 

 

Lázaro também comentou que o ato de escrever para crianças no presente o ajudou a se comunicar com a criança que ele foi um dia. Ele vê, em suas obras infantis, a possibilidade de ensinar para as crianças de agora aquilo que ele gostaria de ter aprendido. 

 

Sobre sua experiência pessoal com a literatura, compartilhou que começou a ler por prazer apenas com 15 anos, quando leu sobre um assunto de seu interesse pela primeira vez, que era a atuação. Segundo ele, sua família sempre valorizou a leitura enquanto forma de obter conhecimento, mas não enquanto forma de diversão. Quando ele percebeu que ler podia ser prazeroso, nunca mais parou de ler. 

 

Já sobre ser escritor, explicou que, no início de sua trajetória, não via valor em seus próprios escritos e, por isso, não os mostrava para ninguém. Em um momento de dificuldades decorrentes do desemprego, percebeu que sua literatura podia ser um caminho para atravessar aquele problema. 

 

O escritor e autor Lázaro Ramos encontra-se à esquerda da Arena Cultural, vestindo blusa branca.
A palestra de Lázaro Ramos emocionou muitos na plateia e deixou um recado pertinente sobre sonhos e desejos. [Reprodução/Beatriz Pecinato]

 

Entre histórias de seus filhos e de sua carreira, Lázaro defendeu que um dos caminhos essenciais para a criança se aproximar da literatura é o exemplo que vêm dos adultos. Ler junto com a criança, na frente dela ou espalhar livros pela casa são formas de mostrar que a leitura se relaciona com o afeto e com o aconchego do lar,  que é um local seguro para a criança. Como leitor e escritor, ele afirma como os livros que trazem representatividade precisam ser conhecidos por elas, por isso a importância de diversificar os temas dos livros infantis, transformando-os em um  retrato do mundo que elas estão conhecendo pouco a pouco. 

 

A opinião delas, pontua o escritor, é necessária  para que a literatura infantil se concretize. Para Lázaro, o contato com o público é essencial antes da publicação de um livro. Por isso, o autor visita escolas e distribui seus livros a crianças de escolas públicas e particulares, para que elas possam ler e compartilhar suas impressões. 

 

Finalizando a palestra, Lázaro defende que o acesso à literatura, à informação e à educação transformam a realidade, uma vez que a literatura pode contribuir para uma infância melhor. Impulsionando o ato de sonhar e ampliando os horizontes, os livros podem auxiliar crianças que, muitas vezes, não foram incentivadas a valorizar as suas vontades. Assim, concluiu que a literatura infantil não deve se encerrar na criança, mas sim ser uma ferramenta para o diálogo com os adultos.

 

Alta Performance 

 

A penúltima palestra do dia contou com a participação do ex-nadador profissional e atual professor, palestrante e autor, Joel Jota, e Norton Mello, ex-jogador de futebol, que começou a fazer lives durante a pandemia sobre como treinar em casa. A conversa foi mediada por Patrick Santos, jornalista e coaching

 

Quando questionado sobre sua relação com os livros, Jota contou que, quando criança, não gostava de ler, mas, ao crescer, adquiriu o hábito. O palestrante contou que, durante os últimos 20 anos, ele leu  todos os dias. Norton contou que também não era leitor na infância, e que nunca iria imaginar que, ao alcançar a vida adulta, escreveria um livro. 

 

Quanto ao sucesso, Joel, comentou que não existem pessoas dotadas de talentos sobrenaturais, e que todos são capazes de alcançar um objetivo, uma vez que  o segredo  está no treino constante e na paciência. Para Norton, o sucesso também é alcançado através da constância e da repetição. 

 

Além de terem publicado livros, as histórias dos palestrantes se cruzam no esporte. Joel conta que foi nadador quase a vida toda, e a disciplina aprendida por ele na modalidade pode ser aplicada em outras esferas. Segundo ele, suas derrotas foram importantes para melhorar seu foco e sua autodeterminação. Já para Norton, o futebol foi responsável por grande parte de sua educação. Quando encerrou sua carreira aos 24 anos, devido a uma lesão, ficou perdido sobre o que poderia fazer com sua vida. Então, decidiu ingressar na faculdade de Educação Física, para continuar dentro do esporte, agora ao lado dos treinadores. 

 

Durante a palestra, Joel foi bem participativo com o público e a dupla abriu um tempo expressivo para perguntas. Uma das questões, que deixou o ex-nadador emocionado, foi “se você encontrasse sua maior inspiração, que pergunta faria para ela?”. O professor respondeu que sua maior inspiração é seu pai, que já faleceu. . 

 

Ao final, Norton agradeceu as pessoas pela participação, e pediu que o público não esquecesse que suas vidas são importantes. Joel também agradeceu a presença do público e aos apoiadores de seu trabalho, e pediu que encontrássemos nosso talento. 

 

A figura feminina na literatura com Aline Bei, Carla Madeira e Marcela Ceribelli 

 

A última palestra do dia foi iniciada com uma homenagem a Carla Madeira, que não pôde ir ao evento por questões de saúde. Na ocasião, Aline Bei leu um trecho de Véspera (Record, 2021), livro de Carla, que foi também inspiração para as discussões da palestra. 

 

Marcela Ceribelli, fundadora da Obvious, mediadora do evento, começou destacando como  as personagens criadas por Aline se recusam a se encaixar no bem ou no mal, caracterizando-as como personagens cinzentas. Aline, ao concordar com o comentário de Marcela, disse que acredita na ideia de que não somos uma única coisa, mas um conjunto do  que vivemos nas vésperas de nossa vida, fazendo referência à obra de Carla. O ser humano, para Aline, é complexo  e não pode ser colocado em caixas. Cada gesto e atitude tem uma explicação que os antecede, e a sua personagem Vera, do livro Pequena Coreografia do Adeus (Companhia das Letras, 2021) é um exemplo disso. Aline não queria que ela fosse uma personagem meramente ruim e sem humanidade, por isso procurou mostrar sua vulnerabilidade em diversos momentos da obra. 

 

Aline também falou sobre o uso dos verbos em sua escrita, os quais, na opinião de Marcela, recusam o caráter taxativo dos adjetivos e faz com que o leitor seja ativo na história, tirando suas próprias conclusões sobre o que está sendo narrado. Isso possibilita o aprofundamento do leitor na personagem, o qual pode aprender com ela. É neste envolvimento do leitor com a obra que reside, para Aline, um papel fundamental da ficção, pois, ao se comunicar com sentimentos e vivências, pode haver o reconhecimento por parte do público e, assim, os tornar melhores. A autora aproveitou este tópico para comentar que muitos de seus leitores usaram seus livros para explicar os próprios problemas em sessões de psicanálise. 

 

A autora Aline Bei, sentada no centro da imagem com casaco marrom claro, está segundo um livro e um microfone. Ao seu lado esquerdo, está a apresentadora da mesa, Marcela.
Aline Bei, no centro, no momento em que realizava a leitura do livro Véspera, uma homenagem à Carla Madeira, que não pôde comparecer à palestra. [Imagem:Reprodução/Beatriz Pecinato]

 

A autora também revelou que seu estilo literário caracteriza-se pelo que não está escrito, ou seja, pelo que está por trás das palavras, residindo nas entrelinhas. Sobre a escrita, ela comentou como a música instrumental a ajuda a entrar  em um tempo imersivo para a sua própria produção literária, e que isso a auxilia a se conectar profundamente com a história, mesmo quando ela não se encontra emocionalmente disponível para escrever.

Por fim, Aline explicou que sua preferência por personagens femininas deriva da experiência que teve com Clarice Lispector e com outras escritoras mulheres, as quais a fizeram perceber coisas que nenhuma outra literatura havia feito, além de a inspiraram a ocupar um espaço que ainda precisa ser explorado nas letras.

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