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Do desconcerto fez-se orquestra

Com uma devoção meticulosa, quase como se fosse vivo seu instrumento, Laerte cuida do violino à primeira cena de Tudo Que Aprendemos Juntos (2015). O violinista nunca gozou de privilégios, mas fora um prodígio. Desde os oito anos, ele se lembra, ao contemplar os recortes de jornal. Talvez venha daí seu ar rijo, quase bruto, …

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Com uma devoção meticulosa, quase como se fosse vivo seu instrumento, Laerte cuida do violino à primeira cena de Tudo Que Aprendemos Juntos (2015).

O violinista nunca gozou de privilégios, mas fora um prodígio. Desde os oito anos, ele se lembra, ao contemplar os recortes de jornal. Talvez venha daí seu ar rijo, quase bruto, hoje cumulado no desejo de ser maestro da Osesp (Orquestra Sinfônica de São Paulo). Mas, ao rompante do piano, sob o palco de sua audição mais importante, ele vacila. E falha.

A frustração de Laerte é, outra vez, bruta. Daqui em diante, o violinista se torna um corpo insatisfeito demais para caber em si mesmo. Mas a verdade é que mesmo os frustrados precisam fazer sustento; pagar os aluguéis atrasados; e mandar razão de orgulho aos pais que moram longe. Então, a contragosto, o músico se emprega como professor de música duma escola pública na comunidade de Heliópolis, em São Paulo.

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O primeiro olhar é ingrato. Desgostoso. Laerte se acha defronte duma turma que não dá valor a seus tributos nem tampouco parece se esforçar em fazê-lo. Mas não é por acaso que Tudo Que Aprendemos Juntos seja um filme sobre desarmar-se; desconstruir-se; e entregar-se, afinal.

A primeira ruptura se arranja quando os olhos ainda ríspidos da personagem de Lázaro Ramos se entrecruzam com a vocação de Samuel: menino jovem, de peito repleto de ânsia e um violino bem ancorado aos ombros. Então, a impressão primeira se reinventa. Fica mais íntima, mais empática.

E nada aparenta desonesto nesta ressignificação. A grande força de Tudo que Aprendemos Juntos está, justamente, na sua procura por uma verdade representativa – ou por uma representação verdadeira. Um pedaço do elenco, nesse sentido, é constituído não por atores em performance pura; mas pela atuação vivencial duma juventude que é filha da própria favela.

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A reflexão do filme se desdobra, enfim, quando Laerte se dá conta de que essas vidas estão aliciadas a condições de existência muito mais complexas. Porque “aqui é favela!”, ouve-se o grito inconformado no meio dum confronto entre policiais e civis da comunidade. Há guerra, há tráfico e há uma maturidade violenta, enfiada goela abaixo daqueles meninos e meninas.

Por isso, o filme desmantela a expectativa de quem apostava numa fábula de fibras meritocráticas.

Tudo Que Aprendemos Juntos sabe que todas as vidas particulares narradas ali são atravessadas por dores estruturais e que não se trata, portanto, da criação de heróis esforçados. Não há messianismo nem milagre acidental. Há mesmo a realidade: árida, emboscada pela desigualdade, mas possível de ser guinada à transformação, se a oportunidade arreda para os que nunca antes usufruíram dela.

As camadas mais propriamente estéticas da película, por sua vez, dão caldo a essa precisão do roteiro. A fotografia é de uma beleza sóbria e a trilha sonora é feita duma miscelânea de sincretismos que saltitam da música clássica à periferia paulistana e causam catarse. De Vivaldi, Bach e Pachbel, dum lado, à Rappin’ Hood, Sabotage e Criolo, do outro.

Nesse concerto, Tudo Que Aprendemos Juntos é um dos rebentos mais gratos da safra nova do cinema brasileiro. Pode ser cru, transparente e sem meias-palavras, feito uma verdade que tem pressa pra existir– mas comove profundamente, como uma canção doída, saudosa, que finalmente voltou a tocar.

Confira o trailer:

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